quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Bengalando em Barcelona (Park Guell)

Dessa vez, fui bengalar por um dos pontos turísticos mais conhecidos de Barcelona, o famoso Park Guell, inaugurado em 1922, vindo a se tornar Patrimônio da Humanidade  pela UNESCO em 1984. Em princípio era para ter sido um bairro da cidade, mas como foi um fracasso imobiliário acabou virando um parque e com algumas das obras mais impressionantes do renomado arquiteto catalão Antoni Gaudi. 
Chegar ao Park Guell não foi uma tarefa fácil, pois a estação de metrô e as linhas de ônibus mais próximas ficam a cerca de 30 minutos de caminhada do parque. Além disso, situa-se em uma colina e, portanto, há uma subida muito íngreme até chegar ao local, o que dificulta – quase inviabiliza – a ida de pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida.
Para subir, encontramos escadas rolantes que ajudam no deslocamento. Contudo, não há a mesma facilidade na descida. Mais que isso, para quem consegue ir até lá, por conta da topografia do parque, existem dezenas de escadas para os acessos aos diferentes espaços, mas não há elevadores, rampas ou algo que ajude no deslocamento dessas pessoas.
Para uma pessoa com deficiência visual as dificuldades começam já no metrô, pois não há informações claras em braile e/ou fontes ampliadas que informem o caminho que se deve seguir para chegar ao parque. Porém, nem mesmo as pessoas videntes conseguem encontrar com facilidade e autonomia as informações que precisam. Prova disso é que muitos turistas acabam se perdendo.
O piso é feito com pequenos relevos quadriculados, dificultando o uso da solavancos provocados pelas ondulações. Embora seja preciso ressaltar que durante todo o caminho não há sequer um buraco ou obstáculo aéreo que possa provocar algum tipo de acidente.
Depois da aventura de tentar ir até o parque, na entrada existe um totem com informações sobre o lugar, em Braile e em fontes ampliadas. Mais que isso, existe um mapa em alto relevo onde se podem verificar os locais que se deseja ir e as rotas a serem percorridas.
Não há calçamento na maioria dos trajetos, o que dificulta a localização espacial e a locomoção com a bengala. Como não há piso tátil, ir sozinho seria um tanto desaconselhável, ainda mais porque as elevações e declives tornam o percurso um tanto perigoso. São dificuldades que uma pessoa com deficiência visual encontraria se fosse sozinha a esse local, ou seja, isso representa uma falha na acessibilidade, mas não inviabiliza a visita, que em minha opinião deve ser recomendada diante do que irei relatar a seguir.
O parque possui uma série de viadutos que ligam diferentes pontos do parque. Todos eles construídos em pedra, sendo que a imensa maioria deles idealizados por Antoni Gaudi. Na escadaria de entrada, há duas fontes pequenas e a escultura de um lagarto.
Todas essas obras que mencionei são consideradas como parte do patrimônio artístico do local, e podem ser tocadas por todas as pessoas. Ou seja, isso ajuda as pessoas com deficiência visual a ficarem mais próximas e conhecerem as formas e texturas das obras. Isso representa a possibilidade de tocar e sentir a magnitude e grandiosidade da obra de Gaudi.
Fui visitar a Casa Museu Gaudi, e então me impressionei mais ainda com as possibilidades acessíveis que o museu oferece. Digo isso, tendo em conta que no Brasil quase a totalidade dos museus não permite que as pessoas com deficiência visual toquem no acervo, ainda mais em artigos raros como foi o caso. Por isso, creio que tal visita foi especialmente importante para demonstrar que com soluções alternativas e de baixo custo se pode prover acessibilidade.
A casa fica dentro das dependências do parque, mas é necessário pagar para ingressar e conhecer o local. Porém, pessoas com deficiência que “comprovem” isso – no meu caso, o uso da bengala branca – tem entrada gratuita e direito a um acompanhante. Se é verdade que não há catálogos e materiais explicativos em braile ou em fonte ampliada, não é menos verdade que a possibilidade de ir acompanhado pode ajudar se a pessoa que estiver conosco se dispuser a descrever a parte não acessível do acervo – como também aconteceu comigo.
Não há elevadores e a escada é bem íngreme, o que dificulta o acesso a pessoas com deficiência física ou mobilidade reduzida. No entanto, as informações dos painéis são relativamente acessíveis, já que o tamanho das letras e contraste, aliados a posição em que estavam, ajuda muito a uma pessoa com baixa visão no momento de ler o que está escrito. Outro fato interessante é que existem diversos funcionários dentro do museu se colocando sempre a disposição para auxiliar no que for necessário, para fornecer alguma informação suplementar ou mesmo guiar ou fazer a descrição dos detalhes das obras.
Porém, o fato que mais me chamou a atenção e que mais me deixou satisfeito e com a sensação de inclusão, foi a possibilidade de tocar nas obras expostas. Deixei essa parte por último por considerá-la a mais importante.
Logo na entrada do museu já havia uma funcionária me aguardando – talvez avisada via rádio que alguém com deficiência visual estava na fila – e além de me dar as boas-vindas, me cedeu um par de luvas brancas, me dizendo que eu, como pessoa com deficiência que sou, teria o direito de tocar as obras em exposição.
No acervo, havia várias obras de Gaudi, muitas delas mobiliários como algumas cadeiras e mesas desenhadas por ele. A casa foi mantida como deixara quando morreu em 1926, de tal forma que seus aposentos e o oratório foram preservados como estavam na época. Pude tocar todas essas obras e sentir cada nuance e cada formato, cada reentrância e cada curva de suas obras. Havia também, alguns bustos de Gaudi, que tateei e pude formar melhor a imagem de como era o rosto do artista, dado que pelas fotos isso não me foi possível.
Essa possibilidade tátil enriquece o conhecimento e a informação da pessoa com deficiência visual, permite que ela sinta e compreenda o que significa a obra e, ao fazer o mesmo em muitas delas, compreender o estilo do autor e verificar por si mesmo as características delas.
Tudo isso é possível a partir de uma ideia singela, através do uso de luvas feitas com um material simples, mas que torna possível a acessibilidade. Uma alternativa encontrada pelos curadores e conservadores das obras que servem de exemplo para todos os museus.
Poucos metros depois de sair do parque, encontramos uma loja vendendo produtos relacionados ao Guell e à Gaudi. O lugar se chama Gaudi Experience. Há diversas possibilidades de acessibilidade nesse lugar. A primeira, imensos painéis sensíveis ao toque, nos quais é possível encontrar diversas fotos e informações sobre as obras do arquiteto catalão.
Nesses painéis, as fotos e as informações sobre as obras poderiam ter seu tamanho ampliado e conforme o desejo do usuário poderiam ser descoladas em todas as direções. Então, além de poder ler com facilidade, era possível subir e descer a tela, lendo todos os textos com conforto e nitidez.
Além disso, para as pessoas cegas e com baixa visão que não consigam ler nos painéis, existem duas alternativas. A primeira, a possibilidade de ouvir o que está escrito na tela em catalão, espanhol, francês ou inglês. A segunda, solicitar que uma das funcionárias que estavam a disposição lesse o conteúdo do painel.
Também foi possível tockr uma maquete das escadarias e colunas da entrada do Park Guell. A reprodução é em tamanho grande e com um impressionante detalhamento. Diante disso, tive a chance de conhecer coisas que não tinha visto no momento em que estava em frente ao ambiente reproduzido. Isso complementou tudo que conhecerá antes no parque, e de fato, foi uma experiência enriquecedora.
Portanto, creio que apesar de ser pequeno, o museu me proporcionou um imenso aprendizado em termos de soluções viáveis para se prover acessibilidade dentro das possibilidades existentes sem prejudicar o patrimônio ou ferir as regras e diretrizes de conservação dos objetos.
Isso demonstra também a necessidade de reflexão e busca de alternativas no que diz respeito a acessibilidade. Muitas instituições brasileiras que mantém museus alegam baixo orçamento ou desconhecimento para não prover acessibilidade. Mas, com criatividade, alguns estudos e utilização de boas ideias, é possível lançar mão de recursos simples e ampliar a oferta de acessibilidade em seus acervos, algo ainda tão longe do ideal.



Na Casa Museu Gaudi, bem no canto direito da foto. De perfil, com o rosto virado para a obra. tateio um dos móveis desenhados pelo artista. Uso luvas brancas em ambas as mãos, com esquerda seguro a bengala branca, e com a direita toco a peça feito por Gaudi.
Um banco de dois lugares feito em madeira. Sua forma é cheia de curvas e desenhos elípticos. No acento e no encosto, há desenhos que parecem flores estilizadas.
Fim da descrição

Na Gaudi Experience, apareço de costas para a foto e de frente para um telão laranja, lendo informações sobre a Casa Calvet, que está na altura dos meus olhos, em um quadro com fundo preto e letras brancas e grandes.
Fim da descrição








Também na Gaudi Experience, estou à direita e de lado para a imagem, de frente para a maquete da entrada principal do Park Guell que está à esquerda da foto.
Estou tateando a reprodução da escultura de um lagarto e duas fontes, separando as duas escadarias que levam à sala Hipóstila. Uma sala aberta com cerca de duas dezenas de colunas  cilíndricas que sustentam a construção. Em sua fachada superior estão esculpidos lagartos semelhantes aos que estou tocando na escadaria.
Fim da descrição



terça-feira, 15 de outubro de 2013

Amor pela docência!



Quando fui redigir esse texto em comemoração ao dia dos professores fiquei um tempo olhando para a tela em branco e pensando no que escrever. Quando se tem muito a dizer, às vezes a tarefa se torna mais difícil, e nem sei bem por onde começar. O que eu sei, é que eu só pude fazer esse texto e você o ler porque nós tivemos professores que nos ensinaram tais habilidades.
Não sei bem em que fase da minha vida decidi ser professor, mas certamente foi muito cedo, tanto que ainda no Ensino Fundamental já tinha essa certeza. Talvez tudo isso tenha começado com a professora vera que me alfabetizou de forma segura e tão interessante, que desde então ler e escrever se tornou meu vício.
Ou quem sabe, esse talento que as pessoas dizem que tenho para a escrita, se deva aos exercícios propostos pela Jurema, minha professora de Português, que ao ver que eu gostava de escrever, exigia mais de mim do que dos outros alunos. Como sempre fui alguém com posições bem definidas, ela me sugeria sempre escrever duas redações com pontos de vista diferentes sobre o mesmo tema, o que me deu a qualidade de conseguir ver todas as situações de diversos ângulos.
Creio que isso tenha ajudado a elevar minha qualidade dissertativa e imaginativa para a escrita, de tal modo que sempre me incentivou a escrever crônicas, contos e poesias. Os textos dessa época já não existem mais, pois em um de meus arroubos juvenis meti tudo no lixo, mas ficaram as lembranças e o prazer de escrever.
Não sei se dom ou vocação existem para todos, para mim sim. Além de dom, vocação ou como queiram, a docência é uma das poucas coisas que eu acho que sei fazer bem feito. Não tenho falsa modéstia, e não acho que eu seja o mais brilhante dos professores, porém, certamente sou um daqueles que emprega todo seu amor, dedicação e carinho a cada instante e em cada trabalho que faz.
A docência é a minha vida, e eu confesso que ao escrever isso os olhos ficam úmidos, pois tudo que hoje tenho e sou devo a ela. Amo ser professor tanto quanto amo viver, pois ambas as coisas se confundem sem eu conseguir fazer uma coisa sem a outra. Por mais que muitas vezes a gente reclame de tudo que está errado em nossa profissão, o que fazer se é isso que me dá prazer?
É obvio que nem tudo são flores, já que cada dia mais nossa profissão é desvalorizada e achincalhada pelos sucessivos governantes e também pela sociedade que prefere valorizar o efêmero e o desimportante. Há nem tanto tempo, ter um professor na família era motivo de orgulho, mas hoje é quase motivo de vergonha. Mesmo assim, eu ainda acredito que isso mude, senão, já teria colocado a viola no saco e ido embora.
Um exemplo desse descaso ocorre com as professoras da educação infantil. Todas elas são tidas como pessoas de segunda categoria – inclusive por muitos colegas docentes. No entanto, essas pessoas não pararam para pensar que essas profissionais são as “células-tronco da educação”? São elas que iniciam as crianças nos processos educacionais, que incentivam o lúdico, que estimulam o desejo do aprender, que mediam as primeiras relações sociais dos pequeninos.
Se não tivermos uma educação infantil de qualidade, não teremos uma educação como um todo qualificada, não teremos cidadãos e profissionais com qualidade desejada. Fica aqui meu efusivo apoio e desejo pela valorização dessas professoras, o que hoje não acontece.
Muitas delas sequer recebem um salário mínimo, quando na minha opinião deveriam ganhar mais do que um magistrado, mais até do que o presidente da república. Se você acha que eu estou errado tudo bem, mas lembre que para uma árvore ser frondosa, alguém plantou a semente, eis o que fazem os professores da educação infantil.
Além disso, nossa carência de estrutura e valorização perpassa todos os níveis de ensino, o que me faz crer que vivemos em uma sociedade que virou de costas para a educação, sem perceber que um dia o futuro vai cobrar essa conta, se é que já não o está fazendo.
Os obstáculos para mim não são barreiras intransponíveis, mas escadas pelas quais eu consigo subir mais além. O que eu sei, é que continuarei lutando e fazendo a minha parte para melhorar a qualidade e a valorização da docência. Persistirei na luta por uma educação mais digna, ampla e que compartilhe com a diferença, que acolha ao invés de simplesmente incluir, que não tenha o que tolera e o tolerado, o normal e o anormal. E se eu fizer isso a vida inteira e ao final não conseguir, que assim seja, mas a minha parte eu terei feito.
Muitas vezes a desmotivação toma conta, mas permanece somente até o instante em que a gente percebe que faz a diferença em pequenos atos. Parafraseando Quintana, um professor sozinho não muda a sociedade, mas pode mudar ou incentivar a mudança em indivíduos, e como a sociedade é feita de indivíduos, talvez a gente consiga mudar a sociedade.
Não foram poucas as ocasiões em que nas aulas que ministrei sobre inclusão, audiodescrição ou acessibilidade, muitos alunos vieram falar comigo sensibilizados com o que tinham aprendido, e que aquilo mudaria para sempre a vida delas. Conheço diversos casos de pessoas que começaram a se engajar e a fazer a sua parte na luta pelo direito às diferenças depois de aulas que assistiram sobre o tema. Gente dos mais diversos níveis sociais, profissionais ou etários, que pela intervenção de um professor passaram a repensar suas práticas e seus modos de fazer.
Muitos de meus alunos são sujeitos que jamais tiveram contato com acessibilidade, inclusão ou pessoas com deficiência, e esse é meu desafio maior, como sensibilizar essas pessoas sem que tenham vivido isso na prática? Como mostrar a elas a importância das diferenças em todos os campos sociais? É um trabalho árduo, com algumas decepções e dificuldades, mas se não fossem elas, o regozijo do êxito talvez não fosse tão intenso.
Não existe dinheiro no mundo que pague perceber a transformação de um aluno, ver que suas percepções se abrem para tantas outras coisas, que começam a ver o mundo de um jeito diferente. É sensacional notar que a maioria deles, mais do que perceber a necessidade da acessibilidade, ingressam na luta por ela como se essa causa também fosse sua, e para muitos de fato passam a ser, e isso é o que me faz feliz.
Emociono-me muito quando vejo meu trabalho dando seus primeiros frutos, quando um aluno ou aluna começa a trabalhar e a aplicar conhecimentos que eu e outros colegas transmitimos. É incrível ver que nosso trabalho de alguma forma está dando certo. É u ma satisfação sem tamanho quando um aluno te para na rua, conversa contigo numa rede social ou tenta manter algum contato, pois isso significa que de algum jeito conseguimos tocá-los.
Tenho o meu jeito próprio de lecionar, muitos gostam e outros nem tanto. Sei que eu cobro e muito, mas eu só exijo de quem eu acho que tem algo a oferecer. Eu sou um "chato de galocha" com a pontualidade, mas sei valorizar o potencial e a construção de conhecimentos dos meus alunos, tanto que eu os incomodo muito para que tenham suas opiniões próprias, claro que embasadas cientificamente. Também sou rigoroso contumaz quanto ao cumprimento dos prazos, mas estou todo tempo à disposição de todos para ajudar no que for preciso.
Enfim, eu como professor sei que ainda tenho uma longa trajetória de aprendizado pela frente, e isso me deixa muito motivado a continuar nessa batalha. Mas o que todos podem ter certeza é que eu amo aquilo que faço, que me dedico com afinco e plena entrega à docência. Com certeza não sou o melhor professor do mundo, contudo, sei que estou dentre os mais esforçados.
Despeço-me, agradecendo a todos os professores que eu tive até hoje. Aos ruins por terem me ensinado a como não fazer e aos bons por terem me ajudado a basear neles minhas atuais práticas. Desde a professora Vera que me ensinou a ler até a Lodenir, minha eterna orientadora, muito obrigado por tudo.
Sei que serei aluno para todo sempre, mas enquanto eu for docente a minha vida vai valer a pena, cada gota de suor ou de lágrima, cada noite não dormida, cada viagem cansativa ou tempo longe de casa, tudo isso fica pequeno perto do amor por ser professor!

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Bengalando em Barcelona (Babel é aqui!)



No Brasil, historicamente, temos uma tendência ao radicalismo monollinguístico, ou seja, dificilmente se aceita outro idioma que não seja o Português e os demais são tomados como de segunda categoria, desde os indígenas aos considerados mais da moda e até fundamentais como o Inglês, por exemplo.  
Mas, aqui em Barcelona a coisa é completamente diferente, para começar, dois idiomas convivem em igualdade de condições, o Espanhol e o Catalão, ambos oficiais, e não há nada de problemático nisso. Algumas pessoas no Brasil deveriam vir aqui e conferir a beleza que é a pluralidade linguística de uma nação.
Sabemos que o Brasil se tonou um país eminentemente monolingue diante das tentativas de Getúlio Vargas e outros governantes que o sucederam, de promover uma união nacional. Todo aparelho do estado foi usado para promover essa tentativa de criação da “identidade brasileira”, desde as cartilhas de alfabetização, passando pela programação da Rádio Nacional e pela televisão.
Sendo assim, nosso país acabou por construir uma sólida cultura monolingue em que aceitar outros idiomas é uma experiência  que muita gente precisa aprender. Isso é exatamente o contrário do que acontece aqui em Barcelona, cuja cultura é do plurilinguismo.
Barcelona é a capital da Catalunha, uma província autônoma da Espanha que tenta a muito tempo tornar-se independente e formar seu próprio país. A luta independentista catalã é antiga e eles fazem do catalão um potente instrumento de fortalecimento de sua cultura. Durante a ditadura de Francisco Franco (1935-1975) foi proibido de ser utilizado em território espanhol, o que ao contrário do que se pensava, tornou a língua ainda mais importante na resistência catalã.
O Catalão é uma mistura de espanhol, francês e Português – e na minha opinião quando falado nas ruas mais parece italiano. Eu estou buscando me  matricular em um curso básico, já que o governo barcelonês disponibiliza uma série desses cursos para estrangeiros, e o melhor, é grátis. Além disso, o aprendizado de uma língua se dá mesmo no convívio diário, e isso eu tenho de sobra.
Viver em uma cidade bilíngue é sempre uma experiência inigualável. O Espanhol e o Catalão estão juntos por todas as partes, seja nos folhetos informativos da cidade, nas estações de metrô ou nas embalagens dos alimentos vendidos no supermercado. Além disso, ouvindo as rádios locais, prestando atenção nas conversar alheias pelas ruas - seja dos idosos, dos adultos ou das crianças - é possível perceber o valor que os barceloneses dão ao seu idioma.
Embora valorizem muito sua língua, eles também não parecem ter problema algum em usar a segunda, no caso o Espanhol, necessário para conversar com a maioria dos turistas que recheiam a cidade. Eles tem orgulho de seu idioma, mas nem por isso desvalorizam a língua alheia.
No Brasil, para quem não sabe ou finge que não sabe, temos também duas línguas oficiais, o Português e a Libras (Língua Brasileira de Sinais), essa última tomada às vezes como um mero recurso de acessibilidade. Quem dera algumas pessoas aprendessem alguma coisa com o exemplo catalão.
Essa experiência linguística é ainda mais estimulante pois não cessa no Espanhol e no Catalão. Como muita gente sabe, Barcelona é uma cidade turística, cujo litoral, o centro histórico e a vida noturna atraem uma legião de visitantes de todas as partes do mundo.
Não sei se por conta disso, mas a maioria dos habitantes também sabe falar fluentemente em inglês, não foram raras as vezes em que eu notei isso. Do funcionário da limpeza pública ao vendedor da Zara, usam a língua anglo-saxa com desenvoltura. E por sinal, o que tem de gente falando no referido idioma nessa cidade é algo impressionante.
Estive envolvido em um caso emblematico, em que a venderoda de uma loja de roupas falava em Catalão com a colega, no instante seguinte conversou comigo em Espanhol e quando terminou de responder, logo ao lado uma moça falou com ela em Inglês e parecia que estava falando a mesma língua, tamanha a agilidade na troca de idiomas.
Outro caso interessante, ocoreu no metrô, quando um italiano tentou falar comigo em inglês, mas como eu não compreendo, apenas disse – em inglês – que não falava aquele idioma. Então, perguntei se falava em Espanhol e o sujeito disse que não. Disse a ele que era brasileiro – em espanhol – e para minha surpresa ele disse: “parla em português que io entendo”, e assim dei a informação que ele precisava.
Outra coisa que merece ser mencionada é que além do inglês, do italiano e do Português, já ouvi diálogos em: alemão, japonês – pelo menos a moça que falava estava com uma camiseta escrito “Japão” -, francês e árabe. Este último merece um destaque especial.
Como a imigração de africanos para Barcelona é muito grande, e em sua maioria advindos dos países islâmicos cujo árabe é a língua mais usada, a quantidade de pessoas falando nesse idioma por aqui é grande. No centro da cidade se pode ouvir alguém falando em árabe, mas o mais comum é nas regiões de imigrantes como o Raval, bairro onde morei por  duas semanas.
Mais do que a língua, a cultura islâmica aqui é muito forte, e os imigrantes fazem questão de manter viva sua cultura. Percebi isso, quando uma criança de no máximo 5 anos saia da escola e falava em Espanhol com seu colega, quando viu a mãe imediatamente começou a falar em árabe com ela.
Enfim, viver em uma cidade com tamanha diversidade cultural e linguística é sensacional, algo que eu levarei comigo para sempre. A todo momento fico pensando no exemplo brasileiro da Libras que já mencionei aqui. Quanto tempo as pessoas ainda vão levar para entender que um idioma não aniquila o outro? Pelo contrário, as culturas ficam mais ricas ainda. Eu espero que não demore muito para que nós brasileiros tenhamos essa noção e passemos a dar valor as línguas oficiais e não oficiais de nosso país.
Por fim, devo dizer que não há um dia em que eu não lembre de minha orientadora Lodenir Karnopp, linguista muito conhecida no Brasil, e cujo trabalho é em torno da educação biblíngue – no caso dela, as línguas de sinais. Lembro dela por ser grato à essa oportunidade que ela me proporcionou, algo  sem precedentes na minha vida.
Mas lembro também, porque aqui em Barcelona vivemos o cenário pelo qual ela tanto luta no Brasil, pelo bilinguismo como forma de inserção e consolidação cultural das minorias línguisticas. Querida Lodenir, essa postagem é em sua homenagem!