quarta-feira, 23 de julho de 2014

Humildade: o que aprendi com ela



Uma das primeiras coisas que aprendi com meus pais é que na vida as pedras rolam, e um dia elas sempre caem juntas no mesmo buraco, viram areia e voam com o vento. Não importa se essas pedras tenham sido usadas para construir um palácio ou um casebre, que elas sejam preciosas ou sem valor comercial. Seja como for, sempre viram pó.
Uma das coisas que a baixa visão me ensinou foi querer sempre ter a maior autonomia possível, porém, há situações em que iremos inevitavelmente depender de outra pessoa. Necessitar do outro para caminhar em segurança não é um sinal de fraqueza e sim de força para reconhecer que é assim que a humanidade deve andar, unida e se ajudando mutuamente. É difícil para algumas pessoas reconhecer que não podem fazer tudo sozinhas, mas por mais paradoxal que seja, depender do outro é libertador.
Quando o temperamento adolescente chega – e em muitos permanece por longo tempo -, pensamos que temos o mundo aos nossos pés, que nós sempre estamos certos e que “o inferno são os outros”. Já para aqueles que se acostumaram a ter ajuda desde cedo, esse processo se dá com menor intensidade e tem prazo de validade curto.  
Talvez por isso, eu tenha aprendido desde criança a necessidade de cultivar sempre a humildade como um dos valores fundamentais em minha vida. Como eu não enxergo muito bem o rosto das pessoas, a faxineira e o dono da empresa são a mesma coisa para mim, afinal, sendo pessoas, merecem o mesmo tratamento e atenção. Sempre achei mais interessante estar no mesmo nível do que todo mundo, por que assim eu consigo olhar as pessoas nos olhos – ainda que eu deva estar bem perto para fazer isso.
Vivendo no mercado de trabalho e no mundo acadêmico, venho percebendo que esse é um valor que está se apagando, quiçá pela sociedade individualista e competitiva em que vivemos. Mas quando já pensava que humildade fosse algo ultrapassado, tive uma experiência que levarei sempre dentro do meu coração.
Dentro da audiodescrição, há pessoas  de quem sou um fã efusivo, e a professora Josélia Neves, referência mundial nessa área é uma delas. Suas ADs são vigorosas, repletas de informação e poesia. Por isso, sempre fui admirador de seus trabalhos. Já tinha conversado muitas vezes com ela pelo Facebook, no entanto, por conta de minha ida a Leiria seria a primeira vez que a veria pessoalmente.
Fui apresentado a ela no momento em que acontecia um evento onde estavam sendo distribuídas camisetas aos participantes. Depois de um abraço, ela me perguntou: Tens uma camiseta? Eu respondi: Não, ainda não. E, para meu espanto, aquela pessoa que eu tanto admiro e que me via pela primeira vez na vida, tira a camiseta que estava sobre um blusão e me entrega dizendo: fica com essa então.
Para muitos, isso parece um gesto simples, não para mim. Mais ainda, porque depois de algumas conversas e de um breve convívio, tive ainda mais certeza da grandiosidade que é o ser humano Josélia Neves. Uma profissional gabaritada e capaz de obras geniais, que conversava comigo como se eu fosse de sua família.
Não são poucas as ocasiões em que conheço gente que está apenas iniciando na carreira ou que adquire algum destaque e logo a “fama” sobe para a cabeça. Depois da experiência em Leiria, fiquei com ainda menos paciência para aturar esse tipo de gente que age com arrogância e prepotência, desses quero distância. Não desejo o mal, mas aquele que empina demais o nariz acaba caindo de traseira no chão. Pior que isso, estará tão afastado das outras pessoas que dificilmente haverá quem estenda a mão para levantá-lo.
Não quero dizer que eu seja perfeito ou um exemplo a ser seguido, contudo, uma das coisas que sempre me orgulhei é da capacidade que tenho de saber quando estou errado e que devo aprender mais e mais a cada dia. Afinal, quando a gente não tem mais nada a aprender, que graça tem a vida?
Tempos atrás, alguns amigos me falaram que eu andava reclamando demais das coisas. Ao invés de ficar bravo e colocar a culpa em alguém, olhei para dentro de mim mesmo e percebi que falavam a verdade, e que eu precisava mudar, mais para o meu bem do que para mostrar aos outros. Aceite, aprendi e desde então tenho tentado melhorar, e espero estar conseguindo. Ficar mais tranquilo tem me feito tomar decisões menos açodadas, me faz dormir melhor e ter mais o afeto e simpatia das pessoas.
Isso também ocorre no âmbito profissional, pois quem vive no meio acadêmico deve saber que a crítica faz parte do cotidiano, e é assim que tem que ser. Se eu fosse me melindrar com cada probleminha que encontram nos meus trabalhos eu não teria mais tempo para me divertir. E, é justamente isso que me encanta na academia e na audiodescrição, que eu ainda trabalho me divertindo.
Mesmo porque, ter um discurso que valorize a diferença é fácil, levar adiante isso na prática, nem todos conseguem. Entender que ninguém está acima ou abaixo, que todos temos defeitos e qualidades, isso sim é compartilhar a experiência de viver na diferença.
Ter humildade não significa modéstia em excesso, pois cada um sabe e deve valorizar as qualidades que tem. Entretanto, de que adianta ter qualidades se não souber usar? De que adianta ser bom se ninguém te quer por perto? Além disso, aquele que acha que sabe tudo, na verdade, ainda não entendeu nada.
Portanto, a humildade é uma ponte que nos liga ás pessoas e aos conhecimentos. Enquanto isso, a soberba é um enorme muro de concreto sem cor e sem brilho por onde só se vê as sombras das coisas. Não tenho raiva, nem rancor de quem não é humilde, porque quem ainda não andou por essa ponte, merece mesmo é pena e compaixão, no mais, a vida se encarrega...