sábado, 28 de setembro de 2013

Bengalando em Barcelona (Conhecendo e me locomovendo pela cidade)



Para pessoas com deficiência visual, creio que uma das situações mais embaraçosas sejam aquelas em que estamos em um lugar completamente desconhecido, pior ainda se for em um país diferente e com outro idioma. Esse é o meu caso, embora eu saiba razoavelmente bem me virar no espanhol e esteja acompanhado por minha esposa Patrícia.
Sinto-me como um bebê, que reaprende tudo, a achar ruas, a encontrar os melhores caminhos, a evitar ao máximo se perder (o que nem sempre é possível), a me comunicar de um jeito diferente, enfim, entrar na vida da cidade. Já estou aqui há vinte dias e pude analisar muitas situações de acessibilidade, principalmente as que se referem aos sistemas de transporte e das ruas de Barcelona, além de outras particularidades interessantes relacionadas ao tema.
Uma das coisas que mais me chama a atenção aqui é a grande quantidade de cadeirantes circulando pela cidade. Muitos, mas muitos mesmo,. pessoas idosas que já não caminham mais, porém, o número de adultos, jovens e crianças em suas cadeiras de rodas é bem grande.
Achei bem estranho que até hoje só encontrei dois cegos – um eu mesmo vi, o outro minha esposa contou ter visto de longe. Em um país com uma das maiores maior associações de cegos do mundo como é o caso da ONCE (Organização Nacional dos Cegos da Espanha), não me deparar com uma quantidade proporcional de pessoas com deficiência visual nas ruas foi mesmo uma surpresa, pelo menos até aqui.
No que tange às ruas e calçadas, a diferença para o Brasil é colossal. Em vinte dias andando – e muito – pela cidade não encontrei sequer UM buraco ou obstáculo aéreo que pudesse representar perigo para uma pessoa com deficiência visual. Tudo que vi até agora uma bengala rastrearia com relativa facilidade (conforme se pode ver em uma das fotos abaixo).
A dificuldade aqui é que as ruas estão dispostas na diagonal em relação às grandes vias da cidade, isso acaba levando a muitas confusões nos cruzamentos e acarreta problemas na hora de encontrar algum itinerário traçado. Pior que isso, é necessário ter uma luneta para achar o nome das ruas, pois essas ficam afixadas a uma distância muito grande e as letras são pequenas.
Todavia, os condutores de carros, caminhões, motos e bicicletas respeitam todos os sinais e guiam sempre com segurança, se um pedestre atravessa a rua, mesmo com o sinal fechado eles param seus veículos (já ouvi reatos contrapondo isso que digo), e quando o sinal fica verde para os pedestres parece aquela brincadeira de “estátua” pois TODOS param na faixa correta.
Excetuando-se o distrito da Ciutat Vella, que é a parte histórica da cidade e por isso as ruas são estreitas e os prédios mais antigos bem inacessíveis, o restante da cidade que conheci até agora é bem diferente.
As calçadas são amplas em sua maioria, o que ajuda no fluxo dos pedestres e na circulação de pessoas com deficiência, já que sendo grande e sem obstáculos perigosos ajudam muito a termos segurança e autonomia. Como eu já disse, não há buracos, relógios de luz, orelhões ou lixeiras que nos façam ter quedas ou colisões.
Não há muito piso tátil, e confesso que isso me decepcionou um pouco – mas só um pouco. Não encontrei nenhum desses pisos pela cidade nos caminhos que fiz. Mas, se pensarmos que poucos são os cegos que circulam pelas ruas, talvez isso seja mesmo considerado desnecessário pelas autoridades daqui. Eu ainda acho que todas as ruas de todos os lugares do mundo deveriam ter pisos táteis bem colocados, mas aqui isso não chega a representar um perigo mais grave.
Encontrei os pisos táteis apenas nas estações de metrô. Lá sim eles estão em todos os lugares, inclusive no banheiro. Mais do que isso, ao contrário do que acontece na maioria dos lugares no Brasil, aqui o piso tátil é colocado corretamente. Um exemplo disso, é que quando se chega perto da escada (rolante ou não) para sair da estação, o piso vai direcionando para o canto direito onde existe um corrimão e o fluxo de movimento é menos perigoso (aqui o lado esquerdo é reservado aos apressadinhos).
O piso tátil aqui é diferente (como pode ser visto em uma foto que tirei do piso no metrô), pois ele não tem relevos como os nossos. Eles são apenas pisos diferentes dos lisos colocados no restante do espaço. Enquanto todo o chão é cinza ele é da cor branca, e o contraste é bom. São todos com umas ranhuras, e quando as ranhuras são na vertical é para andar, e na horizontal é o piso de alerta. Contudo, o problema é que pelo fato de as ranhuras serem pequenas e finas, sentir a diferença dos pisos é um pouco complicado e só mesmo se acostumando para saber como usar, duvido que alguém de botas sinta a diferença.
Por outro lado, quando fui à praia, aproveitar o que resta do verão europeu, notei que as praias aqui são relativamente acessíveis. Em muitos lugares como na praia de Bogatell (conforme pode ser visto na fotografia), os acessos à orla contam com muitas rampas e em alguns lugares se pode encontrar umas plataformas com rampas que permitem aos cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida tomarem seu merecido banho de mar.
O sistema de ônibus é um espetáculo à parte. Para começar, as paradas todas têm bancos e cobertura em caso de chuva ou muito sol, onde se pode encontrar também informações sobre todas as linhas que passam na respectiva parada, seus destinos e horários.
Na maioria dos pontos há painéis eletrônicos que avisam as linhas que passam por ali e quanto tempo falta para que cada coletivo chegue ao local. Mais surpreendente que isso, para quem vive no Brasil, é que os ônibus SEMPRE chegam no horário marcado, tanto é que eu resolvi conferir e desisti, pois nunca houve sequer um atraso (esse sistema também existe no metrô)..   
Outra questão importante é que todos os ônibus contam com letreiros enormes e com cores cujo contraste ajuda muito uma pessoa com baixa visão a identificar tranquilamente a linha que deve pegar. Dentro do “busão” há avisos sonoros para avisar qual a próxima estação e para avisar quando as portas são abertas e quando elas serão fechadas. As mesmas informações podem ser visualizadas em painéis pelos demais passageiros.
Enfim, o resumo que eu faria de tudo que encontrei até aqui é que Barcelona é uma cidade preparada para as pessoas com baixa visão (pelo menos para a maioria delas). Quero dizer com isso, que com exceção das placas indicativas das ruas, todas as demais têm tamanho grande, nos ônibus e no metrô as informações são em fontes ampliadas e com bastante contraste. Como não há piso tátil ou sinais sonoros nos semáforos, creio que os cegos tenham um pouco de dificuldade em circular pelas ruas, no entanto, quem tem baixa visão consegue se locomover com segurança e funcionalidade.
E agora sim para finalizar, uma coisa me agradou muito. O povo catalão é reservado e muita gente os taxa de mal educados. Pode até ser, mas pelo menos eu me livrei de uma coisa que tinha que conviver sempre que eu saia na rua lá no Brasil. Aqui as pessoas não se intrometem na sua vida com perguntas do tipo: “qual seu problema?” “quanto você enxerga? Você só vê vultos?” “não tem um tratamento para te fazer melhorar a visão” ou observações: “tadinho, inteligente, mas cego”.
Aqui eu posso andar sem ser importunado com essas situações um tanto inconvenientes, e das quais não sinto nenhuma falta. Em Barcelona, é cada um na sua, se precisar de ajuda você pede e eles ajudam, sem perguntas intrometidas. Todos me tratam normalmente, sem piedade ou como herói que se supera, e isso me faz muito bem, afinal, não é assim que tem que ser?
Mais do que acessibilidade arquitetônica, parece que as barreiras atitudinais são bem menores do que no Brasil. Seguirei meus estudos e observações, podendo confirmar ou não minhas hipóteses, por isso mesmo, te convido a continuar lendo as postagens que faço aqui sobre minha epopeia bengalante em Barcelona.
Descrição da foto:
A fotografia colorida mostra a praia de Bogatell vista do calçadão em um dia de céu azul e com poucas nuvens. No centro da imagem, uma passarela de madeira se estende do calçadão até o mar sem ondas. Na água, ao longe, alguns barcos a vela. Ao fundo, a silhueta de alguém que anda sobre a passarela rumo às águas azuis do Mediterrâneo. Na areia, a meio caminho entre o calçadão e o mar, poucas pessoas tomam sol. À direita, junto à passarela, dois latões de lixo e, perto deles, um piso sobre o qual estão dois chuveiros.
Descrição: Mimi Aragón





Descrição da foto:

A fotografia colorida retrata o trecho da Gran Via de les Corts Catalanes junto à Plaza de Toros Monumental em um dia claro. À esquerda, o leito da avenida com duas pistas triplas. No centro, um canteiro ladeado por árvores, no meio do qual está uma placa amarela com setas pretas que apontam para a direita. À direita, a fachada de tijolos castanhos em estilo neomudejar da Plaza, com o alto da aberturas em forma de arco decorado com azulejos brancos e azuis. Automóveis estão estacionados ao longo de toda a faixa dupla junto à fachada.
Descrição: Mimi Aragón





Descrição da foto:
A fotografia colorida mostra a plataforma de embarque da estação Monumental, da linha roxa de metrô. À direita, os trilhos percorrem o longo túnel sem qualquer vagão. No centro, no chão cinzento, paralelo à beirada da plataforma, um piso tátil direcional em tom claro. Ao fundo, uma mulher caminha sobre ele. À esquerda, algumas pessoas aguardam sentadas ou em pé. 
Descrição: Mimi Aragón

domingo, 15 de setembro de 2013

Bengalando em Barcelona (como cheguei até aqui)


Estou inaugurando uma nova série no blog por conta de meu Doutorado Sanduíche na apaixonante Barcelona. Já escrevi antes como sempre tive a vontade de fazer doutorado sanduíche e passar um tempo estudando fora do Brasil. Isso além de me dar currículo, está me dando uma experiência de vida inigualável.
Foram 3 anos desejando e batalhando para chegar até aqui. Tive muitas dificuldades no que diz respeito aos processos burocráticos e de acessibilidade aos locais e procedimentos a serem efetuados. Não sei se já houve algum doutorado com deficiência visual a fazer Doutorado Sanduíche, mas se houve ele não escreveu em nenhum blog ou livro os registros dessas aventuras, pois procurei por mais de um ano e meio por essa informação.
Seja como for, eu espero inspirar e ajudar a outros colegas cegos e com baixa visão que estejam desejando fazer seu sanduíche, Talvez eu não vá livrar ninguém de algumas roubadas, mas espero cumprir com meu compromisso social de bolsista e repassar muitas informações interessantes e relevantes a todos, mas principalmente aos meus amigos com deficiência visual.
Para começar essa aventura foram necessários dezenas de procedimentos burocráticos sucessivos e que sinceramente são uma maratona física e de paciência. É verdade que tudo tem que correr com transparência e nos trâmites legais corretos, mas custa muito resumir isso e ter efetividade? O fato é que a burocracia foi o maior dos meus problemas. Não vou nem mencionar os entraves que tive por conta da incompetência, indolência e burocratização por parte de alguns funcionários públicos.
Os documentos que tive que entregar na universidade e enviar à CAPES foram mais de uma dezena e, pior do que isso nenhum deles me foi fornecido com fontes ampliadas. Ou seja, para preencher aquele mar de informações é um pouco difícil e precisei da ajuda de outras pessoas para preencher sem rasurar.  As letras são pequenas e os espaços para preencher menores ainda. Mais do que isso, os documentos são em PDF o que impede uma adequada leitura por conta dos sintetizadores de voz.
Felizmente, minha esposa Patrícia aceitou o desafio de vir comigo, o que tem me ajudado de maneira inimaginável, pois sem ela, nesse inicio acho que eu não daria um passo sem me perder. A ajuda de uma pessoa próxima sempre é importante nessas horas e se não fosse ela tudo seria mais difícil em todos os sentidos.
No nosso caso, tivemos que fazer visto de permanência, já que a Espanha o exige para quem passará mais de 6 meses no país. Ter acesso ás informações sobre os documentos necessários para fazer o visto foram complicadas de encontrar, pois o site do consulado espanhol é bem confuso e pouco acessível, repleto de imagens e com letras pequenas.
A lista de exigências mais parecia uma gincana impossível de ser cumprida de tantas coisas que deverias ser feitas. De seguro saúde passando por atestado médico até atestado de bons antecedentes com carimbo do Itamaraty. Foram nada mais do que 11 documentos para cada um de nós, desmataram uma floresta para usar todo o papel de que precisei.
Indo à Policia Federal fazer o passaporte começou o show de horrores. O prédio é numa ruazinha meio escondida, com uma ladeira repleta de obstáculos no caminho. Para entrar no edifício é preciso subir um número infindável de degraus, e não tem rampa.e nem piso tátil.
Para se movimentar lá dentro, pegar uma ficha e ser atendido é uma enorme confusão pois a sinalização não é boa nem para quem enxerga. Existem muitas cadeiras e outros obstáculos no caminho atrapalhando a circulação, guichês com letras minúsculas e eu só descobri que era minha vez de ser atendido por estar junto com a Patrícia.
Para conseguir meu atestado de bons antecedentes com carimbo do Itamaraty sem ir à Brasília tive que comparecer ao “escritório” da instituição em Porto Alegre, localizado no Centro Administrativo do Estado do rio Grande do Sul. É um absurdo como um prédio daqueles ainda está aberto, ele é plenamente Inacessível, nada lá é bom, desde as tentativas de se chegar dentro do edifício até a circulação interna.
O local em questão é um prédio enorme onde estão a maioria das secretarias de estado, e tudo é completamente desorganizado. Para chegar onde precisava, tive que passar por muitos labirintos, elevadores sem acessibilidade e uma quantidade maior ainda de funcionários conversando animadamente e tomando cafezinho no horário de expediente. O tal “escritório” é uma salinha num canto do 17º andar do prédio. Levei meia hora para encontrar, meia hora esperando a boa vontade do funcionário em me atender e dez segundos para o carimbo.
Feito isso, fui ao consulado espanhol  em Porto Alegre. Finalmente um lugar acessível. Cheguei lá e logo um segurança orienta e ajuda a chegar ao elevador – pois há piso tátil, mas com uma catraca no meio. O elevador tem aviso sonoro e teclas em braile. Entrar no consulado foi fácil, pois tem um andar só pra ele. Lá dentro os funcionários foram atenciosos e me ajudaram bastante a preencher documentos e sanar minhas dúvidas.
Depois disso tudo, foi só esperar a documentação ficar pronta e retirar. O que tinha que fazer era aguardar o dia tão esperado chegar. Claro que eu fiz um resumo das coisas que aconteceram e confesso que dourei a pílula um pouco pois foi bem pior do que está descrito aqui. No entanto, posso dizer que todas essas dificuldades podem ser vencidas, tanto é que estou aqui.
Então, continuarei sempre atualizando e escrevendo sobre essa minha experiência de bengalar no Velho Mundo, pois a “visão” e as sensações que tenho e terei sobre a cidade certamente são diferentes das que se lê nos blogs de viajem pois NENHUM leva em conta as dificuldades das pessoas com deficiência visual. Embarca nessa comigo e vem bengalar por Barcelona!

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

Relato sobre o I Seminário de Tecnologias Assistivas e Cidadania da Pessoa com Deficiência Visual de Florianópolis

Escrevo com uma alegria tão grande quanto a aperto que me toma o peito. Sim, pois fechei com chave de ouro minhas atividades antes de vir pro doutorado sanduíche em Barcelona, ao participar do I Seminário de Tecnologias Assistivas e Cidadania da Pessoa com Deficiência Visual, ocorrido em Floripa e promovido pela ACIC e FECEC. Digo que tive esse aperto no peito pois afinal de contas aquilo que nos marca e nos faz feliz, sempre que acaba deixa saudades.
Teria muito a dizer sobre tudo que acompanhei e os belos debates que pude presenciar e que certamente produzirão muitos frutos. Mas, devo começar falando sobre a organização do evento. Seja como palestrante ou ouvinte no evento fiquei muito bem impressionado com a qualidade da organização, tudo o que foi acordado foi cumprido (algo não muito comum nos dias de hoje), situações inesperadas os que poderiam causar embaraço foram resolvidas com uma eficiência que eu confesso que nunca presenciei, e olha que eu já fui a muitos congressos.
O evento foi concebido, organizado e gerenciado quase totalmente por pessoas cegas ou com baixa visão, e isso foi uma das coisas que mais me deixou feliz. Afinal, dizem por ai que nós somos coitados, que não podemos assumir cargos de liderança e não temos condições de fazer as coisas por nós mesmos, pois ém placar atual: Cegos 1 a 0 na sociedade. Parabenizo aqui todos que participaram da organização, personificando no presidente da ACIC, o senhor Jairo da Silva, a quem agradeço a honra de participar de um evento que na minha opinião foi revolucionário.
Fiz minha palestra substituindo o amigo Paulo Romeu Filho, e falei sobre a audiodescrição no Brasil, fazendo um breve histórico, falando sobre as perspectivas atuais e futuras. Procurei demonstrar que a AD está em expansão no Brasil, mas que ainda há muito a ser feito para seu desenvolvimento. Falei também sobre as possibilidades da audiodescrição nos diferentes ambientes culturais, eventos sociais e na TV. Tentei ser o mais didático e descontraído possível - como sempre - mas sem perder o foco principal do que eu gostaria de deixar como recado para a plateia. 
O que eu mais queria que cada um refletisse é que o desenvolvimento e aumento da oferta de AD também depende de cada um de nós, não só dos audiodescritores, das associações de cegos ou legisladores. Se cada pessoa com deficiência visual for pelo menos uma vez por semana em um ambiente cultural reivindicar AD, demonstraremos a pujança, a necessidade premente e a viabilidade mercadológica do recurso.
Sem que tenhamos combinado, a imensa maioria dos palestrantes tocou no mesmo ponto de que nós pessoas com deficiência visual devemos assumir o protagonismo de nossas ações, de nos empoderarmos de nossas necessidades e de nossas possibilidades de ação. Temos que agir se quisermos que algo aconteça. 
O que me deixou mais feliz ainda foi perceber que no seminário tínhamos muitos cegos e pessoas com baixa visão na faixa etária dos 30 anos para baixo, isso significa que a galera mais jovem já está se conscientizando de chamar a responsabilidade para si e trabalhar no sentido de derrubar as barreiras existentes. Como vontade não basta e é preciso conhecimento para fazer acontecer, fico ainda mais alegre em ver que meus colegas de idade e de condição estão cada vez mais buscando se aprimorar e a refletir sobre o que nós podemos e até onde podemos chegar.
Outra situação que me deixou com o coração repleto de alegria foi reencontrar e conhecer pessoas que eu tanto admiro. Reencontrei os amigos Beto Pereira e Diniz (que por sinal está se tornando um magnata das comunicações com a rádio Mundo Cegal), conheci no evento os queridos amigos de twitter e de rádio Mundo Cegal, o grande Luidi e as estimadas Karol Salles (a mc do evento) e Aldrey Riechel (que me deu a tão sonhada bala de limão). Foi uma pena ter conversado com eles bem menos do que eu gostaria, ainda mais que agora ficarei um tempo fora do país.
Sentirei saudade das produtivas discussões em torno das temáticas da deficiência visual e das nossas possibilidades de ação frente as novas configurações sociais. Porém, do que mais sentirei saudade e da identificação que tive com o evento e com as pessoas que lá estavam, pois é tão bom se sentir em casa, se sentir entre os seus. 
É emocionante me lembrar daquele monte de bengalas circulando juntas e a sensação de que aquele era também o meu lugar. Para quem passa a vida toda se sentindo um estranho no ninho, essa sensação é a mais emocionante e inesquecível que alguém pode ter. Se o evento acontecer no mesmo período do ano, eu já estarei de volta e farei questão de participar e me sentir em casa novamente!

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

HASTA LUEGO!

Há cerca de 3 anos quando ainda estava concluindo meu mestrado comecei a acalentar o sonho de fazer um doutorado sanduíche (estágio de doutorado fora do país). Primeiro precisava concluir o mestrado e ser aprovado no doutorado, para depois passar a cogitar o assunto, mas a vontade teve inicio quando fui ao Chile em 2010. Felizmente, minha dissertação foi aprovada com sucesso e no dia seguinte - literalmente - quando foi publicada a lista de selecionados para o doutorado, lá estava meu nome. É redundante dizer que minha felicidade foi sem precedentes, mas eu nem sabia tudo de bom que o futuro me reservava.
Eu sempre tive vontade de ganhar o mundo, conhecer gente e contextos novos, trocar de ares e ter acesso a outras experiências de vida e conhecimentos profissionais. mas como? onde? Eu queria isso, conhecia o doutorado sanduíche, mas achei que fosse uma coisa muito distante e difícil para mim. As vezes as coisas estão mais longe na nossa cabeça do que na realidade dos fatos. Pensava que isso era coisa para muito pouca gente dentre os quais um simples doutorando esforçado como eu talvez não tivesse nem chance.
Mas, mesmo sem visualizar como as coisas aconteceriam eu resolvi fazer o possível para tentar chegar lá e conseguir meu sanduíche. Tracei um objetivo e uma meta que eu não sabia se conseguiria cumprir, mas como sempre, eu iria me esforçar até gastar a última bafejada de chance que eu tivesse.E assim eu fui tentando fazer contatos, ficava ligado nos editais, conversava com colegas que tinham feito o sanduíche e fui tentando escrever um projeto que se adequasse aos meus estudos aqui no Brasil.
De tanto procurar, ano passado acabei encontrando uma professora que trabalha com audiodescrição em Barcelona, e que tendo vínculo com a universidade Autônoma de Barcelona, poderia me orientar. Muitas vezes meu ímpeto é maior do que a timidez ou a "noção da realidade" e logo que descobri seu contato enviei e-mail perguntando se ela poderia me orientar, e enviei junto o projeto. E não é que em menos de 12 horas ela me respondeu dizendo que seria um prazer me orientar! É claro que ela foi extremamente gentil e generosa comigo, mas o que me surpreendeu foi a rapidez, e mais do que isso, a resposta positiva.
o mais importante eu tinha e meu sonho passou a se tornar um objetivo concreto, paupavel e saborosamente degustado aos poucos. ainda era preciso apresentar projeto no meu programa de pós-graduação e na agência de fomento, no caso a CAPES. Tramites burocráticos consideráveis para participar da seleção de doutorado sanduíche. As dificuldades por conta da burocrácia brasileira foram muitas e isso precisará de uma postagem só disso. O fato é que por pouco o sonho não me escapa por entre os dedos por culpa de carimbadores malucos e de gente que ama oficio em três vias.
Deixo isso pra lá, o que importa é que agora depois de tanto esforço, perseverança e paciência estou prestes a realizar o que muita gente deseja e que infelizmente poucos ainda conseguirão, morar fora do Brasil. Irei passar os próximos nove meses em Barcelona, estudando a acessibilidade e a audiodescrição em ambientes culturais por lá.
Queria que todas as pessoas tivessem a chance de ter essa oportunidade que eu estou tendo de me lançar ao novo, de conhecer gente e lugares diferentes. Ter a sensação de ganhar o mundo e de saber que a cada piscar de olhos será uma experiência nova. Mais do que isso, sou ainda mais feliz pela minha esposa Patrícia ter topado ir junto, pois nem o lugar mais lindo do mundo teria graça longe dela.
Além de todas as questões óbvias de alegria pela ascensão profissional, de ter conhecimentos diferentes, do reconhecimento entre meus pares da academia, eu tenho outras coisas que me deixam ainda mais felizes do que tudo isso junto. A principal delas é ver que meus familiares podem ter orgulho deste que escreve, e que todos os esforços que fizeram para me dar excelente educação não foram em vão.
Não me interpretem mal, mas para um menino que nasce em uma vila as oportunidades que aparecem talvez não sejam muitas, e ainda mais se esse menino tiver uma deficiência. Conheço um monte de gente que conviveu comigo na infância e que se perdeu na vida, a maioria deles ainda luta de sol a sol para seu sustento e tenta sempre levar a vida como pode e honestamente. Eu tive sorte e oportunidades de poder crescer na vida e ter uma existência um pouco diferente do pessoal que brincava comigo no colégio. muito disso devo aos meus pais, tios e avós, que nunca me permitiram que faltasse algo.
Quem lê meus textos sabe que eu não sou do tipo sensacionalista, então isso é só um desabafo do bem. Eu nunca vou me esquecer de onde eu vim, e que lá ainda mora muita gente que eu gosto, mas que embora mereça, talvez não tenha chance como essa na vida. Eu ainda lembro que quando tinha menos de dez anos, morava numa rua sem calçamento, que até hoje a vida é um pouco complicada por lá. Digo isso, porque são essas coisas que eu levarei comigo, é como se eu me sentisse levando o sonho de cada uma daquelas pessoas lá da vila comigo. 
Sei que vai ser uma aventura e tanto, que terei aprendizados e conhecimentos que valerão por uma década. Isso me deixa entusiasmado e com muita vontade de aproveitar cada segundo que u tiver para viver em Barcelona. Eu continuarei postando coisas sobre a vida por lá e como é ter baixa visão e viver em uma cidade e em um país diferente. Eis uma dúvida que tenho, terá outra pessoa com deficiência visual feito doutorado sanduíche?
Mais adiante irei inaugurar aqui no blog a série "bengalando em Barcelona" contando detalhes de minhas peripécias por lá. Tenho certeza que serei feliz em terras espanhola. Sei que a saudade talvez aperte para muitos e para mim, mas o que eu procuro pensar é que a saudade é o combustível do amor, e que quando a gente voltar, amará a todos muito mais do que quando partiu. Afinal, isso não é um adeus, e sim, um doce e delicioso HASTA LUEGO!