terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Documentário Olhares será exibido pela TVE para todo Rio Grande do Sul

O documentário "Olhares" será exibido em "Recortes", faixa especial de documentários da TVE, para todo o Rio Grande do Sul no próximo dia 2 (sábado), às 22h, com reprise no dia 6 (quarta-feira) às 23h30. A TVE é a emissora pública do Estado, canal aberto, sintonizada pelo canal 7 em Porto Alegre.
No filme, pessoas cegas e com baixa visão contam suas experiências no acesso ao teatro, exposições, cinema, literatura, música e entretenimento.  A obra conta com audiodescrição – recurso de acessibilidade que permite acesso a pessoas com deficiência visual – e legendas – que se destinam ao público com deficiência auditiva.
Trata-se de uma produção independente, produzida em caráter acadêmico e dirigida por Felipe Mianes (historiador e doutorando em Educação pela UFRGS) e Mariana Baierle (jornalista e mestre em Letras pela UFRGS) – ambos com deficiência visual.
Segundo Mianes, o objetivo do trabalho é dar voz às pessoas com deficiência visual, destacando suas potencialidades na relação com o mundo artístico e cultural. “Queremos mostrá-las como protagonistas de suas trajetórias de vida, para além dos estereótipos e das restrições”, afirma ele.
Desde os entrevistados até os diretores de Olhares são indivíduos com diferentes graus de deficiência. Mariana Baierle comenta que ainda existe a ideia de que o deficiente visual é apenas o cego. “No documentário buscamos dar espaço também às pessoas com baixa visão (aquelas com acuidade visual inferior a 30%), que possuem peculiaridades e representam a maioria entre os deficientes visuais”, afirma ela.
É apenas de inclusão que precisamos? O que seria realmente a inclusão? O encontro convida à reflexão e ao debate sobre essas e outras questões trazidas no filme.
 
FICHA TÉCNICA
Título: Olhares
Gênero: documentário
Ano: 2012
Direção: Felipe Leão Mianes (historiador e doutorando em Educação pela UFRGS) e Mariana Baierle (jornalista, mestre em Letras pela UFRGS e editora do Blog Três Gotinhas). Ambos com deficiência visual, são pesquisadores na área da produção cultural e prestam consultoria sobre acessibilidade e audiodescrição
Sinopse: Documentário sobre o acesso à cultura por pessoas com deficiência visual. Indivíduos cegos e com baixa visão trazem diferentes olhares sobre suas próprias experiências de vida, debatendo os problemas e as potencialidades de sua inclusão cultural por meio de recursos como a audiodescrição. Relatos que nos desafiam a refletir: É apenas de inclusão que precisamos? O que seria realmente a inclusão?

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Audiodescritor em Foco - Entrevista com Lívia Motta

Lívia Maria Villela de Mello Motta é professora doutora em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC de São Paulo, com parte de seu doutoramento feito na Universidade de Birmingham, Reino Unido. Foi professora e coordenadora de cursos de graduação, extensão e pós-graduação. Trabalha como audiodescritora e professora de cursos de audiodescrição desde 2005, implementando o recurso em peças de teatro, filmes, óperas, espetáculos de dança, eventos sociais, religiosos e acadêmicos. Foi consultora do MEC/UNESCO e criadora do site/blog: VER COM PALAVRAS: www.vercompalavras.com.br e www.vercompalavras.com.br/blog
Organizou junto com Paulo Romeu Filho o primeiro livro brasileiro sobre o tema: AUDIODESCRIÇÃO: TRANSFORMANDO IMAGENS EM PALAVRAS, e os dois Encontros Brasileiros de Audiodescrição.



1 - Como você se tornou audiodescritor? Que importância a audiodescrição tem na sua vida?
Lívia: A audiodescrição foi entrando e ocupando espaço, gradualmente, em minha vida profissional. Hoje, posso dizer que trabalho full time com audiodescrição nos mais diversos gêneros de espetáculos e produtos audiovisuais, além de descrição de livros didáticos e paradidáticos, cursos de preparação de audiodescritores e cursos para professores sobre o uso da audiodescrição na escola como ferramenta pedagógica.
A primeira vez que ouvi falar sobre o recurso foi em 2003, quando estava fazendo parte do meu doutorado na Universidade de Birmingham, no Reino Unido. Ao visitar uma loja do RNIB - Royal National Institute of the Blind, em Londres, chamou minha atenção os vários títulos de filmes com video description; na época, um maior número de vídeos em VHS do que em DVD. Fiquei fascinada, busquei mais informações e comprei um livrinho sobre video description.
É bom lembrar que desde 1999, que eu já trabalhava com pessoas com deficiência visual, ensinando inglês, o que motivou minha entrada no programa de doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem da PUC de São Paulo para pesquisar e desenvolver esse tema: o ensino-aprendizagem de inglês para alunos cegos e com baixa visão na perspectiva da teoria da atividade. Penso que esse contato mais estreito com pessoas com deficiência visual foi essencial para a minha formação em audiodescrição, minha motivação em aprender, em conhecer mais.
De volta ao Brasil, dei início ao estudo sistemático sobre o recurso, principalmente, porque aqui já se começava a falar sobre ele. Fiz minha primeira audiodescrição para minha amiga e na época minha aluna de inglês, Jucilene, que precisava assistir a um filme para um trabalho na faculdade.
Também participava ativamente do Grupo Terra, criado por Isabela Abreu e Ricardo Panelli, grupo que incentivava a inclusão de pessoas com deficiência visual pelo contato com a natureza, no qual percebíamos, a cada dia, a importância da descrição e incentivávamos sua prática. Desenvolvemos, eu e Isabela, em 2005, um projeto para o Instituto Vivo, de inclusão cultural para o Teatro Vivo, que já dispunha de aparelhos de tradução simultânea, o qual foi o embrião de um grande projeto de acessibilidade cultural que durante 6 anos implementou, sistematicamente, ações de acessibilidade comunicacional no Teatro Vivo, principalmente, e em muitas outras cidades e estados brasileiros. Uma oportunidade fantástica de crescer como audiodescritora, de fazer a audiodescrição de muitas e muitas peças de teatro, filmes e óperas, muitas óperas. E poder aproximar as pessoas com deficiência visual das artes cênicas, do mundo dos espetáculos, tornar a audiodescrição conhecida de muitos.
Tenho estudado e trabalhado com os mais diversos gêneros de espetáculos e produtos audiovisuais, e pretendo desenvolver, em breve, meu projeto de pós-doutorado sobre a audiodescrição em espetáculos de dança.
 
 
2 – Na sua opinião, o que a AD representa para seus usuários? O que pode provocar na vida dessas pessoas?
Lívia: Eu sempre digo que a audiodescrição é a arte de transformar imagens em palavras, o que abre muitas janelas de mundo e para o mundo para as pessoas com deficiência visual. O recurso permite o acesso à cultura e à informação em igualdade de oportunidades. É assistir e poder entender, discutir, conversar a respeito, criticar, apreciar o produto audiovisual. A grande maioria das pessoas com deficiência visual não assiste a filmes, peças ou outros espetáculos com frequência, principalmente, pela falta de acessibilidade. Ir a uma peça de teatro ou a outro espetáculo e sair de lá com a incômoda sensação de incompletude, acaba afastando a grande maioria.
A audiodescrição traz inúmeros benefícios para os seus usuários, além da inclusão cultural, social e escolar, e a proximidade com as artes, é um instrumento que desperta a curiosidade para determinados temas, a vontade de estudar, pesquisar, conhecer mais; permitindo que o indivíduo estabeleça e construa ligações, contribuindo, dessa forma, para o processo de aprendizagem. Quanto mais as pessoas com deficiência participarem das atividades sociais, escolares e culturais em igualdade de oportunidades ou seja, com acessibilidade, mais poderão se inserir na sociedade como cidadãs. 
Tenho percebido que quando as pessoas com deficiência visual experimentam assistir a um espetáculo ou a um produto audiovisual com audiodescrição, elas já não querem mais ficar sem o recurso. Percebem a riqueza de informações, os muitos significados que estão presentes nas imagens, nos cenários, nos figurinos, na iluminação, no deslocamento da câmera, na troca de olhares sem palavras.
 
 
3 – Quais as maiores dificuldades e quais as maiores alegrias em ser audiodescritor?
Lívia: A maior alegria para mim é poder perceber a emoção que vem pelas palavras. Repito aqui o que eu disse na abertura do 2º Encontro Nacional de Audiodescrição, realizado em Juiz de Fora, em dezembro de 2012: Para um audiodescritor, não tem coisa melhor do que poder ouvir as risadas conjuntas da plateia se deliciando com determinadas cenas ou observar as faces emocionadas, alguma lágrima teimosa que escorre pelo canto do olho do espectador. É nesse momento que entendemos o poder das palavras que traduzem a beleza ou a rudeza das imagens, a sutileza das expressões fisionômicas, do gestual e de tantos outros detalhes. É nesse momento também que percebemos a nossa responsabilidade como profissionais da audiodescrição.
As dificuldades que encontramos referem-se, muitas vezes, ao pouco conhecimento sobre as especificidades da audiodescrição por quem contrata o serviço ou pelas empresas de locação de equipamentos. Mesmo com o cuidado de informar, passar detalhes importantes antes dos eventos, ainda nos deparamos com algumas situações que acabam interferindo na qualidade do trabalho.
 
 
4 - Você concorda com a ideia de que a AD, mais do que informar, deve proporcionar que o usuário usufrua e sinta as sensações do que é descrito? Você acredita que a audiodescrição além de um recurso de acessibilidade seja também uma produção cultural?
Lívia: Sem dúvida, a audiodescrição é um instrumento que possibilita a experiência estética, a fruição da arte e, para isso, é necessário que o texto descritivo esteja em harmonia com a obra, com o gênero, usando a terminologia adequada. Cada produto, seja ele uma exposição, peça, filme ou evento, exige do audiodescritor, estudo e pesquisa, um verdadeiro mergulho, que permita um conhecimento profundo da obra.

5 – O mundo está cada vez mais visual, e se levarmos em conta que a visualidade é a matéria-prima da audiodescrição, ainda há muito a ser explorado nesse campo. Junto a isso, temos a ampliação e difusão dos produtos e políticas culturais para acessibilidade por parte dos governos e da sociedade civil. Diante desse cenário, quais desafios você acha que devem ser enfrentados para expandir a audiodescrição, tanto em quantidade como em qualidade?
Muito já caminhamos, considerando que a audiodescrição é uma prática nova no Brasil, com apenas 10 anos da primeira apresentação com o recurso. Já foram muitos e muitos filmes, peças de teatro, óperas, congressos, seminários, exposições, espetáculos de dança, missas, eventos sociais tais como casamentos, chá de bebê, exame de ultrassom e até um parto, tudo isso com audiodescrição, formando uma plateia nova, de espectadores cada vez mais ávidos por produtos acessíveis. Mas, ainda precisamos de políticas públicas que determinem a obrigatoriedade do uso do recurso em teatros e outros espaços culturais, além da ampliação do número de horas na televisão. E outro aspecto importante para garantir a qualidade da audiodescrição brasileira, refere-se à formação dos audiodescritores: que sejam implementados cursos de longa duração, de pós-graduação, de aperfeiçoamento, e não somente cursos de extensão, como os que têm sido oferecidos até hoje, e que não são suficientes para a formação efetiva de audiodescritores.
 

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Entrevista: Felipe Mianes


sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Inscrições abertas para o curso “Audiodescrição e suas intersecções com a Educação”

Estão abertas as inscrições para o curso de extensão “Audiodescrição e suas intersecções com a Educação”, da Faculdade de Educação da UFRGS (Av. Paulo Gama, 110 – Centro Histórico – Porto Alegre/ RS). As aulas ocorrem de 16 de março a 29 de junho, sempre aos sábados pela manhã.
O curso destina-se a professores de todas as áreas do conhecimento, pedagogos, profissionais que atuam em museus, bibliotecas, teatros e centros culturais, produtores culturais, comunicadores e gestores culturais (alunos da UFRGS ou da comunidade externa).
O curso  é oferecido pela equipe da Tagarellas Audiodescrição, tendo como coordenadores Felipe Mianes (historiador e doutorando em Educação pela UFRGS) e Mariana Baierle (jornalista e mestre em Letras pela UFRGS) – ambos com baixa visão e Audiodescritores Consultores. Como professoras convidadas estão Mimi Aragon (publicitária e Roteirista de Audiodescrição) e Marcia Caspary (locutora, Roteirista e Narradora de Audiodescrição). Toda equipe da Tagarellas Audiodescrição tem formação específica na área e experiência em audiodescrição de livros, materiais didáticos, exposições de arte, peças de teatro, cinema, espetáculos de dança, seminários e eventos. 
Este curso tem o objetivo de instrumentalizar profissionais da área da Educação - não somente da Educação restrita à sala de aula, mas da Educação como um todo, envolvendo diversos ambientes culturais – para que conheçam o recurso e possam aplicá-lo de modo a tornar os espaços culturais acessíveis a todos. Tendo em vista que a formação de um audiodescritor profissional não caberia em apenas um semestre de extensão universitária, busca-se, neste curso, proporcionar uma formação inicial acerca do recurso, da legislação brasileira e da discussão acerca da ampliação de sua aplicabilidade e das intersecções com o campo da Educação.
A carga horária é de 60 horas, com valor único de R$ 350,00, com certificação pela Pró-Reitoria de Extensão da UFRGS. Todas as informações referentes às inscrições, cronograma, ementa e bibliografia estão no blog do curso: http://educadfaced.blogspot.com.br.

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Porto Alegre um dolorido "modelo de acessibilidade"


O prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, tentou começar a construir uma solida carreira de humorista e contou uma piada muito engraçada dizendo que: “Porto Alegre é um modelo de acessibilidade para o Brasil e para o mundo". Fico imaginando por quais ruas esse político fanfarrão deve caminhar, ou quem sabe, deve estar com baixa visão e não percebe que o que ele diz é um engodo. Se bem que se ele tivesse deficiência visual, logo teria notado que errou ao fazer essa afirmação. Porto Alegre é um parque temático de buracos, e me arriscaria a dizer que a cidade tem mais calçadas problemáticas do que habitantes.
Nossa cidade nunca foi acessível, as ruas sempre foram repletas de perigos e de dificuldades para quem tem algum tipo de deficiência. Eu desafio quem quer que seja a me mostrar UM ponto da cidade onde tudo seja plenamente acessível. Morar por aqui é um desafio constante, e nos dividimos em dois grupos, o das que já se acidentaram, e das que irão se acidenta um dia. Desde sexta passada pertenço ao primeiro grupo.
Como se não bastasse a INacessibilidade da cidade, a insegurança é tão problematica quanto os problemas estruturais da capital gaudéria. Cada dia mais o medo e a violência crexcem e sobreviver aqui sem ser assaltado, roubado e agredido é uma tarefa para bem poucos.
Tanto é que temos índices bem parecidos a São Paulo e Rio de Janeiro em termos de violência urbana. Mas e quando os dois problemas se juntam em um único momento, qual o resultado? É, isso me aconteceu na semana passada e garanto que está sendo bem dolorido.
Sexta passada, por volta das 8hs, desci do Õnibus, sob o viaduto da avenida Duque de Caxias. Algo raro aconteceu naquele dia, não havia ninguém na parte de baixo do viaduto, sempre cheio de pedestres e ambulantes, assim como a praça Raul Pila, em frente de onde eu estava, que está sempre igualmente lotada, naquele dia não havia sequer uma pessoa, que eu pudesse ver pelo menos.
Havia apenas um sujeito em atitude absolutamente suspeita, o que me deixou apreensivo, já que eu carregava uma mochila com meu notebook (onde estavam gravadas dentre tantas coisas, meu projeto de tese). Embora eu enxergue pouco, desenvolvi tecnicas para perceber quando alguém age de modo suspeito, e assim consegui verificar que o vagabundo me seguia. Eu tinha que atravessar uma praça para chegar até a UFRGS, e meu medo era de que ele me assaltasse ali mesmo, e depois de me abordar nada poderia fazer, afinal, reagir é sempre a pior coisa a fazer.
Então, atravessei a rua e tendo uma certa distância, comecei a correr para evitar que ele me alcançasse ali onde não havia ninguém. Depois de passar por uma dezena de buracos na calçada, quando estava quase chegando à esquina pisei em uma lajota solta,: virei o pé, tropecei e tive um baita tombo. Como não sabia se o meliante estava atras de mim ou não, na fração de segundos que tive, resolvi continuar correndo até um lugar seguro, e assim o fiz.
Depois de estar em segurança é que fui ver o estrago: pé esquerdo inchado, joelho esquerdo mega inchado - ainda hoje está -, uma dor lancinante na costela - que ainda persiste -, cortes na mão esquerda, no lábio superior e no rosto (abaixo e acima do olho esquerdo). Dos males o menor, meu projeto de tese estava salvo.
Hoje, cinco dias depois do ocorrido, ainda tenho dores fortes na costela do lado esquerdo do torax, meu joelho continua inchado e tenho dificuldades para caminhar. Os exames médicos mostraram que não foi nada grave, mas poderia ter sido.
O que eu fico pensando é como se pode tentar mascarar os graves problemas que a cidade tem para nós com deficiência ou qualquer pessoa que queira escapar de um problema mais grave. Que modelo de acessibilidade é esse onde em um dos lugares mais movimentados da cidade há mais buraco que calçada?
Desde 2011, há um Plano Diretor de Acessibilidade aprovado pela prefeitura e já vigorando como lei. Onde eu cai? em uma praça municipal! Não adianta de nada fazer leis se elas não são cumpridas, criar planos diretores para que fiquem no âmbito do "um dia a gente implementa". cadê a fiscalização? qual a punição para quem não cumpre 00 incluindo os políticos que deveriam ser responsabilizados por isso? Um a lei que não é aplicada é só mais um pedaço de papel inútil.
As pessoas ainda tratam a acessibilidade como desdém e sem a seriedade necessária. Não sei se a dor maior é física ou em minha honra de cidadão honesto e cumpridor de seus deveres. Para quem precisa de acessibilidade, Porto Alegre trata seus habitantes com desprezo, com indiferença e até mesmo com má intenção, ao dizer que nós estamos errados ao reclamar dos perigos da cidade. Quanto custa tapar um buraco? será que é mais caro me atender em um hospital ou colocar corretamente uma lajota?
Como diz minha amiga Mariana Baierle, o maior problema não são as calçadas, mas as mentes deterioradas que deixam as calçadas mal conservadas. Eu acho que vão esperar alguém morrer ou ter graves ferimentos para fazer algo, mas dai, pode ser tarde demais. Porto Alegre é uma cidade RIDICULAMENTE INACESSÍVEL, e por mais piadas que o prefeito conte quem sente as dores somos nós.
Nosso município já não tem belezas muito atrativas, nem praias ou construções monumentais, mas bem que poderia tentar ser um modelo de acessibilidade. Se não der para ser modelo, pelo menos que nos locais onde mais pessoas circulam, manter as calçadas bem cuidadas já seria um bom começo.
Ás vezes quando falamos que conhecemos alguém que se machucou ou que soube de um caso assim, poucas vezes isso fica registrado, é como se fosse uma anedota contada, onde sem provas, poucos são capazes de se colocar no lugar do outro.
Por isso mesmo, posto aqui uma foto de como eu estava no dia da minha queda, horas após o ocorrido. Com vários hematomas, curativos, pomadas, bolsa de gelo e dor, mas isso não aparece nas fotos. Só mesmo um registro desses para fazer com que se possa refletir um pouquinho sobre esse “modelo de acessibilidade” que temos em Porto Alegre.

 


















Um ano e dois meses depois...
Resolvi revisitar essa postagem para fazer algumas atualizações. A primeira é que, mais cinco dias se passaram e as dores na costela persistiram. Fui rever meus exames e descobri que tinham sido trocados pelos de outra pessoa. Retornei ao HPS, refiz os exames e descobri que estava com a costela quebrada.
A cidade é um eterno canteiro de obras, o que piora ainda mais a acessibilidade já caótica na cidade, no mais, em termos de acessibilidade arquitetônica tudo continua como "dantes no quartel de Abrantes", com ruas esburacadas, obstáculos aéreos que causam ferimentos, sinalização precária e por ai vai....
Estabeleceu-se um plano de metas para cada secretaria, inclusive para a SMACIS que cuida da acessibilidade. Conforme os critérios do governo, todas foram cumpridas e ultrapassadas. Porém, acredito haver um profundo erro conceitual nessas metas. Rebaixar calçadas, fornecer cartçoes de isenção no transporte e sinaleiras sonoras bastam? Definitivamente, não!
De que adiante rebaixar as caçadas se o rebaixamento é mal feito e em lugares às vezes inócuos? de que adianta colocar semáforos sonoras se as ruas continuam perigosas para os cegos andarem sozinhos tendo a integridade física preservada? De que adianta conceder carteira de isenção no transporte coletivo se os ônibus continuam sem acessibilidade plena? De que adianta oferecer selos de acessibilidade se nem sabemos os critérios? E se houverem, nem amplamente debatidos foram. Há mais, mas acho que paro por aqui mesmo.
Uma cidade modelo de acessibilidade faria diversos eventos na semana de seu aniversário sem acessibilidade? Porto Alegre fez! Não há nenhum evento em que haja audiodescrição e/ou Libras. Ano passado ocorreu o mesmo, fiz uma solicitação oficial para que nesse ano houvesse e sequer recebi resposta. Que modelo é esse? Como poderei comemorar o aniversário de uma cidade que vira as costas para mim e minhas necessidades básicas?
A única meta a ser cumprida é permitir que as pessoas com deficiência tenham a possibilidade de desfrutar dos mesmos ambientes e atrações da cidade. é dar segurança para seus cidadãos para que circulem nas ruas sem o risco de ferimentos como os que eu tive. E nesse caso:META NÃO CUMPRIDA INTEGRALMENTE!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Audiodescritor em Foco - entrevista com Pilar Orero

É com enorme satisfação que inauguro hoje um novo projeto aqui no blog. Se chama Audiodescritor em foco, e o objetivo é propor ideias e compartilhar reflexões de audiodescritores de diferentes lugares do Brasil e do mundo. A ideia é bem simples, sempre as mesmas cinco perguntas para os audiodescritores, o que permitirá verificar diferentes posicionamentos e percepções de uma mesma questão. Outras tantas perguntas ficaram faltando, muitas surgiram das respostas dadas, mas o importante é abrir mais um importante e democrático espaço para que os audiodescritores debatam o rumo da AD. Espero que gostem, e se tiverem sugestões, estarei a disposição.
Para inaugurar o projeto, realizei entrevista com a audiodescritora catalã Pilar Orero, conhecida internacionalmente pelo trabalho que desenvolve como audiodescritora e professora da Universidade Autonoma de Barcelona.
 
Entrevista com Pilar Orero
 
 
 Pilar Orero é mestre em Tradução pela Universitat Autonoma de Barcelona (UAB), Espanha. Doutora em Tradução pela University of Manchester (Reino Unido)  Professora na área de Tradução audiovisual na UAB, onde coordena o curso de mestrado online em Tradução Visual. É membro do Centre d’Acessibilitat i Intel-ligencia Ambiental de Catalunya CaiaC (Centro de acessibilidade e inteligência ambiental da Catalunha), onde coordena o Doutorado em Ambientes Inteligentes e Acessibilidade. Desenvolve projetos e pesquisas em diversos aspectos relacionados à acessibilidade, principalmente sobre audiodescrição. Além de um grande número de artigos e ensaios em qualificadas e renomadas revistas e congressos sobre tradução e?ou acessibilidade, Pilar também é co-editora da revista  Media for All: Subtitling for the Deaf, Auidio Description and Sign Language (Mídia para Todos: legendagem para surdos, audiodescrição e língua de Sinais).
 

1 - Como você se tornou audiodescritor? Que importância a audiodescrição tem na sua vida?
Pilar: Assisti a um congresso em Londres, em 2004, e conheci a James O’Hara e Joel Snyder, que me ensinaram AD
Desde 2004 mudou muito a minha vida, já que todas as pesquisas que faço se referem a AD, e também a transmissão de conhecimentos. Me reúno com associações de pessoas com deficiência e vou a comitês de normatização.

2 – Na sua opinião, o que a AD representa para seus usuários? O que pode provocar na vida dessas pessoas?
Pilar: Há usuários que gostam muito de AD e há quem não goste, inclusive lhes incomoda. Essa recepção tão diversa é muito importante já que significa que é uma atividade normatizada – o estranho seria se 100% dissesse que é maravilhoso, isso não existe navida. Como é uma atividade normatizada deveria ser oferecida sempre e que seja o usuário quem decida se quer escutar ou não.

3 – Quais as maiores dificuldades e quais as maiores alegrias em ser audiodescritor?
Pilar: Começando com um serviço aberto para toda a comunidade, sem ter em conta as associações de usuários e a porcentagem de deficiência do usuário. Para mim é muito importante que a AD seja um serviço público, que se possa escolher, como agora se escolhe o nível de volume da TV

4 - Você concorda com a ideia de que a AD, mais do que informar, deve proporcionar que o usuário usufrua e sinta as sensações do que é descrito?Você acredita que a audiodescrição além de um recurso de acessibilidade seja também uma produção cultural?
Pilar: Sim

5 – O mundo está cada vez mais visual, e se levarmos em conta que a visualidade é a matéria-prima da audiodescrição, ainda há muito a ser explorado nesse campo. Junto a isso, temos a ampliação e difusão dos produtos e políticas culturais para acessibilidade por parte dos governos e da sociedade civil. Diante desse cenário, quais desafios você acha que devem ser enfrentados para expandir a audiodescrição, tanto em quantidade como em qualidade?
Pilar: É muito importante definir o que é qualidade, e entender que como qualquer outra atividade normalizada, deve haver diferentes tipos de qualidades. Por exemplo, para saber a hora, podemos ter um relógio Rolex, ou um Swatch ou um telefone celular, todos dizem a mesma informação: a hora. Tanto o rolex quanto o Swatch são relógios de alta qualidade, mas cada um com suas características. O mesmo deveria acontecer com a AD.

 Entrevista e tradução: Felipe Mianes
 

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

CONSULTORIA EM AD E O NOSSO PROTAGONISMO

Eu, como um profissional que realizei curso de aperfeiçoamento e formação em audiodescrição, bem como uma série de trabalhos como audiodescritor consultor, me sinto no direito de empreender um debate sobre o tema da consultoria. Ate porque, também realizo pesquisas e atuo como formador nesse campo. 
Em absoluto objetivo impor a minha opinião como a melhor ou única. Não pretendo pessoalizar a questão, pois creio que há espaço para diferentes tipos e modos de pensar sobre a AD, seja como produto cultural, como tradução visual, ou até ambos – o que é o meu caso. 
Meu objetivo aqui é refletir sobre a importância que considero fundamental e indispensável do audiodescritor consultor em uma equipe de audiodescritores. Mais que isso, de valorização dessa função muito além de simples concordância ou não com o produto já pronto.
Como todos já sabemos, no Brasil são mais de 35 milhões de pessoas com deficiência visual, dessas 500 mil são cegas, ou seja, as demais tem baixa visão, e enxergam usando algum recurso de acessibilidade, como é o meu caso, por exemplo.
É desconhecimento dizer que alguém com deficiência visual não possa ser roteirista, já que alguém com baixa visão pode sim fazer roteiros de imagens estáticas, por exemplo, e pude comprovar isso empiricamente.
Muitos de nós consultores temos formação na área de audiodescrição, em cursos ministrados inclusive por colegas que discordam dessa ideia.
Fato é que temos um certificado igual aos demais colegas audiodesritores que executam outraa funções. 
Dizem que a consultoria apenas avalia se os trabalhos estão bons ou não. O que é meia verdade, já que eu a Mariana Baierle e outros colegas participam dos processos da AD desde a pré-produção, provando, que tal é bem possível e eu diria necessário para a excelência da qualidade do trabalho.
O consultor é o que executa o controle de qualidade do produto, como dissera outrora: uma equipe que não conta ou usa mal seus audiodescritores consultores é uma equipe incompleta.
Uso o exemplo de uma indústria, onde sempre há aquele industriário que é responsável por aferir a qualidade do produto, pensar sobre ele e acompanhar o processo de produção desde o inicio para que a qualidade seja a melhor possível. Pois bem, na carteira de trabalho desse industriário não vai: consultor em indústrias, e sim, sua profissão é de industriário, como os seus demais colegas.
Outra questão é que, se muitas vezes os trabalhos requerem pouco tempo para produção,  eu e a Mariana já revisamos roteiros que foram produzidos, revisados, gravados e entregues em menos de 24 horas, assim, o tempo pode ser relativo. Afinal, se há uma demanda de trabalhos se contratam mais roteiristas, porque não contratar mais audiodescritores consultores para a equipe?
Outro argumento é importantíssimo, essa diferenciação feita ao consultor é um entrave político. Acho que é necessário pensar que as questões políticas também são fundamentais para a ampliação da AD, pois além de público queremos ser protagonistas nos processos de todas as esferas sociais, inclusive na audiodescrição. Cada vez mais as pessoas com deficiência fazem questão de participar de todos os processos que lhes envolvam e, principalmente, em igualdade de condições com todos.
Exemplificando o que eu digo
O audiodescritor consultor além de público da AD ele é um profissioal como outros na equipe, e assim deve ser tratado. Eu e a Mariana sempre fazemos questão de atuarmos desde ao inicio da produção dos trabalhos.
Tomo como exemplo a obra Colegas – O filme, (vencedor do prêmio de Melhor Filme do Festival de Gramado) que a Tagarellas fez a AD. Pois bem,  nosso processo de construção da AD foi o seguinte:
TODOS juntos assistimos ao filme, sendo que as roteiristas assistiram de olhos vendados. Depois debatemos sobre o que ouvimos do filme, pesquisamos sobre alguns temas e nos reunimos novamente para assistir a obra outra vez vendo as imagens. Conversamos novamente sobre o que seria interessante constar ou não no roteiro.
Em seguida, as roteiristas elaboraram o roteiro e nos repassaram para fazermos as observações que entendiamos necessárias. Antes de ler, assisti o filme outra vez, depois li o roteiro da AD inteiro.  Posteriormente a isso, comecei a ler o roteiro parte por parte assistindo a cada cena do filme de acordo com a parte apontada no roteiro. Fiz as observações que achei pertinentes sobre o roteiro e, antes de enviar para as roteiristas, eu revisei tudo novamente assistindo ao filme mnmais uma vez.
Enviei o roteiro para as roteiristas, que fizeram as adequações que entenderam pertinentes. Por fim, um dia antes da exibição do filme, já em Gramado, nos reunimos novamente e assistimos ao filme, ensaiando a narração da AD, e na medida em que tinhamos alguma dúvida, retomavamos, debatiamos e quando era o caso reformulavamos o trecho revisado. Assim, depois de algumas horas finalizamos o roteiro .
Isso sim é uma construção de AD em conjunto, e que qualifica o trabalho, sendo que os consultores tiveram papel fundamental no processo, de maneira equiparada aos demais membros da equipe. 
Esse protagonismo das pessoas com deficiência na AD é fundamental tanto para a qualidade quanto para a ampliação de público para a AD, já que é um fator que alimenta a identificação entre o público e o produto.