Nos últimos dias, dois fatos me deixaram bastante assustado e
lamentando muito o rumo que a sociedade brasileira está tomando. No primeiro,
duas ciclistas morreram atropeladas no mesmo dia por ônibus do transporte
coletivo de Porto Alegre. O segundo, o resultado de uma pesquisa onde mais de
65% dos homens entrevistados dizem que mulheres com roupas curtas merecem ser
estupradas.O que há de errado conosco?
Quando as
duas jovens ciclistas foram mortas pelos motoristas de ônibus, os olhares se
voltaram para os perigos do transito da cidade. Nada muito novo para quem vive
em Porto Alegre. O mais surpreendente é que alguns gestores da prefeitura,
parte da imprensa e manifestações nas redes sociais culpabilizaram as vítimas,
dizendo que “não quer perigo? Parem de pedalar”, como se as ruas fossem de
propriedade absoluta dos carros.
O pior de
tudo foi ver que em nenhum momento se pensou nas vítimas e em suas famílias
como a prioridade. Nas manifestações oficiais e na imprensa, pouco ou nada de
condolências e solidariedade, e muito de ilações sobre as responsabilidades das
ciclistas. As pessoas esquecem que por trás – ou na frente – de cada
estatística há sempre pessoas, familiares e amigos, mas isso às vezes se apaga.
Na
segunda notícia, a pesquisa com 65% dos homens respondendo que mulheres com
roupas curtas mereciam ser estupradas, e que mulheres agredidas não deveriam ir
à polícia. Que sociedade estamos construindo? O que faz com que haja tanta
gente imbecil e com esse desejo de violência pura e simples? Já é passada a
hora de o brasileiro jogar no lixo a sua cultura escravocrata, onde acha que
negros e mulheres ainda são considerados como propriedades suas e/ou seres
inferiores.
Cada
pessoa tem que ter o direito de agir, vestir, sentir como quiser, desde que
esteja dentro da lei. Ninguém tem o direito de pensar ou executar uma violência
contra quem quer que seja, mais ainda por uma vestimenta. Fico pensando se
esses estupradores em potencial que responderam a essa pesquisa tem mãe, irmã, namorada, filha? E se fosse com alguma delas, o que eles sentiriam?
Cadê
a tão decantada tolerância do brasileiro?. Acho que esse mito está sendo
desfeito do jeito mais triste possível. Isso porque, com o passar do tempo e
com a emergência das redes sociais, cada vez mais o país se mostra uma multidão
conservadora e preconceituosa. As redes sociais se tornaram terreno fértil para
manifestações radicais e intolerantes, e não sei onde isso vai parar, mas não será
num bom lugar - esse é outro assunto.
O
que esses dois fatos tem em comum? Muita coisa. A principal delas, a
incapacidade cada vez maior de as pessoas se colocarem no lugar das outras.
Porque é tão difícil pensar no próximo como alguém que tem particularidades,
sentimentos, direitos, deveres, enfim, uma vida? O que tem nos levado a ser
assim tão insensíveis? Infelizmente, eu não tenho as exatas respostas para
essas questões.
O
mais contraditório é que muito se têm saudado a emergência da diversidade e a “consolidação
das minorias” no Brasil. Alguns apontam fatos isolados como exemplo de que
estamos em uma sociedade aberta às diferenças e que estamos mais tolerantes.
Tudo uma falácia.
O
que eu percebo é que as minorias têm vivido de migalhas dadas pelas
consideradas maiorias. Beijo gay na novela, pessoa com deficiência no meio acadêmico,
mulher na presidência da republica e tantas outras demonstrações da “diversidade”
do nosso povo, nada mais são do que gotas para quem merece um oceano. Deixa-se
que umas poucas pessoas das minorias tenham algum sucesso para demonstrar a
nossa bondade e tolerância, e não por uma mentalidade de respeito pela
diferença.
Meu
amigo Carlos Ely está mais do que certo ao dizer que a maior “herança” dos
protestos do ano passado foi a demonstração e radicalização do conservadorismo
brasileiro, ao menos, da classe média. Pois é, isso representa que as pessoas
não entenderam absolutamente nada sobre aquilo que a parcela dos manifestantes
que começou tudo queria dizer. Seja como
for, não temos diversidade, temos a tentativa de enganar alguns de que isso
está em curso, quando na verdade, está piorando o preconceito.
O
remédio para essa doença que parece terminal eu não sei qual é, mas acho que
doses irrestritas de empatia não fariam mal nenhum. A atual juventude – às vezes
mais conservadora que a geração anterior – talvez seja difícil de modificar,
mas se começarmos a implantar nas escolas, em nossas casas e nos nossos
comportamentos a capacidade de nos colocarmos no lugar do outro, quem sabe em
um dia não tão distante isso poderá mudar.
Ninguém
é obrigado a gostar de mulheres com roupas curtas, nem a ter apreço por pessoas
que se locomovem com bicicletas, mas tem o dever de respeitar o direito e o
espaço do outro. Mais do que isso, seriamos tão mais felizes se cada um de nós
aprendesse como se posicionar no lugar de cada pessoa com quem convive. Isso
não é uma coisa que “os políticos” tenham que fazer por nós. A empatia é uma
atitude fundamental para o bem-estar de todos, e algo que só depende de nós
mesmos.
Por
mais que às vezes eu ache uma tarefa impossível, eu vou continuar lutando até o
fim dos meus dias para que as pessoas entendam a beleza que é conviver e
partilhar com o diferente. Perguntar-se “se eu fosse você?” é algo óbvio,
porque querendo ou não, nós somos e estamos no outro. Sem a alteridade não
seriamos quem somos. Acredite ou não, sempre há um pouco de nós em outrem, e
vice versa também.
Nenhum comentário:
Postar um comentário