terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Audiodescritores brasileiros, uni-vos!

Desde que a audiodescrição começou a ser implementada no Brasil, em 1999, pela professora Bell Machado, o recurso têm crescido cada vez mais em qualidade e em quantidade de produtos além de sua amplitude para além das grandes metrópoles. É com muita alegria que nosso caminho tem sido sempre de grandes avanços e alguns  pequenos retrocessos, normais nos processos sociais. No entanto, seu crescimento traz diversos outros desafios que nós audiodescritores temos que enfrentar, e a união é fundamental para chegarmos a um bem comum, ou seja, a satisfação plena dos usuários.
Tenho a noção de que existe um grupo pequeno de audiodescritores que busca segregar-se, que objetiva tomar outros rumos, com alguns métodos que eu discordo,mas que por vivermos em uma democracia, essas pessoas tem o direito de fazê-lo. Enquanto suas discordâncias estiverem no campo das ideias isso será salutar para o debate e para a melhoria dos processos, caso contrário o melhor é a indiferença.
Ainda que o lobby da ABERT nos tenha imposto algumas derrotas no que diz respeito ao aumento da quantidade de horas com obrigatoriedade de AD na TV aberta, é fato que em outras esferas sociais a consciência dos benefícios trazidos pelo recurso tem sido compreendida e colocada em prática por mais e mais agentes sociais. Porém, a TV é apenas uma pequena parte de infindáveis formas de difusão cultural.
Desde 2012, alguns debates foram iniciados para a concretização de nossa profissionalização, bem como da criação de uma entidade que possa amparar nossos interesses e através da qual possamos contribuir para a construção de uma sociedade mais acessível e com audiodescrição de qualidade. Alguns fatores fizeram com que essas discussões ficassem estagnadas por um bom tempo, e nos últimos meses teve a chama reacendida. 
Muitas legislações e resoluções têm respaldado a ampliação do mercado da audiodescrição, tais como a Lei Brasileira de Inclusão (lei 13.146), da mesma forma as resoluções e consultas públicas da ANCINE, por meio das quais ficam garantidos os direitos de acessibilidade e da obrigatoriedade da audiodescrição fazer parte de muitas produções culturais, sobretudo, as audiovisuais. Outra questão importante foi a consulta pública da ABNT para a formação de diretrizes básicas para a audiodescrição no Brasil, ainda que tenha sido aberta e encerrada no começo do ano, período em que poucas pessoas puderam contribuir, um erro muito grave, ao menos em minha opinião.
Seja como for, tais diretrizes são importantes para que possamos qualificar nossas práticas e estabelecer minimamente um padrão brasileiro de acordo com nossa cultura e contemplando as preferências dos usuários. E, no que tange ao mérito, creio que foi um excelente trabalho mesmo necessitando de algumas adequações.
Contudo, em todos esses processos de políticas públicas e de normas técnicas, senti falta da existência de uma instituição que defenda os interesses dos audiodescritores e de seus usuários, que não fiquemos exclusivamente lutando em âmbito individual, mas em termos institucionais diante da força que unidos poderíamos ter, inclusive para ajudar a fomentar uma sociedade mais acessível e com produtos de maior qualidade. Sermos individualmente ativistas é necessário, mas buscarmos mudanças sem agir coletivamente tornam os processos menos velozes e efetivos.
Por outro lado, com a emergência da audiodescrição e com a escassez de profissionais qualificados no mercado proporcionalmente à demanda existente, abre-se espaço para aqueles que começam a fazer AD sem nenhuma qualificação, pois hoje basta dizer que conhece um pouco do tema para se identificar como audiodescritor. Pessoas que não conhecem à fundo o recurso produzem AD de péssima qualidade, prejudicando a identificação do usuário com a AD, em como de sua compreensão mais adequada do que está consumindo.
Muitos produtores culturais ainda não tem a consciência de que audiodescrição é um investimento e não um custo a mais que deveria ser absorvido pelo governo. Para cumprir a lei sem aumentar seus custos, eles acabam por contratar sujeitos que se dizem audiodescritores sem sequer ter frequentado um curso introdutório que seja, ou em casos piores, profissionais que rebaixam os preços apenas para conseguirem trabalho. 
Em princípio, quem toma essas atitudes pensa ter um benefício, mas não entende que a longo prazo isso é nocivo ao mercado e, principalmente, para os usuários que receberão uma AD sem qualidade e que não os ajudará tanto quanto poderia na fruição do produto. Toda a cadeia produtiva sofre com essas ações e, no entanto, não temos nenhuma entidade que defenda nossos interesses ou que aja para regular essas atitudes e o surgimento desinfreado de pessoas sem qualificação realizando audiodescrição de baixa qualidade.
Outra "galinha dos ovos de ouro" para algumas pessoas sem boas intenções é a abertura de cursos de audiodescrição ministrado por pessoas que sequer conhecem suficientemente do tema. Certas instituições de ensino como universidades privadas, estaduais e federais ou portais de internet oferecem esses cursos sem nenhuma estrutura e pessoal capacitado para formar bons profissionais. E com a crescente necessidade de audiodescritores, muitos se importammais em ter lucro do que em proporcionar produtos de qualidade ao seu público.
São cada vez maiores o número de instituições e até de "profissionais" que vendem cursos de AD com pequena duração como se fossem uma formação plena, e basta estar nas redes sociais para receber diversos anúncios desses cursos, mas a que preço?. Temos também algumas pessoas fazendo AD que desconhecem a necessidade de fazerem cursos de audiodescrição, algumas até reconhecem que fazem de seu trabalho uma maneira de "ter lucro com o mínimo de custos", mesmo que tenham o mérito de saber usar as redes sociais a seu favor. Mas, embora algumas delas relativamente famosas, a qualidade do produto é bem duvidosa.  
Diante de tudo isso que apontei até aqui, entendo ser absolutamente fundamental e premente a criação da ABADE (Associação Brasileira de Audiodescrição), seja para propor novas práticas, ser mais um agente coletivo na luta pela ampliação e melhoria da audiodescrição ou ainda, como entidade que atue contra os sujeitos nocivos ao mercado e aos interesses da audiodescrição brasileira.
Cabe também aos usuários cobrar uma AD de qualidade, seja do audiodescritor ou de quem oferece o recurso em seu produto. É preciso reivindicar de fato, não só como "leão de Facebook", participar ativamente da reivindicação por ais AD e que essas tenham a qualidade que o público merece. Também é preciso cobrar das entidades que defendem as pessoas com deficiência uma atuação mais efetiva e direta pela implantação e consolidação da audiodescrição, algo ainda incipiente no Brasil
Individualmente temos muitas limitações, mas se estivermos unidos em torno de um bem comum que é fazer AD de qualidade e batalhar para que seja ampliada tanto na variedade de produtos quanto na quantidade de usuários. Para que isso ocorra, precisamos concentrar esforços, dar um pouco mais de tempo do que já demos até agora. Já dialogamos bastante e acho que devemos continuar, porém, é chegado o momento de agirmos concretamente para criar a ABADE. 
Audiodescritores do Brasil, uni-vos!

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