quarta-feira, 11 de junho de 2014

VER COM AS MÃOS - eu faço parte!!

Há quem diga que para além do arco-íris há um mundo de felicidades e de sonhos realizados onde cada um pode encontrar seus mais profundos desejos. Pois eu descobri aonde fica. Está localizado em Curitiba, no projeto Ver com as Mãos. Tudo aquilo que eu sempre imaginei como ideal de vida para mim e outras pessoas com deficiência visual e que sempre consideraram utópico, vi se materializando na minha frente - e por todos os lados.
Desde de criança sempre gostei de artes, mas nunca fui contemplado naquilo que eu desejava aprender e sentir. Depois dos meus vinte anos, passei a entender e aceitar minha condição de deficiência e com isso veio o desejo de ajudar a crianças e adolescentes com baixa visão e cegos a terem uma trajetória menos difícil e complicada do que a minha, a sofrerem menos do que eu e fazer com que tenham mais e mais acesso à cultura. 
Quero que as pessoas se deem conta de que pessoas com deficiência visual não são só "olhos que não enxergam" ou sujeitos com um "defeito", mas sim, que somos indivíduos com um jeito diferente de entender e perceber o mundo. Mais do que isso, quebrar a ideia de que não podemos vivenciar, sentir e fazer arte, e que ao contrário do senso comum, podemos tudo isso, basta nos darem as condições adequadas e a atenção devida às nossas necessidades específicas.
Um pouco antes de entrar no doutorado, percebia que pesquisar produtos artísticos sobre/por pessoas com deficiência visual e suas possibilidades, não tinham lá a ressonância que eu imaginavam seja dentro ou fora da academia. Confesso que pensei em ir fazer outra coisa, e em meio a essa frustração momentânea a amiga Ana Zagonel me informou sobre um projeto que iniciava em Curitiba, que se chamava Ver com as Mãos
Nesse projeto, crianças aprendiam a desenhar e a fazer arte através daquilo que elas viviam e de suas formas de fazer e não daquilo que se quer que elas façam, ou seja, uma proposta inovadora que ia ao encontro de tudo que eu sempre imaginei. Percebi que eu não era o único que pensava daquele jeito e foi a principal força motriz para que eu não desistisse e acreditasse ainda mais nas ideias que tenho. Desde então eu sempre comentei e fiz questão de divulgar esse projeto tão sensacional.
Por uma série de desencontros de agenda, só tive a chance de conhecer pessoalmente o Ver com as Mãos essa semana. Por conta da exibição do curta-metragem Tereza e Tereza, no qual a Tagarellas fez a audiodescrição, passei 3 dias em Curitiba, e uma tarde no projeto situado e vinculado ao Instituto Paranaense de Cegos. Dentre tanta gente legal que conheci, como a Lilian e o Guilherme Biglia (diretor do filme), pude encontrar minha amiga Diele, idealizadora e coordenadora dessa iniciativa tão especial.
Sempre acompanhei cada passo do projeto, desde seu inicio até sua ampliação para outras áreas como as oficinas de música, de comunicação, de design e outros caminhos seguidos para fazer crescer a inserção e a produção de arte pelos alunos cegos e com baixa visão. Cada visita ao museu, cada apresentação artística, cada evento eu lia os relatos e via as fotos com uma felicidade sem tamanho por ver a alegria daquela garotada.
Lembro da minha infância e de como ficava triste pela falta que me fazia estar incluído nas atividades de arte, seja na escola ou fora dela. Talvez por isso, quando participo - como realizador, pesquisador ou público - de atividades culturais onde há crianças cegas e com baixa visão minha emoção se torna ainda mais intensa ao perceber que muitos deles não irão passar pelo que eu passei, e terão certamente um futuro feliz e repleto de desejos e sensações proporcionadas pela arte e pelas possibilidades de perceber o mundo trazidas com ela.
Mas, entender como as coisas funcionam nunca é igual a estar junto e ver acontecer presencialmente. No dia 10 de junho, convidado pela Diele, tive a chance de passar uma tarde na sede do Ver com as Mãos e em contato direto com os alunos. Embora eu tivesse sido chamado lá para falar, eu queria mesmo era ouvir tudo que aquela meninada tinha para me contar sobre suas vidas e sobre o que eles sentiam participando desse revolucionário projeto.
Primeiramente, Diele, Amanda e Kamila - as duas últimas, colaboradoras do projeto, mas não menos especiais - me deixaram muito a vontade, mais ainda quando comecei a conhecer os alunos e ver que estava "entre os meus iguais", ou seja, junto com a gurizada cega e com baixa visão eu me senti em casa e acolhido por toda aquela energia positiva que inundava o ambiente. Só em estar ali já me sentia feliz, mas o melhor estava por vir.
Conforme pedido pela Diele, os alunos organizaram uma apresentação do projeto e começaram a contar como eles se sentiam fazendo parte daquele grupo. Foi naquele instante que meu coração quase explodiu de alegria. E mesmo hoje passado um tempo desde que vivi tudo aquilo, ainda rolam umas lágrimas faceiras. Fiquei sabendo das atividades que desenvolviam e como eles entendiam tudo  que estão fazendo, envolvendo todas as artes e demais conhecimentos que os inserem socialmente, não pelo viés daquilo que não consigam fazer, mas por conta de suas capacidades e habilidades.
A cada relato eu me emocionava mais e mais ao ver o quão importante o projeto é para a vida de cada um daqueles jovens que adquirem conhecimento, e mais do que isso, confiança, consciência, amor pela arte, amor pela vida e vontade de lutar e contrariar o pessimismo alheio. Pude notar a felicidade e a postura convicta de cada um deles no sentido de ter a certeza que a arte e a cultura podem mudar suas vidas, que podem ir além do que muitos esperam, que podem ser tudo aquilo que eles querem, desde que acreditem. 
O que eu lhes disse de principal em nossa conversa eles já sabiam antes mesmo de eu falar, que e sempre duvidar de quem não acredita neles, de não aceitar ou se conformar quando alguém diz que eles não podem fazer algo. Fico pensando como seria bom se todos os jovens cegos e com baixa visão pensassem como eles e tivessem as mesmas oportunidades. É por isso que eu luto, é por esse motivo que eu misturo suor e lágrimas, é essa a razão que me faz acordar com mais força a cada dia.
Nem que eu escreva sobre isso continuamente pelo resto da minha vida irei conseguir expressar toda a minha felicidade por tudo aquilo que aprendi com aquela galera. Foi uma tarde que eu lembrarei com carinho até o dia em que meus olhos se fecharem definitivamente, pois cada um deles, cada uma de suas histórias tem um lugar guardado no fundo do meu coração. 
Parabéns Diele, por criar e coordenar algo tão sensacional e importante, estendo a saudação para Amanda e kamila. O Ver com as Mãos já é do mundo, transbordou o tempo e o espaço diante de toda sua magnitude. Como pesquisador, posso afirmar que já investiguei sobre iniciativas com essas temáticas nos quatro cantos do mundo e jamais encontrei algo parecido. Por questão de justiça, o projeto merece todos os incentivos, elogios prêmios possíveis. Se algo semelhante fosse feito em outros países da Europa e Estados Unidos, não tenho dúvidas de que haveria uma fila de gente querendo contribuir, e que já teriam recebido todos os troféus possíveis e imagináveis.
Enfim, obrigado a todos do Ver com as Mãos por mostrar que tudo aquilo no que acredito é possível de se realizar e por fazer tantas e tantas pessoas felizes. Contem comigo sempre, já que conforme diz o slogan da camiseta do projeto - que fiquei muito feliz em ganhar -: EU FAÇO PARTE!!!

Foto com os alunos e professores do Ver com as Mãos.













Selfie em preto e branco. Estou sorridente na parte superior da foto. Na parte central e também sorrindo, da esquerda para a direita, Diele, Amanda e  Kamila.
















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