sábado, 29 de março de 2014

E se eu fosse você?

Nos últimos dias, dois fatos me deixaram bastante assustado e lamentando muito o rumo que a sociedade brasileira está tomando. No primeiro, duas ciclistas morreram atropeladas no mesmo dia por ônibus do transporte coletivo de Porto Alegre. O segundo, o resultado de uma pesquisa onde mais de 65% dos homens entrevistados dizem que mulheres com roupas curtas merecem ser estupradas.O que há de errado conosco?
Quando as duas jovens ciclistas foram mortas pelos motoristas de ônibus, os olhares se voltaram para os perigos do transito da cidade. Nada muito novo para quem vive em Porto Alegre. O mais surpreendente é que alguns gestores da prefeitura, parte da imprensa e manifestações nas redes sociais culpabilizaram as vítimas, dizendo que “não quer perigo? Parem de pedalar”, como se as ruas fossem de propriedade absoluta dos carros.
O pior de tudo foi ver que em nenhum momento se pensou nas vítimas e em suas famílias como a prioridade. Nas manifestações oficiais e na imprensa, pouco ou nada de condolências e solidariedade, e muito de ilações sobre as responsabilidades das ciclistas. As pessoas esquecem que por trás – ou na frente – de cada estatística há sempre pessoas, familiares e amigos, mas isso às vezes se apaga.
Na segunda notícia, a pesquisa com 65% dos homens respondendo que mulheres com roupas curtas mereciam ser estupradas, e que mulheres agredidas não deveriam ir à polícia. Que sociedade estamos construindo? O que faz com que haja tanta gente imbecil e com esse desejo de violência pura e simples? Já é passada a hora de o brasileiro jogar no lixo a sua cultura escravocrata, onde acha que negros e mulheres ainda são considerados como propriedades suas e/ou seres inferiores.
Cada pessoa tem que ter o direito de agir, vestir, sentir como quiser, desde que esteja dentro da lei. Ninguém tem o direito de pensar ou executar uma violência contra quem quer que seja, mais ainda por uma vestimenta. Fico pensando se esses estupradores em potencial que responderam a essa pesquisa tem mãe, irmã, namorada, filha? E se fosse com alguma delas, o que eles sentiriam?
Cadê a tão decantada tolerância do brasileiro?. Acho que esse mito está sendo desfeito do jeito mais triste possível. Isso porque, com o passar do tempo e com a emergência das redes sociais, cada vez mais o país se mostra uma multidão conservadora e preconceituosa. As redes sociais se tornaram terreno fértil para manifestações radicais e intolerantes, e não sei onde isso vai parar, mas não será num bom lugar - esse é outro assunto.
O que esses dois fatos tem em comum? Muita coisa. A principal delas, a incapacidade cada vez maior de as pessoas se colocarem no lugar das outras. Porque é tão difícil pensar no próximo como alguém que tem particularidades, sentimentos, direitos, deveres, enfim, uma vida? O que tem nos levado a ser assim tão insensíveis? Infelizmente, eu não tenho as exatas respostas para essas questões.
O mais contraditório é que muito se têm saudado a emergência da diversidade e a “consolidação das minorias” no Brasil. Alguns apontam fatos isolados como exemplo de que estamos em uma sociedade aberta às diferenças e que estamos mais tolerantes. Tudo uma falácia.
O que eu percebo é que as minorias têm vivido de migalhas dadas pelas consideradas maiorias. Beijo gay na novela, pessoa com deficiência no meio acadêmico, mulher na presidência da republica e tantas outras demonstrações da “diversidade” do nosso povo, nada mais são do que gotas para quem merece um oceano. Deixa-se que umas poucas pessoas das minorias tenham algum sucesso para demonstrar a nossa bondade e tolerância, e não por uma mentalidade de respeito pela diferença.
Meu amigo Carlos Ely está mais do que certo ao dizer que a maior “herança” dos protestos do ano passado foi a demonstração e radicalização do conservadorismo brasileiro, ao menos, da classe média. Pois é, isso representa que as pessoas não entenderam absolutamente nada sobre aquilo que a parcela dos manifestantes que começou tudo queria dizer.  Seja como for, não temos diversidade, temos a tentativa de enganar alguns de que isso está em curso, quando na verdade, está piorando o preconceito.
O remédio para essa doença que parece terminal eu não sei qual é, mas acho que doses irrestritas de empatia não fariam mal nenhum. A atual juventude – às vezes mais conservadora que a geração anterior – talvez seja difícil de modificar, mas se começarmos a implantar nas escolas, em nossas casas e nos nossos comportamentos a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, quem sabe em um dia não tão distante isso poderá mudar.
Ninguém é obrigado a gostar de mulheres com roupas curtas, nem a ter apreço por pessoas que se locomovem com bicicletas, mas tem o dever de respeitar o direito e o espaço do outro. Mais do que isso, seriamos tão mais felizes se cada um de nós aprendesse como se posicionar no lugar de cada pessoa com quem convive. Isso não é uma coisa que “os políticos” tenham que fazer por nós. A empatia é uma atitude fundamental para o bem-estar de todos, e algo que só depende de nós mesmos.
Por mais que às vezes eu ache uma tarefa impossível, eu vou continuar lutando até o fim dos meus dias para que as pessoas entendam a beleza que é conviver e partilhar com o diferente. Perguntar-se “se eu fosse você?” é algo óbvio, porque querendo ou não, nós somos e estamos no outro. Sem a alteridade não seriamos quem somos. Acredite ou não, sempre há um pouco de nós em outrem, e vice versa também.

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