terça-feira, 29 de novembro de 2011

Parapanamericano: medalha de ouro para os brasileiros com deficiência

Uma semana atrás, dia 20 de novembro especificamente, terminou o parapanamericano (ou seja, uma olimpíada das américas, na qual competem pessoas com deficiência) e o Brasil ficou em primeiro lugar no quadro geral de medalhas.
Não! Não foi erro de digitação e nem mesmo eu estou maluco, o Brasil ficou mesmo na frente até dos EUA. Uma bela demonstração do potencial dos atletas brasileiros com deficiência, infinitamente superiores aos atletas do pan-americano, que nadavam e morriam na praia.
Quando os atletas e pessoas ligadas ao esporte tentam explicar os motivos pelos quais o Brasil ainda tem um desempenho pífio nas competições olímpicas e pan-americanas, o primeiro argumento tido como o mais forte e inquestionável é a falta de patrocínio.
De fato, esse é um problema que faz com que não tenhamos um desenvolvimento esportivo a contento. Mas, imaginem, se os atletas conhecidos e tidos como tipicamente “perfeitos fisicamente” não conseguem patrocínio, como ficam os atletas com deficiência?
Muitos deles, não têm qualquer incentivo e usam grana do próprio bolso, ou trabalham em outras profissões para bancarem suas carreiras de atletas. Outros, recebem Bolsa Atleta do governo brasileiro, porém chega a ser um valor quase irrelevante para o treinamento de competidores de alto rendimento.
O que noto é que primeiro os paratletas brasileiros ganham suas medalhas e depois reclamam da falta de patrocínio, ou seja, na ordem invertida dos atletas considerados “normais” que antes mesmo de competir já justificam suas derrotas. Enquanto isso, os atletas cegos, com baixa visão, com deficiência física ou intelectual são a demonstração de um infinito potencial dos sujeitos com deficiência.
Não quero dizer com isso que esses atletas são heróis, pois creio que isso não corresponde a verdade. São sim, pessoas dedicadas e competentes naquilo que fazem, são de fato vencedores. Não vencedores por terem se superado, afinal, para mim jamais alguém com deficiência irá se superar, pois eu sempre espero o máximo desses sujeitos, nunca duvidando em nenhum momento de suas qualidades.
Chamei-os de vencedores por ultrapassar estereótipos de incapacidade, por serem medalhistas de ouro, por lutarem sem incentivo governamental ou patrocínio privado e por não justificarem suas derrotas através desses argumentos financeiros.
Esse fantástico desempenho dos atletas com deficiência nessa competição são uma das diversas demonstrações de que não precisamos de benevolência, de caridade ou de assistencialismo, mas sim, de OPORTUNIDADE, profissionalismo e acessibilidade.
Mesmo assim, muitas reportagens de televisão e jornal tentam espetacularizar as conquistas desses atletas, como se tivessem feito algo impossível. Fico incomodado quando somos tratados como espetáculos quando vamos a lugares ou somos tidos como exemplos pelo fato de participarmos da vida social ao nosso modo..
Não somos celebridades da superação, somos pessoas que desejam ser como são e ter os mesmos direitos que os demais. Por fim, peço que nos tratem com menos heroísmo e assistencialismo, e mais com crença em nossas potencialidades e respeito a nossa diferença.
Peço que mirem as conquistas esportivas e profissionais dos sujeitos com deficiência não como uma epopéia, mas como a demonstração de uma potencialidade que sempre tivemos, e que a pouco tempo estamos tendo o direito de apresentar à sociedade. Temos muitos medalhistas de ouro com deficiência por ai, basta que os deixemos brilhar.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Com o mundo em nossas mãos

Nos dias 13/11 a 15/11, aconteceu em Porto Alegre o Festival Brasileiro de Cultura Surda. Organizado através do Projeto: “Produção, circulação e consumo da cultura surda brasileira”, cujo minha querida orientadora de doutorado, Lodenir Karnopp é uma das idealizadoras e coordenadoras. Neste festival, foi incrível ver – mesmo que eu não estivesse entendendo – o frenético bailado das mãos que sinalizavam. Foi um estrondoso sucesso, principalmente, porque as mãos e seus donos ficaram mais e mais emocionados.
Mas, não são apenas os surdos que captam muito do mundo através das mãos, os deficientes visuais de certa forma também o fazem. Os surdos se comunicam através das mãos, sinalizam, conversam, brigam, poetizam, narram... tudo isso transpondo para elas seus sentimentos e sensações. É por isso, que a comunidade surda normalmente utiliza a mão como um ícone da cultura surda, expressão através dessa parte do corpo que deixa de ser um membro para se tornar um passaporte para a comunicação e para a expressão dos direitos surdos a sua cultura.
Da mesma forma, pelo fato de terem uma predominância de memória visual, de compreensão visual do mundo, outro ícone surdo são os olhos, que são as “janelas da alma” e que captura as percepções e sentimentos dos surdos. Para esses sujeitos a visualidade é fundamental e faz parte da marcação cultural de suas comunidades. Portanto, é muito comum ver diversas produções surdas remetendo a mãos ou olhos, e muitas vezes até, ambos juntos.
Ainda é grande o número de pessoas que acredita que surdos e deficientes visuais não têm qualquer possibilidade de compartilhar marcadores culturais, espaços, convivência e experiências. Assim como venho afirmando a algum tempo, isso não corresponde a realidade.
Ontem já saudoso do festival, fiquei olhando para a camiseta na qual havia o logotipo do evento. Nesse momento de reflexão, logo percebi algo muito interessante:
[Descrição da imagem: Ao centro o desenho de uma mão na cor verde, na palma dela, está desenhado o formato de um olho, cuja esclera (o branco do olho) é amarela, a pupila é azul e a Iris, branca.]
Assim como os surdos, muitas vezes usamos as mãos como nossos olhos, fazemos das mãos, nosso passaporte de comunicação e de percepção do mundo. Seja por ler um texto em braile, em que se busca conhecimento e informação pela ponta dos dedos, seja pelo toque que nos permite saber onde e em que situação estamos.
Para os deficientes visuais o tato é uma forma terna – e por vezes perigosa – de contato com as diversas possibilidades que o mundo nos oferece. Tocar uma face e identificar as feições de um familiar querido, reconhecer as nuances de um rosto na ponta dos dedos, conhecer uma obra de arte pelas falanges que deslizam despreocupadas vendo aquilo que os olhos não puderam ver.
Não quero dizer com isso que as mãos substituem a audição do surdo ou a visão dos deficientes visuais, mas sim, que são formas diferentes de se deparar com o mundo. Então, temos em comum o fato de termos o mundo – ou parte dele – em nossas mãos.
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Felipe Leão Mianes

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

inventário de sentimentos


A maré...
Amar é?
Amar é maré!
Move mil moinhos.
Sem vento e sem motivos.

Para te amar não preciso pressa.
Nem mesmo de tua presença.
Mas, apenas de tua existência.
Não importa quando ou onde.
Meu amor tem o teu nome.

Acaricio teu rosto quando amanhece.
Tornaria eterno tal momento se pudesse.
Meus dias sem ti.
São como o sorriso que entristece.

No jardim florido da vida.
Dentre todas, é a mais linda.
Por mais versos que eu escreva.
Não chegarei à tua grandeza.
Em um inventário de sentimentos.
O teu quinhão é todo meu amor.

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Felipe Leão Mianes

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O badalar das bengalas

A imensa maioria das bengalas utilizadas pelos cegos e pessoas com baixa visão tem um som bem particular, e embora eu particularmente ainda não as use, cada vez que escuto o som de uma delas se aproximar, me passa uma imensa sensação de não estar sozinho, de uma identificação direta, como se o simples fato de ouvir aquele badalo me fizesse sentir acolhido. Felizmente, noto que os sujeitos com deficiência visual tem circulado com mais freqüência e em maior número em espaços cada vez mais diversos.
Dizem que os indivíduos que não enxergam bem tem uma estreita ligação com sua audição. Se isso é verdade eu não sei, mas que meus ouvidos cintilam cada vez que escuto o badalar de uma bengala tipicamente ostentada por algum “colega”, sinto-me como se estivesse em casa. Creio que todos querem estar minimamente perto daqueles com quem se identificam, conosco não é diferente.
Quando ouço o típico tilintar da bengala, penso que não estou sozinho, que há por perto mais alguém que percebe o mundo mais ou menos como eu, que tem dificuldades parecidas, que me faz sentir próximo pelo simples fato de dividirmos uma mesma condição.
Durante muitos anos os sujeitos com deficiência visual foram apartados do convívio social. Também devido a razões fundamentalmente políticas esses sujeitos não vivem em comunidades como os surdos, por exemplo, é difícil encontrar sujeitos com deficiência visual que tenham muitos amigos na mesma condição, a não ser que freqüentem as associações para cegos, das quais me furto aqui de comentar.
Ainda não faço uso da bengala, mas admito que não teria nenhum problema em fazê-lo, já que até acho que tem seu charme... Mas é fato, que a bengala é um ícone para aqueles que não enxergam o mundo do modo convencionalmente dito normal. Embora saibamos que o maior número de pessoas com deficiência visual são os que possuem baixa visão, e não os cegos, mesmo assim, são estes últimos que ganham mais destaque
Contudo, meu coração se acalanta e se infla de esperança, quando passo na rua por alguém com deficiência visual, quando convivo com pessoas com as quais me identifico. E o que me torna ainda mais feliz é ver que a quantidade de bengalas e seus donos circulando pelas ruas tem aumentado vertiginosamente nos últimos tempos.
Não sei se isso se deve ao fato de eu trabalhar pesquisando sobre o assunto, mas, antigamente passava muito tempo sem ver alguém que usasse bengala circulando pela cidade, fosse qual fosse o ambiente. Atualmente, são raros os dias em que não encontro ao menos uma pessoa empunhando seu ícone da não-vidência.
Quanto mais nós “ceguinhos” freqüentarmos os espaços públicos e privados, como teatro, cinemas, museus, motéis, parques, estádios de futebol ou seja lá o que for, mais aqueles que não tem o privilégio do não-enxergar irão verificar que nossas limitações estão naqueles que estabeleceram os padrões, e não são empiricamente comprováveis.
Admito que a maioria dos espaços públicos ainda são um show de horrores da inacessibilidade, mas é preciso ir aos lugares mesmo assim, mostrar que a deficiência está nos locais e não nas pessoas. Ou seja, quanto mais circularmos pelos diferentes ambientes possíveis, nossa presença se tornando constante, será necessário que algo seja feito. Embora cada um de nós deva fazer a nossa parte.
Aos poucos, ocorrem cada vez mais iniciativas que objetivam proporcionar acessibilidade e novas possibilidades aos sujeitos com deficiência visual. Projetos acadêmicos ou não, que almejam disponibilizar recursos de acessibilidade e acolhimento em ambientes culturais, e não apenas ao mercado de trabalho ou aos tratamentos médicos, como fora corriqueiro outrora.
No entanto, para que tais projetos continuem tendo viabilidade é necessário que passemos a bater as bengalas por ai e irmos até esses locais, gerar demandas, fazer pressão com nossa presença física. Afinal, reclamar dos problemas é fácil, difícil é vontade de ajudar na hora que as soluções aparecem...
Portanto, seja pelo que penso como acadêmico, de que somente gerando demanda através da presença é possível viabilizar as iniciativas de acessibilidade. Meu lado pessoal, deseja ainda mais ardorosamente ouvir mais e mais o badalo das bengalas como sensação de pertença, e que os acordes advindos de seus barulhinhos no solo se tornem a melodia da autonomia....
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Felipe Leão Mianes