quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Há um ano, um sonho alcançado!



No dia 25 de Fevereiro de 2015 eu realizava o sonho da minha vida até aquele momento e me tornava Doutor em Educação. Naquele tempo em que eu era um menino que queria ser professor, jamais imaginei que pudesse chegar até aqui diante das condições e circunstâncias que a vida me apresentou.
O que ficou provado é que ainda que eu seja uma exceção, um sujeito que nasce na periferia pode sim se tornar um doutor, e que mesmo a educação brasileira sendo muito problemática para as pessoas com deficiência, podemos ser protagonista no mundo e, principalmente, de nós mesmos.
Serei sempre grato aos meus pais pela educação, carinho e confiança que me deram, talvez seja o exemplo da dedicação deles o que mais me impulsiona adiante. Na maioria das vezes eles foram comigo o que eu quero que todos os pais sejam com seus filhos com deficiência, que permitam que eles errem, deixem que eles quebrem a cara, e que aprendam por si mesmos as delicias e as dores do mundo, que vejam primeiro a pessoa e só depois a limitação corporal.
Estudei sempre em escolas particulares que meu pai e minha mãe se desdobravam para pagar. No entanto, o ensino não era nem próximo ao ideal, ainda mais para um adolescente com deficiência, sem nenhuma adaptação era sempre um esforço dobrado. Até pouco tempo ainda me sentia com déficit de conhecimentos tendo sempre que estudar mais do que os outros para poder chegar perto de me equiparar aos demais.
Não conto isso para dizer que me superei ou para aderir ao “coitadismo”, mas para demonstrar que o passado me faz valorizar o presente, e o quanto eu sou grato pelas oportunidades que tive e que aproveitei. Sou grato inclusive às chances que perdi, foram muitas delas que me fizeram ir em frente e chegar onde estou.
Obrigado ao governo do estado do Rio Grande do Sul por ter negado minha entrada como professor por ser pessoa com deficiência. Foi a maior discriminação – institucional – que passei, e isso me fez rever os rumos da minha vida e reencontrar minha vocação de buscar fazer a minha parte na luta pelos direitos das pessoas com deficiência.
Seja como for, após tornar-me mestre em 2010, fui aprovado para o doutorado e ingressei em 2011. Desde aquele momento eu vivi intensas e inesquecíveis aventuras. Estava fazendo aquilo que eu mais sonhava pesquisar, lecionar e atuar como ativista para um mundo mais justo, fazendo – ou tentando – a minha parte para tornar o mundo um lugar menos preconceituoso e que valorize mais as diferenças das pessoas.
Tive a oportunidade de viver em Barcelona, que foi uma das grandes experiências pessoais e profissionais da minha vida. Nunca me esquecerei de nenhum daqueles dias tão repletos de aprendizados e de belezas sem fim. Conheci outros lugares e pessoas que muito me acrescentaram, e nada pode ser tão mais especial do que isso.
Foram quatro anos de trabalho intenso e dedicação completa à minha tese que se não é a melhor tese do mundo, é a melhor que eu pude produzir. Ainda assim, sem modéstia, acho que ela tem bastante qualidade e que agrega bastante ao debate sobre os modos de vida e processos educacionais de pessoas cegas e com baixa visão.
Talvez porque, enquanto eu escrevia a tese eu reescrevia minha própria história, na medida em que eu era ao mesmo tempo objeto e pesquisador, fui escolhido pela pesquisa e não o contrário, o que fez dela uma parte minha, que doei a outrem, afinal, agora a tese é do mundo e já não pertence mais a mim.
Tenho muito orgulho do que produzi no doutorado, dos textos que escrevi, dos que deixei de escrever, das noites em claro preocupado com uma dificuldade na escrita ou nas ideias embaralhadas ou escassas. Recordo com alegria dos nãos e= que disse aos amigos que convidavam para a festa, sempre com a mesma fala: “preciso ajeitar a tese, tenho que terminar uma coisinha aqui”. Escrevi e apaguei milhares de vezes até encontrar a frase correta. Li muito, aprendi muito, tive mais dúvidas do que certezas. E assim fui tecendo a tese até o fim.
Após a entrega do texto final da tese vem a apreensão e o medo daquilo que poderia acontecer na defesa. Mesmo sabendo ter uma boa tese as preocupações e a sensação de que algo vai dar errado é mais forte do que o sentimento racional. As dúvidas e as incertezas tomavam conta de mim e eu quis tanto que o dia chegasse logo.
Quando a banca começou e eu declamei um poema, aquelas sensações ruins foram dissipadas. Fiquei concentrado e tranquilo, tudo transcorreu melhor do que eu imaginava, com críticas construtivas e elogios generosos comigo. Finalizei um ciclo de muitas alegrias, diversas batalhas e muitas histórias para contar.
Foram tantas coisas que se passaram nesse tempo que demoraria muito para contar todas as coisas que vivi e que aprendi nesse tempo todo. Mas, preciso fazer agradecimentos especiais à minha orientadora Lodenir karnopp, que tanto me ensinou a ser pesquisador e a ser uma pessoa melhor.
Agradeço às pessoas que estiveram na minha banca examinadora, professoras Maura Lopes e Rosa Hessel que estiveram tanto na defesa de projeto quanto na defesa final. Grato também à professora Eliana Franco, que esteve na defesa do projeto, e Lívia Motta que esteve na defesa final. Aprendi muito com todas as contribuições de vocês, concordei e acatei a maioria, discordei e debati algumas delas, mas certamente analisei com carinho e atenção a cada uma delas.
Obrigado aos meus colegas de grupo de orientação e de temática com os quais estudei e pesquisei por mito tempo. Faço uma menção em nome de todos através da Janete Muller, amiga que sempre foi parceira de trabalho e uma estimada amiga, e que mesmo depois da minha saída da UFRGS e de seus inúmeros afazeres ainda mantemos contato, afinal, amizades verdadeiras sobrevivem às distâncias e compromissos.
Agradeço também a minha amada Fabiana, atualmente minha esposa, mas que na época estava comigo há pouco mais de um mês, mas me transmitiu toda a confiança e a tranquilidade necessária para que eu finalizasse a tese e a defesa da melhor maneira possível. É por viver com ela diariamente que vejo minha tese viva em suas atitudes, nas lutas e nas conquistas que obtemos. Foi ela que por essa época começou a me devolver o prazer da literatura e de tantas outras maravilhas que a vida proporciona.
Por conta da tese e de meu desejo de seguir pesquisando também tive a possibilidade de ser selecionado e estar cursando meu pós-doutorado na ULBRA; Desde que conheci o programa de pós-graduação em educação simpatizei com as pessoas, estive alinhado às temáticas, e tinha o sentimento de que um dia eu seria parte daquela equipe, para minha sorte, esse dia chegou e hoje posso dizer que me sinto muito feliz trabalhando na instituição e com aquelas pessoas.
Sei que ainda tenho muito para aprender como pesquisador, muito a evoluir em termos de currículo, sei onde preciso melhorar e o que fazer para chegar aos patamares desejados. Segurei como sempre, trabalhando com dedicação para qualificar cada dia mais, batalhando e fazendo a minha parte para tornar o mundo mias justo, e não deixando morrer a chama que acendeu em mim com a construção da tese, e que levarei comigo para o resto dos meus dias. .



terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Audiodescritores brasileiros, uni-vos!

Desde que a audiodescrição começou a ser implementada no Brasil, em 1999, pela professora Bell Machado, o recurso têm crescido cada vez mais em qualidade e em quantidade de produtos além de sua amplitude para além das grandes metrópoles. É com muita alegria que nosso caminho tem sido sempre de grandes avanços e alguns  pequenos retrocessos, normais nos processos sociais. No entanto, seu crescimento traz diversos outros desafios que nós audiodescritores temos que enfrentar, e a união é fundamental para chegarmos a um bem comum, ou seja, a satisfação plena dos usuários.
Tenho a noção de que existe um grupo pequeno de audiodescritores que busca segregar-se, que objetiva tomar outros rumos, com alguns métodos que eu discordo,mas que por vivermos em uma democracia, essas pessoas tem o direito de fazê-lo. Enquanto suas discordâncias estiverem no campo das ideias isso será salutar para o debate e para a melhoria dos processos, caso contrário o melhor é a indiferença.
Ainda que o lobby da ABERT nos tenha imposto algumas derrotas no que diz respeito ao aumento da quantidade de horas com obrigatoriedade de AD na TV aberta, é fato que em outras esferas sociais a consciência dos benefícios trazidos pelo recurso tem sido compreendida e colocada em prática por mais e mais agentes sociais. Porém, a TV é apenas uma pequena parte de infindáveis formas de difusão cultural.
Desde 2012, alguns debates foram iniciados para a concretização de nossa profissionalização, bem como da criação de uma entidade que possa amparar nossos interesses e através da qual possamos contribuir para a construção de uma sociedade mais acessível e com audiodescrição de qualidade. Alguns fatores fizeram com que essas discussões ficassem estagnadas por um bom tempo, e nos últimos meses teve a chama reacendida. 
Muitas legislações e resoluções têm respaldado a ampliação do mercado da audiodescrição, tais como a Lei Brasileira de Inclusão (lei 13.146), da mesma forma as resoluções e consultas públicas da ANCINE, por meio das quais ficam garantidos os direitos de acessibilidade e da obrigatoriedade da audiodescrição fazer parte de muitas produções culturais, sobretudo, as audiovisuais. Outra questão importante foi a consulta pública da ABNT para a formação de diretrizes básicas para a audiodescrição no Brasil, ainda que tenha sido aberta e encerrada no começo do ano, período em que poucas pessoas puderam contribuir, um erro muito grave, ao menos em minha opinião.
Seja como for, tais diretrizes são importantes para que possamos qualificar nossas práticas e estabelecer minimamente um padrão brasileiro de acordo com nossa cultura e contemplando as preferências dos usuários. E, no que tange ao mérito, creio que foi um excelente trabalho mesmo necessitando de algumas adequações.
Contudo, em todos esses processos de políticas públicas e de normas técnicas, senti falta da existência de uma instituição que defenda os interesses dos audiodescritores e de seus usuários, que não fiquemos exclusivamente lutando em âmbito individual, mas em termos institucionais diante da força que unidos poderíamos ter, inclusive para ajudar a fomentar uma sociedade mais acessível e com produtos de maior qualidade. Sermos individualmente ativistas é necessário, mas buscarmos mudanças sem agir coletivamente tornam os processos menos velozes e efetivos.
Por outro lado, com a emergência da audiodescrição e com a escassez de profissionais qualificados no mercado proporcionalmente à demanda existente, abre-se espaço para aqueles que começam a fazer AD sem nenhuma qualificação, pois hoje basta dizer que conhece um pouco do tema para se identificar como audiodescritor. Pessoas que não conhecem à fundo o recurso produzem AD de péssima qualidade, prejudicando a identificação do usuário com a AD, em como de sua compreensão mais adequada do que está consumindo.
Muitos produtores culturais ainda não tem a consciência de que audiodescrição é um investimento e não um custo a mais que deveria ser absorvido pelo governo. Para cumprir a lei sem aumentar seus custos, eles acabam por contratar sujeitos que se dizem audiodescritores sem sequer ter frequentado um curso introdutório que seja, ou em casos piores, profissionais que rebaixam os preços apenas para conseguirem trabalho. 
Em princípio, quem toma essas atitudes pensa ter um benefício, mas não entende que a longo prazo isso é nocivo ao mercado e, principalmente, para os usuários que receberão uma AD sem qualidade e que não os ajudará tanto quanto poderia na fruição do produto. Toda a cadeia produtiva sofre com essas ações e, no entanto, não temos nenhuma entidade que defenda nossos interesses ou que aja para regular essas atitudes e o surgimento desinfreado de pessoas sem qualificação realizando audiodescrição de baixa qualidade.
Outra "galinha dos ovos de ouro" para algumas pessoas sem boas intenções é a abertura de cursos de audiodescrição ministrado por pessoas que sequer conhecem suficientemente do tema. Certas instituições de ensino como universidades privadas, estaduais e federais ou portais de internet oferecem esses cursos sem nenhuma estrutura e pessoal capacitado para formar bons profissionais. E com a crescente necessidade de audiodescritores, muitos se importammais em ter lucro do que em proporcionar produtos de qualidade ao seu público.
São cada vez maiores o número de instituições e até de "profissionais" que vendem cursos de AD com pequena duração como se fossem uma formação plena, e basta estar nas redes sociais para receber diversos anúncios desses cursos, mas a que preço?. Temos também algumas pessoas fazendo AD que desconhecem a necessidade de fazerem cursos de audiodescrição, algumas até reconhecem que fazem de seu trabalho uma maneira de "ter lucro com o mínimo de custos", mesmo que tenham o mérito de saber usar as redes sociais a seu favor. Mas, embora algumas delas relativamente famosas, a qualidade do produto é bem duvidosa.  
Diante de tudo isso que apontei até aqui, entendo ser absolutamente fundamental e premente a criação da ABADE (Associação Brasileira de Audiodescrição), seja para propor novas práticas, ser mais um agente coletivo na luta pela ampliação e melhoria da audiodescrição ou ainda, como entidade que atue contra os sujeitos nocivos ao mercado e aos interesses da audiodescrição brasileira.
Cabe também aos usuários cobrar uma AD de qualidade, seja do audiodescritor ou de quem oferece o recurso em seu produto. É preciso reivindicar de fato, não só como "leão de Facebook", participar ativamente da reivindicação por ais AD e que essas tenham a qualidade que o público merece. Também é preciso cobrar das entidades que defendem as pessoas com deficiência uma atuação mais efetiva e direta pela implantação e consolidação da audiodescrição, algo ainda incipiente no Brasil
Individualmente temos muitas limitações, mas se estivermos unidos em torno de um bem comum que é fazer AD de qualidade e batalhar para que seja ampliada tanto na variedade de produtos quanto na quantidade de usuários. Para que isso ocorra, precisamos concentrar esforços, dar um pouco mais de tempo do que já demos até agora. Já dialogamos bastante e acho que devemos continuar, porém, é chegado o momento de agirmos concretamente para criar a ABADE. 
Audiodescritores do Brasil, uni-vos!

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Ser comunista não é crime nem ofensa

Desde já não engano ao leitor, não sou comunista de fato, embora muitas pessoas tentem me "ofender" chamando-me assim diante de minhas ideias. Tenho muitos amigos comunistas, alguns dos tempos de luta universitária, outros adquiri no decorrer de minha trajetória, e não acho que eles sejam piores ou melhores por pensarem diferente da maioria. Embora eu discorde de alguns mais radicais - os cabelos a menos e a idade me ensinou que o radicalismo já não e mais a solução para as coisas - isso não quer dizer que eu os considere criminosos perigosos, apenas discordo.
Aliado a um crescente conservadorismo inclusive entre os jovens brasileiros, as redes sociais têm dado uma pseudo sensação de anonimato pelo qual cada um diz o que quiser sem freios. Os comentários em qualquer parte da internet são a latrina da sociedade, pois traz a superfície os preconceitos e a raiva de muitos que ofendem a outrem da maneira mais atroz e desumana. Isso se aplica contra todas as minorias sociais achincalhadas diariamente. Portanto, o cenário que se apresenta é de ódio contra as minorias e contra quem pensa diferente do modelo vigente.
Não digo que as minorias sejam apenas vítimas, afinal, muitas pessoas com deficiência que sofrem com o atual modelo neoliberal compactuam com ele e o defendem. Isso para mim é uma incoerência, e ainda que eu respeite essas posições acho que elas estão de acordo com a desigualdade que atinge também asi mesmos, mas isso é outra história...
A questão aqui é que os embates estão cada vez mais intensos no Brasil entre aqueles que defendem modelos neoliberais de aumento da desigualdade e da exploração do trabalho e aqueles que lutam pelo direito das minorias, de uma sociedade em que a disparidade de renda e de condições sociais sejam extintas. Obviamente, estou no segundo grupo de pessoas e me orgulho disso, sem medo de expor o que penso e de confrontar o conservadorismo vigente na sociedade brasileira.
Desejo e luto muito através da minha profissão e de minhas possibilidades pessoais por uma sociedade com menos desigualdades, onde as pessoas possam ter condições de vida minimamente aceitáveis e confortáveis. Não quero que todos sejam pobres e nem sou contra os ricos, mas entendo que uma distribuição de renda adequada permita que todos tenham uma existência digna e em condições de serem felizes, bem alimentadas, com moradia, saúde e educação. 
É uma estupidez dizer que a sociedade neoliberal premia o mérito e quem quiser terá sucesso. Isso é uma mentira absurda e desonesta, pois todos sabemos que a sociedade atual não é igualitária. Muitos citam exemplos de exceções de pessoas que vieram de classes pobres e ascenderam monetariamente, mas usar a história de poucos para justificar a opressão contra muitos é uma fábula tão sólída quanto a fumaça de uma chaminé.
Sou parte de várias minorias dentre elas a de ser pessoa com deficiência e advindo e morador de periferia, o que contribui muito para minha consciência social e meu engajamento nas lutas pelos direitos de oportunidades e de exterminar com o preconceito. Se querer um mundo melhor é ser de esquerda, então eu sou de extremíssima esquerda, pois eu sei o quanto doem os calos da desigualdade criada pela sociedade.
Isso não significa que alguém precise ser pobre ou ter advindo da pobreza para ter uma posição social como a minha, há muitos ricos com entendimento de que os demais seres humanos merecem viver dignamente. Como disse antes,não sou marxista para crer que exista uma luta entre as classes, mas não sou tolo de achar que não exista um certo poder que age verticalmente.  
No Brasil,  as elites se acostumaram durante 502 anos a não sofrer contestações e a ter uma hegemonia absoluta sobre a maioria das minorias da população. O fato é que quando um governo tido como de esquerda assumiu, isso despertou a irá e os sentimentos mais odiosos da classe média brasileira. Aliás,muitos pobres ascenderam as classes médias e aoinvés de processar mudanças, passaram a agir como aqueles que outrora condenavam. 
O ódio aos que se posicionam contra esse capitalismo escatológico em que vivemos passou a ter muita ressonância também pelas redes sociais e qualquer ideia menos conservadora que se tenha passamos a ser chamados de "comunistas", vindo sempre precedendo adjetivos bem pouco elegantes, obviamente. 
A direita brasileira composta pela classe média e alta, piorada pela nociva parcela evangélica e fundamentalista cristã que cresce tal qual erva daninha, torna o Brasil uma nação reacionária, racista e preconceituosa, tornando uma anedota omito do brasileiro tolerante e bondoso.
Basta se manifestar contra a concentração de renda, da ascensão de governos de direita ou criticar o capitalismo para ser taxado de "comunista comedor de criancinhas", "comunista vai morar em cuba e adorar a Stálin" e outras coisas que eles acham ser uma ofensa mortal. 
Se o sujeito for também de pensamento avançado e ser favorável aos gays, aos direitos das mulheres, das pessoas com deficiência, dos pobres e de outras minorias, os xingamentos pioram muito e pessoas como nós serão constantemente chamadas de "comunista de merda", "vagabundo comunista", "comunista do diabo", "comunista filho da puta". 
Fico sempre chateado por frustrar as pessoas e esse é o caso, se elas acham que me ofendem ao me rotular como comunista eu lamento por não conseguirem seu intento. Embora eu não seja, não fico bravo por ser chamado de comunista, de gay de possuído pelo capeta ou o que quer que seja tido pelos intolerantes conservadores como algo ruim. Pensando bem, se querer para o outro o mesmo bem que desejo para mim, então talvez eles podem estar certos e eu ser de fato um comunista inveterado....

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Literatura e a liberdade cintilante.

As pessoas que me conhecem um pouco sabem o quanto eu gosto de literatura. Desde criança sempre li o quanto pude - e às vezes o que não  pude.  Depois da adolescência, cego de um olho e com catarata severa em outro, ainda assim segui sendo amante da leitura, mas jamais consegui ler na mesma velocidade e as mesmas quantidades de obras que eu gostaria ou poderia ler se enxergasse.
Depois vieram os compromissos profissionais, os livros, artigos e outros textos para estudos, e o espaço da literatura na minha vida foi diminuindo. Isso porque, além da falta de tempo meus olhos cansavam muito rapidamente e eu pouco conseguia aproveitar com conforto aquilo que lia. Não que me impeça completamente, mas dificulta consideravelmente.
Não foi fácil admitir que eu estava perdendo tantas e tantas obras sensacionais por ler mais lentamente, por enxergar menos do que o necessário para usar o papel. Mesmo com a lupa, com luz adequada, ainda assim eu demoro mais tempo, e se isso acontece, são menos obras que posso conhecer.
Se buscasse adaptar os livros para as especificações de fonte e tamanho que consigo ler em tinta, o tempo para que fique pronto é tão grande, que a espera parece interminável. O peso e o volume do que eu carregava era tão grande que era preciso uma logística toda especial, muitas dores nas costas tive por causa disso.
Mesmo o amor pela literatura não foi suficiente para que eu continuasse a ler uma quantidade considerável de obras devido a todas essas dificuldades que apareciam. Aos poucos, fui deixando tudo isso de lado, e me resignando a uma meiz dúzia de livros por ano, sabendo que outras centenas de títulos fantásticos estavam à minha espera, mas eu não poderia tê-los completamente ou de uma forma que pudesse aproveitá-los.
Já conhecia os leitores de tela, mas sempre achei que as vozes eram ruins no computador, e que dificilmente eu iria me adaptar. Logicamente, se eu fosse cego me acostumaria logo com as possibilidades que me fossem fornecidas. Resistia um pouco à ideia de usar os softwares ledores, pelo motivo prático e pelo fato de achar que sozinho minha visãomesmo muito ruim daria conta de ler em tinta.
Quando eu conheci a Fabiana e começamos a namorar, eu me encantei por um milhão de coisas nela, como o conhecimento e o amor pela leitura - até nisso somos almas afins. Acho que lendo em tinta, nem que eu passasse o resto da minha vida apenas lendo conseguiria ler a quantidade de livros que ela leu e releu, mais um fator que me faz admirá-la 
Em nosso convívio diário ela foi me mostrando que havia possibilidades para que eu conseguisse ler com sintetizadores de voz com um mínimo de perda de conforto. Depois de uns meses eu consegui adquirir um Iphone - com as seguidas insistências e incentivos da Fabi. Suas dicas foram e são muito preciosas para mim, agora eu consigo ouvir os livros mais rápido, estou ainda em fase de adaptação, mas já consigo me sentir livre para saber que poderei acessar quantas obras eu puder, em quantidade de tempo infinitamente menor. Poderei levar os livros para onde eu quiser, sem um peso muito grande a ser carregado.
Hoje, me sinto  duplamente livre. Primeiro por saber que estou de volta ao mundo da literatura, que eu imaginava já estar perdido. É como se a Fabiana tivesse me tomado pela mão e me guiado de volta à um paraíso de onde eu nunca devia ter saído. Agora eu sei que tenho novamente um universo de lugares, de acontecimentos, de histórias... 
Se isso já não fosse muito, também me sinto livre na medida em que eu admito que usar os auxílios dos softwares ledores me cansam menos os olhos, que eu devo usá-los como apoio, que quiçá, um dia serão uma das únicas formas de acessar os livros. Ter noção das limitações que tenho, por mais paradoxal que pareça, me faz sentir menos limitado e mais livre de certas amarras. 
Não acho que já esteja enxergando menos, embora saiba que isso um dia vai acontecer, mas eu consigo usar melhor meu tempo com a agilidade dos leitores de voz, otimizo o uso da visão, o que me causa menos cansaço físico e mental. Tudo isso tem implicações físicas evidentes, e emocionais também, pois ao contrário de alguns anos atrás hoje eu não preciso e nem quero mais fingir que não preciso de bengala ou de um leitor de tela para certas atividades.
Escrevo tudo isso até aqui para agradecer de todo meu coração à Fabiana, que além da pessoa mais importante na minha vida, tem me libertado cada dia mais de coisas que me deixavam angustiado e receoso. Obrigado por tudo e, principalmente, por me ajudar a encontrar os caminhos certos, a vencer as lutas diárias e a ser cada dia mais livre dos meus medos, inseguranças e pronto para viver um mundo repleto de possibilidades cintilantes.
 

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Deficiência plural e singular



Normalmente, o pensamento mais corrente nas sociedades é de que todas as pessoas com deficiência são iguais, que tem as mesmas necessidades, que tem personalidades, gostos e desejos semelhantes. Muitos acham que se conhecem um cego, sabem do que todos os cegos precisam, e isso está muito longe de ser verdade. Felizmente para a humanidade, as pessoas são plurais e cada um de nós é um pequeno universo, somos diversos e até ao inverso.   
Sempre refleti sobre isso, mas dois fatos me chamaram a atenção ainda mais para a pluralidade dos sujeitos. Recentemente, assisti a uma palestra sobre as questões da homossexualidade e do corpo como forma de identidade. Também pude finalmente assistir ao filme “Eu quero voltar sozinho”, onde um adolescente descobre sua sexualidade e percebe estar apaixonado por outro rapaz, e o mais interessante foi a forma digna, afetuosa e emocionante como o tema foi tratado na obra. O detalhe é que o personagem é cego, e foi um dos melhores filmes sobre deficiência que eu já vi.
Recordo-me de uma situação ocorrida há seis anos, quando uma colega de mestrado estudava sobre “surdos com síndrome de down”. Em uma das aulas debatendo sobre seu projeto, a questionei da seguinte maneira: “por qual motivo tu usas surdos com down? Por que não usar dows surdos?”. Ainda que muitos acreditem que temos uma identidade que nos caracterize mais do que as outras, é preciso pensar diferente do usual, que somos muito mais do que “apenas” cegos, surdos, com down, negros, homossexuais ou outros.
Já faz algum tempo que como acadêmico e como sujeito com deficiência venho desejando estudar ou refletir mais sobre aquelas pessoas que vivem à margem, ou se preferirem, nas zonas de fronteiras entre algumas diferenças das chamadas minorias. E as mulheres, os negros, os pobres ou imigrantes com deficiência? E /se forem tudo isso ao mesmo tempo? E se forem tudo isso e mais algo que sequer eu citei aqui?
Tenho pesquisado bastante sobre as marcas culturais com as quais pessoas cegas e com baixa visão se identificam e que possibilitam a construção de certas identidades que nos acolhem. Mas, fico sempre desconfiado e atento para que essas identidades não formem um ideal de pessoa com deficiência visual, um modelo a ser seguido como uma identidade única.
Talvez, muitos podem dizer apressadamente que isso pareça quase que eu mesmo destruir os castelos de areia que “criei”, mas acredito que o que temos são possibilidades de identificação, e não modelos indenitários a serem seguidos como dogmas. Mesmo porque, se descartarmos aqueles diferentes dos modelos que se imaginam dos “cegos de verdade”, agiremos exatamente igual aos que condenamos por nos excluírem.
Quando fiz meu doutorado sanduíche em Barcelona, conheci um rapaz com baixa visão militante no movimento das pessoas com deficiência da Catalunha. Contou-me dentre tantas coisas interessantes, que fazia parte de uma comissão específica para tratar sobre os homossexuais cegos e com baixa visão. Foi a primeira pessoa com deficiência visual gay – ou vice versa, como preferirem – que eu conheci, não por vontade, mas por falta de oportunidade.
Além disso, ele relatou as dificuldades enfrentadas por estar em uma zona de fronteira, pois se tem a ideia de que sujeitos com deficiência são assexuados – e isso está bem longe da verdade -, e como um gay que tem uma diferença corporal, se via pouco aceito na “comunidade”. Assim, ele via-se excluído por ser cego, por ser gay, por ser um cego gay, por ser um gay cego, quando deveria era ser respeitado por ser ele mesmo.
Ultimamente, tenho ampliado minha rede de contatos com sujeitos cegos e baixa visão, e entre eles, conheci direta e indiretamente pessoas com deficiência visual com orientação homossexual. Tenho interesse em entender como e a vida dessas pessoas que muitas vezes são multiplamente mais excluídas do que normalmente já somos. Que estratégias utilizam para lidar com os desafios que essas situações lhes impõem?
Um exemplo, é que alguns homossexuais contam que “conhecem pelo olhar” quem é ou não “como eles”, mas e uma pessoa cega como faz? Uma alternativa muito usada tem sido os aplicativos de “paquera” para celular, sendo a visualidade o principal fator de contato entre os usuários, mas, como faz alguém que não enxerga?
Acredito que assim como mostrado em “eu quero voltar sozinho” as questões sentimentais sejam semelhantes para os homossexuais que enxergam ou não. O que pretendo trazer para o debate é que muitas vezes essas pessoas ficam um tanto de fora das discussões sobre os seus direitos, sobre as possibilidades de aceitação e respeito às suas singularidades. Como os movimentos de homossexuais e de pessoas com deficiência lidam com essas questões que estão cada dia mais latentes?
Utilizei esses exemplos para propor o debate sobre as diferentes características que pode ter uma pessoa cega ou com baixa visão, não sendo possível falarmos em um “cego modelo”. Também me interessa tratar sobre aqueles sujeitos que são excluídos por mais de uma característica, como no caso das pessoas com deficiência visual homossexuais, excluídas por terem deficiência e por serem gays ou lésbicas. Mais do que isso, excluídas também, por não se encaixarem em modelos estabelecidos pelas minorias a que pertencem.
Portanto, é necessário que exercitemos a hipercrítica e percebamos que pessoas com deficiência excluindo outras por serem “diferentes” é seguir a lógica da exclusão que tanto lutamos para que acabe. Devemos agir com o mesmo desprendimento do preconceito que pretendemos que façam conosco.
Assim, tenho certeza de que esses temas são muito mais profundos do que as discussões que trago nesse texto. Da mesma maneira, não tenho respostas para a maioria das perguntas que trouxe aqui. Convido o leitor para também seguir refletindo sobre essas questões, pois é subvertendo e dissolvendo a lógica excludente que faremos uma sociedade de fato inclusiva.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Especialização em audiodescrição - Minhas percepções

A audiodescrição no Brasil tem crescido com intensidade e a passos firmes, ainda que existam muitas dificuldades a serem superadas a cada dia. Percebo que a maioria dos audiodescritores tem se empenhado cada vez mais para fazer com que esse recurso de acessibilidade faça parte do cotidiano de todas as pessoas. Exceto aquela minoria que insiste em usar hífen na AD por conceitualmente preferir separar à agregar - os quais me permito dar-lhes o que merecem, a indiferença -, é no diálogo entre opiniões contrárias ou não que temos conseguido elevar o nível e o alcance da AD.
O Curso de Especialização em Audiodescrição da Universidade Federal de Juiz de Fora é um marco histórico para a audiodescrição em nosso país, não apenas por ter sido o primeiro, mas por proporcionar formação adequada na área, abrindo caminho para que tantos outros cursos como esses surjam e fomentem a qualidade desses profissionais, isso nos proporcionará produtos melhores e em maior quantidade. Assim, mais do que os méritos acadêmicos, o curso teve e terá influência direta na prática dos alunos, dado que a maioria deles de alguma forma já atua na cadeia produtiva da AD.
Também foi um momento de muita emoção para mim, pois desde o começo de minha trajetória acadêmica desejei participar de bancas examinadoras. Lia os textos dos meus colegas de mestrado e doutorado muito atentamente buscando me qualificar como avaliador, e além disso, aprendi bastante com meus professores e com minha orientadora sobre como ajudar a qualificar as pesquisas examinadas. Assim, tive a felicidade de participar de cinco bancas do curso de especialização, e chegar a mais esse objetivo que por si só me deixou honrado.
Tive sorte de avaliar trabalhos de diversas formas de utilização da AD, de museus à filmes com cenas eróticas. Passei por situações muito agradáveis de ler trabalhos que me fizeram pensar e ampliar meus conhecimentos. É verdade que li outros com menos coisas boas e com problemas graves, embora esses também tenham me proporcionado aprender sobre diversas peculiaridades de bancas examinadoras e das surpresas que elas podem nos reservar. Espero ter outras oportunidades como essas para avaliar trabalhos, produzir e compartilhar conhecimentos.
Não pude assistir a todos as bancas examinadoras dos alunos do curso,mas estive presente em boa parte delas, sendo possível verificar pesquisas importantes para os rumos da AD no Brasil. Quase todas as regiões estavam representadas, o que representa um considerável alcance dos conhecimentos produzidos, garantindo a possibilidade daquilo que tenho desejado e lutado muito para que aconteça, a interiorização da audiodescrição. Fazê-la apenas nas grandes e médias cidades ainda não é o ideal, pois todas as pessoas com deficiência  visual devem ter o direito a ter o recurso, se não for assim, ela não será plenamente inclusiva.
As temáticas investigadas demonstram a pluralidade da AD, seja nas obras de arte contemporânea, nos desenhos infantis, nos filmes eróticos, nas exposições em museus e outros tantos assuntos. Para mim, o principal e que parece mais interessante são as diferentes formas de utilização da audiodescrição nos processos educacionais, sobretudo, escolares. Atualmente pesquiso sobre essa questão, e ainda que não tenha chegado aos resultados, noto que essa é uma maneira de conscientizar as pessoas com e sem deficiência para a magnitude que possui a AD na vida das pessoas.
Entendo que além de um processo de tradução com seus parâmetros e conceitos ligados à essa área de conhecimento, a AD pode ser entendida também como um produto  cultural. ou seja, efetuada como parte de uma cultura e nela inserido. Isso porque, em cada trabalho  apresentado foi possível perceber as nuances regionais, dos contextos culturais em que viviam, e em minha opinião isso ajuda muito a aproximar a AD das pessoas, tendo ou não alguma deficiência. 
Faço questão de referir também o trabalho da Elisabeth Sá, que fez uma cuidadosa e eximia pesquisa sobre a consultoria na audiodescrição brasileira. Destaco-o para ressaltar a importância do protagonismo das pessoas com deficiência nas equipes de audiodescrição, bem como na produção de conhecimento desse campo de conhecimento. E mais do que um recurso de acessibilidade pode ser usada como uma maneira de reivindicar e exercitar o tão desejado empoderamento.
Também me deixou feliz o fato de encontrar outros colegas de profissão e amigos que dificilmente costumo ter contato mais direto. Honrou-me estar entre os diversos audiodescritores renomados, discutindo os rumos da nossa profissão e de como podemos empreender novos caminhos para a AD nacional. Esses debates semeiam possibilidades de solidificarmos nossas práticas e o campo teórico que também temos que fomentar.
Assim, as defesas de trabalhos de conclusão de curso foram semelhantes a um seminário em que compartilhamos ideias, entramos em contato com outras pesquisas, diferentes propostas de trabalhos e debates que seguirão dando frutos e qualificando os processos de audiodescrição no Brasil. Espero que outros adições do curso venham, que possamos ter mais momentos memoráveis como esses para que se torne uma doce rotina no campo da AD.
Por fim, agradeço a coordenadora Lívia Motta pelo convite, e através dela parabenizo a organização do curso, os professores e os alunos pelo excelente e exemplar trabalho realizado. Mencionando também meus companheiros de banca que muito ajudaram nas discussões em que participei, sobretudo, a Cristiana Cerchiari  e o Laércio Santana, que além de colegas de trabalho  nas bancas, são professores do curso, demonstrando que  a nossa "classe" também está muito bem representada. E, uma saudação ainda maior à audiodescrição brasileira que cresce e se consolida cada dia mais.

sexta-feira, 25 de setembro de 2015