terça-feira, 28 de maio de 2013

Por mais que eu reclame

Por mais que eu reclame.
Não significa que te des-ame.
Esse meu brado retumbante.
Só dou com quem me é importante.

Por mais que eu reclame.
Sei chorar diante da beleza.
Toda aspereza e argumento.
Sucumbem aos mais alegres sentimentos.

Por mais que eu reclame.
Justiça é um valor maior.
A intensidade de meus protestos.
São proporcionais aos elogios sinceros.

Por mais que eu reclame.
Agradeço diariamente.
Pela felicidade de sempre.
Por erros e acertos que me fazem eterno aprendiz.

Por mais que eu reclame.
Transformo tudo em poesia.
Faço dos rancores do dia a dia o inverso.
Com simples e doces versos.

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Felipe Leão Mianes

domingo, 12 de maio de 2013

Entrevista ao Programa TVCOM TUDO+

Disponibilizo aqui o link de uma entrevista que eu, Márcia caspary e a colega Noara demos ao prograba TVCOM TUDO+ onde falamos um pouco sobre audiodescrição, suas possibilidades e potencialidades, além da influência na vida e no acesso à cultura por pessoas com deficiência. Noara falou um pouco sobre a exposição 5 Sentidos, que possuem maquetes táteis e serviço de AD como forma de acessibilidade a alguns dos símbolos do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre.
É muito importante termos esses espaços na mídia para ampliar o conhecimento das pessoas sobre o recurso, e para que não conhece que passe a conferir e a pedir mais e mais AD.

Eis o link: http://www.youtube.com/watch?v=apAgH_BRmyY&feature=youtube_gdata

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Audiodescritor em Foco - Entrevista com Patrícia [Braile] de Jesus

Especialista em Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva [UNEB], Consultora da UNESCO no Projeto Livro Acessível [2009 – 2013]; Professora de Tecnologias e Educação [CAPES - UNEB]; Consultora de Tecnologia Assistiva, é atuante na alfabetização de pessoas cegas, Audiodescrição, editoração de livros acessíveis em formato Braille, Livro Falado e DAISY/Mecdaisy, com trabalhos realizados para diversas editoras e para o Ministério da Educação. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9270615740740774
1 - Como você se tornou audiodescritor? Que importância a audiodescrição tem na sua vida?
Patrícia - Ser audiodescritora foi um caminho natural em minha carreira de professora de Braille. Comecei em 1997 como ledora voluntária e algumas imagens dos livros lidos eu descrevia para os leitores com deficiência visual. A Audiodescrição ainda não havia chegado ao Brasil. Mais tarde, passei a me dedicar à produção de livros acessíveis em formato Braille e livro falado. Eu atendia sozinha cerca de 15 pessoas cegas diariamente numa biblioteca. Às vezes não dava tempo de adaptar as imagens em relevo [única técnica utilizada na época para dar aos cegos o acesso ao mundo imagético] então eu descrevia. As descrições também agradavam e eu passei a manter um blog com textos meus e descrições das imagens que eu utilizava para ilustrar as postagens. Não é um blog de grande acesso, mas já foi apontado por usuários cegos como o primeiro a utilizar a audiodescrição como recurso de acessibilidade, mesmo fora da “tag alt” [existe uma tag nos blogs para descrição da imagem, mas quase ninguém usa da forma adequada, que seria inserindo um texto alternativo e descritivo para pessoas com limitação visual].
Participei do primeiro curso de extensão em Audiodescrição na Universidade Federal da Bahia, mas minha paixão sempre foi livro. Em 2009 me tornei consultora da Unesco no Projeto Livro Acessível e minhas convicções sobre audiodescrição editorial foram se consolidando. Em 2011, o mesmo organismo internacional me contratou para escrever as normas de descrição de imagem para livros de literatura no Padrão DAISY. A audiodescrição hoje, para mim, significa meu compromisso social e também um rumo novo, profissionalmente falando. É a minha profissão, um importante meio de vida. Mantenho um trabalho voluntário de descrição de imagem no Facebook e ministro cursos para professores e editores. O objetivo é espalhar esse ideal de vida acessível para mais e mais pessoas.

2 – Na sua opinião, o que a AD representa para seus usuários? O que pode provocar na vida dessas pessoas?
Patrícia - A Audiodescrição é uma revolução cultural sem volta. Quem se viu tocado pela AD jamais aceitará menos que um produto cultural acessível para apreciar e enriquecer a alma. Audiodescrição, com perdão da rima, significa emancipação.

3 – Quais as maiores dificuldades e quais as maiores alegrias em ser audiodescritor?
Patrícia - As dificuldades são de toda ordem. As produções culturais ainda não são vistas como prioridade. Contudo, nada me entristece mais do que a banalização desta profissão tão recente no Brasil. Principalmente no mercado onde atuo, o editorial, vejo aventureiros fazendo barbaridades em textos que eles julgam ser audiodescrição, mas não passam de um retrato grosseiro e sem parâmetro da imagem, traduzido em frases mal lapidadas, por pessoas que mal dominam as técnicas básicas de redação e se arvoram audiodescritores de imagem para livros didáticos e paradidáticos. Minha maior alegria é receber mensagens de pessoas com deficiência dizendo que através de minhas descrições chegam a sensação de eficiência, de independência que elas tanto almejam. É como se, naquele momento, elas fossem menos cegas. Digo isso reproduzindo palavras delas mesmas. Isso me revigora. Ver pessoas cegas comentando minhas imagens na internet, elogiando ou não, junto com videntes, e ninguém sabe quem tem ou não deficiência, é uma experiência que me deixa muito recompensada.
4 - Você concorda com a ideia de que a AD, mais do que informar, deve proporcionar que o usuário usufrua e sinta as sensações do que é descrito? Você acredita que a audiodescrição além de um recurso de acessibilidade seja também uma produção cultural?
Patrícia - Com certeza concordo com a adequação da audiodescrição à obra descrita, visando o usufruto das sensações. Não podemos enjaular a audiodescrição em uma técnica fria. Talvez, no futuro, a AD consiga dispor de profissionais especialistas em gêneros diversos. Dispor daquele profissional que descreve terror, romance, aquele que descreve melhor ao vivo, outros que atuam melhor em cinema, assim como eu escolhi as produções editoriais, para me aprimorar e atender melhor ao público consumidor de livros, que também têm gêneros diferenciados e me obrigam a usar um vocabulário mais infantil ou mais técnico, a depender da faixa etária atendida. Audiodescrição não é apenas tecnologia assistiva, é também uma produção cultural que deve andar de braços dados com a arte, complementando-a, auxiliando-a, confundindo-se com ela, de maneira harmoniosa. Ela deve ser um item das produções, assim como figurino, trilha sonora, elenco etc.

5 – O mundo está cada vez mais visual, e se levarmos em conta que a visualidade é a matéria-prima da audiodescrição, ainda há muito a ser explorado nesse campo. Junto a isso, temos a ampliação e difusão dos produtos e políticas culturais para acessibilidade por parte dos governos e da sociedade civil. Diante desse cenário, quais desafios você acha que devem ser enfrentados para expandir a audiodescrição, tanto em quantidade como em qualidade?
Patrícia - Eu defendo o investimento em cursos de curta e longa duração e um maior rigor na seleção de profissionais que participarão dos projetos. Talvez o mercado absorva muitas pessoas mal formadas, mas o próprio mercado se encarrega de eliminar aqueles que não produzem a contento. Investir em formação é o meu caminho sugerido.
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Entrevista Felipe Mianes






segunda-feira, 6 de maio de 2013

Pensando com meus botões - alma livre

Dizem que os olhos são as janelas da alma.
Nesse caso, minha casa é sem janelas.
Isso é mesmo verdade.
Minha'lma não tem janelas,
nem portas, paredes ou patamares,
ela é livre,
de todo e qualquer enquadramento.

domingo, 28 de abril de 2013

Audiodescritor em Foco - Entrevista com Bell Machado

Bell Machado trabalha na Prefeitura de Campinas como assessora na Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida. Bacharel em Filosofia (Unicamp). Estudou Fonoaudiologia na PUC-Campinas e Agronomia, na Universidade de Padova, Padova - Itália. Mestranda em Multimeios no Instituto de Artes da Unicamp. Audiodescritora da ONG Vez da Voz.
Pioneira da Audiodescrição no Brasil, pois, desde o ano de 2000, fez a audiodescrição ao vivo de 290 filmes. Iniciou seu trabalho em audiodescrição de filmes para pessoas com deficiência visual, no Centro Cultural Braille de Campinas.
Coordenou de 2005 a 2011 o projeto de inclusão social, cultural e digital do MinC: Ponto de Cultura Cinema em Palavras no Centro Braille. Ministrou  por dois anos o curso “Introdução à formação de audiodescritores” oferecido para professores da Rede de Ensino da Prefeitura Municipal de Campinas.
Em 2012 fez a audiodescrição simultânea do Evento “Prêmio Folha – Empreendedor Social “ocorrido no Masp/SP e pela 1ª vez no Brasil  com transmissão ao vivo na web, diretamente dos estúdios do UOL.
É agente cultural do Projeto da Petrobrás-Cinema BR em Movimento, no qual exibe filmes brasileiros com audiodescrição ao vivo.
É integrante do Grupo AD–ABNT, grupo de discussão das normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), que tem o objetivo de estabelecer as diretrizes para a produção de audiodescrição no Brasil.



1 - Como você se tornou audiodescritor? Que importância a audiodescrição tem na sua vida?
Bell - Minha incursão ao trabalho desenvolvido com cinema e filosofia na audiodescrição de filmes deu-se por meio do curso de filosofia, na Unicamp, em 1999, quando estudei
Carta sobre os Cegos*, escrita no século XVIII pelo filósofo francês Denis Diderot. A Carta sobre os Cegos impressionou-me e me encantou de tal maneira que, nos 10 anos seguintes, meu trabalho e estudos versariam sobre questões referentes à maneira pela qual o homem constroi seu conhecimento por meio dos sentidos, e ao modo como a pessoa cega ou com deficiência visual elabora o juízo de suas percepções.
Em 2000, fui convidada pela então coordenadora técnica do Centro Cultural Louis Braille de Campinas, Eduarda Leme, para fazer o “Cinema Narrado” – atualmente o que se denomina audiodescrição, prática que ela e Cristina Loyola já desenvolviam há um ano – para pessoas com deficiência visual e cegueira. Como professora de história do cinema, achei estimulante, pois seria um modo de – ao mesmo tempo – desconstruir e roteirizar oralmente cada plano-sequência, no sentido de descrever o cenário, as pessoas e suas expressões, o vestuário, os movimentos de câmera, os deslocamentos espaciais e temporais, enfim, toda a estrutura de um filme, e o mais desafiador ainda: fazer tudo isso ao vivo, no momento da exibição do filme (na época não tínhamos recursos para fazer o roteiro de audiodescrição prévio do filme e muito menos realizar a audiodescrição gravada).
A escolha dos filmes era feita a partir de temas, país, gênero ou simplesmente pelo interesse em um determinado filme o qual as pessoas com deficiência visual não teriam condições de assistir no cinema. A maioria dos filmes selecionados, com exceção dos brasileiros, era de produção europeia, asiática, iraniana, enfim, não tinha sido exibida com dublagem nos cinemas, com o agravante de ser dificilmente encontrada nas locadoras.
A formação desse novo público espectador de cinema foi um grande desafio, pois, na época, (2000 a 2004), muitos usuários do Centro Cultural Braille não tinham o hábito de assistir a filmes – nem mesmo na televisão – e, assim sendo, não queriam participar das sessões de audiodescrição.         Com o tempo isso mudou. A maneira pela qual os filmes foram sendo apresentados, narrados, (como se dizia na época) e debatidos foi um fator determinante, tanto para desmistificar a ideia de que filmes não são para as pessoas com deficiência visual, quanto para despertar nessas pessoas o interesse e a adesão às atividades. Certamente outro fator importante foi o número de exibições, que ocorriam semanalmente durante todo o ano e a partir de 2005, duas vezes por semana. Era quase um cineclube, mas infelizmente, ainda para um pequeno grupo de usuários cinéfilos. Atualmente dois deles, Jean Braz e Evandro Chequi, são revisores de roteiros de audiodescrição.
Bem, a importância que a audiodescrição tem em minha vida não é uma resposta simples, nem breve. Cresci habituada a falar para pessoas que enxergam sobre coisas que já viram, mas em meu trabalho com audiodescrição durante doze anos no Centro Cultural Braille tive que aprender a falar para pessoas que não enxergam sobre as coisas que nunca viram. (não do meu modo, não pelo sentido da visão). E no início não tinha com quem discorrer sobre meu novo aprendizado, a não ser com as próprias pessoas cegas, as quais me ensinaram a fazer a audiodescrição. Mesmo em um mundo predominantemente ordenado pelas coisas visíveis, acredito no invisível, que se aloja no campo da imaginação e por isso respeito a imaginação. E é também por meio da audiodescrição que podemos, nós videntes, aumentar o repertório das ideias das pessoas com deficiência visual para uma melhor fruição do filme. Penso que pesquisadores e educadores devam ter um comprometimento com a produção do saber aliada a novas alternativas de comunicação.
Respondendo mais objetivamente à segunda parte desta pergunta, posso dizer que minha vida é norteada pela questão da inclusão, e que há anos a audiodescrição está atrelada ao meu cotidiano, pois está intrínseca em todas as formas do meu pensar e agir, em meus estudos, em minha vida familiar e social, em meu lazer e principalmente em meu trabalho.
2 – Na sua opinião, o que a AD representa para seus usuários? O que pode provocar na vida dessas pessoas?
Bell - Num primeiro momento gostaria de deixar claro que minha opinião sobre o que a audiodescrição representa para alguns usuários, e não para todos logicamente, é apenas uma reflexão baseada em muita convivência com diferentes pessoas que não enxergam. Sempre me questiono, pois diante da convivência ainda maior que tenho com pessoas que enxergam, não saberia dizer, de um modo geral, coisas sobre elas – E por que então poderia dizer tão assertivamente algo sobre as pessoas cegas?
Então, voltando à questão da opinião sobre a pluralidade do olhar e seus desdobramentos e, portanto, sobre a audiodescrição, posso dizer que conheci pessoas com deficiência visual que se deslumbraram com a audiodescrição das imagens e esse fato engendrou uma mudança comportamental e psicológica violentas e uma nova perspectiva de vida, pois a possibilidade de “educar” o olhar a partir do estudo da estética do cinema trouxe a essas pessoas um novo repertório imaginário e, portanto, a segurança, a autoestima e o conhecimento necessários para se discutir as imagens, em quaisquer esferas em que elas se apresentem.
- E me digam qual é o lugar que vamos que não se fala do visível?
Por outro lado, cansei de insistir desde 2000, para que alguns usuários assistissem a uma sessão de cinema e muitos nunca entraram na sala. Outros entraram, mas não voltaram tantas vezes. Não posso afirmar com certeza muitas coisas sobre isso. O efeito que uma audiodescrição produz na mente de um espectador cego é particular, individual, genuíno, mas penso que se a audiodescrição for apresentada desde criança, o processo da contemplação, absorção dos conteúdos, formação das ideias e elaboração será muito diferente. Ver essa realidade mudada acho que é o grande sonho dos audiodescritores e antes deles, logicamente, das pessoas com deficiência visual, pois ela significaria a mudança da sociedade.

3 – Quais as maiores dificuldades e quais as maiores alegrias em ser audiodescritor?
Bell - Qual dificuldade?Interna ou externa?
Falarei primeiro da interna. Acho que a dificuldade se estabelece para o indivíduo numa relação de proporção de sua vontade e competência. Narrar filmes para mim, foi algo que aconteceu naturalmente. Minha área de estudo e trabalho era o cinema, que conhecia muito bem. Por outro lado eu estava num campo completamente desconhecido, que era o das pessoas que não enxergavam. Mas meu encanto por esse mundo (Jean me matará por falar “desse mundo”!), foi tão grande que me deslumbrei. Foi um processo visceral, individual e coletivo, pois tive que aprender a fechar os olhos, a não ver, a rever, a refletir sobre a obviedade da imagem, a imaginar o tempo e o espaço misturados. Eu não tinha algo objetivo, não tinha um foco e foi aí que desfrutei dos ensinamentos de meu caro professor Milton de Almeida, que sempre me alertou a não me especializar pois o foco excessivo tiraria a possibilidade do olhar periférico e das outras possibilidades do olhar.
Quanto às dificuldades externas, em comparação ao ano de 2000, não são nada! Não que a sociedade tenha mudado tanto, no que se refere à inclusão e às barreiras atitudinais, mas não sofro mais aquela sensação de estar só. Sempre tive a certeza de que as mudanças ocorrem a partir da vontade própria e do modo como ela se representa e foi isso que me fez persistir. Hoje minha alegria é ainda maior porque vejo audiodescritores maravilhosos em caminhos diversos, e que juntos, lutam pela inclusão. Meu caminho solitário acabou e posso dizer para aqueles que me consideraram alienada, burguesa e obstinada, que valeu a pena.
A maior alegria em ser audiodescritora não é tanto poder descrever imagens para as pessoas que não enxergam ou não as compreendem muito bem, mas é dialogar sobre a parte invisível do olhar, aquela que está na mente de cada um, inclusive das pessoas que não enxergam.
 



4 - Você concorda com a ideia de que a AD, mais do que informar, deve proporcionar que o usuário usufrua e sinta as sensações do que é descrito?Você acredita que a audiodescrição além de um recurso de acessibilidade seja também uma produção cultural?
Bell - Ao meu ver toda e qualquer informação necessariamente evoca no indivíduo uma reação, consciente ou não, que é instantaneamente transformada em fruição, sensações de prazer, de dor, juízos de valor, (belo, feio, justo, falso, etc).  Não vejo porque seria diferente com as informações da audiodescrição. Existem muitas maneiras de se explicar esse percurso da informação, tanto na filosofia, na estética, na semiótica, na psicanálise e para refletir melhor sobre isso, sempre me pauto na reflexão de que não é o olhar que engana, mas o juízo que se faz das percepções que vêm por meio de todos os sentidos que possuímos.
Para responder a segunda parte da questão, me utilizo de um trecho de meu artigo A parte invisível do olhar publicado no livro “Educação e cultura audiovisual:ressonâncias"
RODRIGUES, U. A.; AMORIM, A. C. R.; COSTA, A. V. P. P.; SILVA,, J.M.B.; MACHADO, I.; SOARES, C.L.;  01/2012, ed. 1, Moderna, Vol. 1, pp. 6, pp.5-10, 2012, que versa sobre o filme de Abbas Kiarostami, “Shirin” e, entre outras a questão, por assim dizer, da pluralidade das linguagens que pode ser entendida como novas formas de se produzir conhecimento ou compreender algo já conhecido, e portanto, não somente  uma produção no sentido de uma nova cultura de hábitos e costumes da pessoa com deficiência visual e intelectual, mas também no sentido do audiodescritor ser o produtor de um novo conceito da obra a partir da sua descrição da imagem.
Se entendermos o olhar como um filtro subjetivo de uma realidade que não existe em si, mas, para cada um, e se entendermos que cada audiodescritor tem que seguir uma norma, mas também é livre para escolher a imagem e a maneira dela ser descrita, não temos como desvincular essa ação da liberdade artística.
            “Perceber o que um sentido diz para o outro, ver a passagem de uma forma de expressão (cinema) em outra (cinema descrito); entender a vontade de ver e a sua representação; colocar em desequilíbrio a interpretação; traduzir ou transformar as imagens em palavras são formas possíveis de inter relações, fundamentais dentro do processo de conhecimento da imagem. Na audiodescrição de um filme, toda descrição escolhida significa o abandono de outras possibilidades e, portanto, a construção de um significado. Por isso, não há um modo perfeito e satisfatório na audiodescrição. 
            Transformar as imagens de um filme em palavras é um modo de explorar o repertório linguístico, imaginário e artístico do audiodescritor. Durante o momento em que a imagem é observada, o descritor entra em um momento suspenso de intensa reflexão sobre o que deve ser descrito, pois aquelas imagens são invisíveis para alguns, e somente ele pode torná-las visíveis para, assim, dar-lhes um sentido, de modo análogo ao que faz um cineasta e sua câmera.
            Seja a descrição de uma cena, de uma pessoa, de um cenário, da mudança de tempo e espaço ou de um objeto, ela cria na imaginação daquele que ouve (cego ou não), um espaço (uma interferência, uma intromissão), que é rapidamente ocupado por outras ideias, transformadas em imagens, sensações e sentimentos. A imagem audiodescrita é resultado de uma montagem interna das percepções do descritor. Essas imagens trazem palavras.  Milton de Almeida disse que “cinema é a arte da fala, a arte da oralidade”. A arte de ver está ligada à arte da memória”* .
            As palavras revelam a ideia das coisas.  A audiodescrição ancora-se nas palavras e na imagem. Cria ou forja uma ideia da imagem que vai se juntar ao conceito interno de cada um, decantado na memória, o que torna diversa a intelecção.
            Um objeto está na memória. O olhar sobre o objeto depende do juízo que se faz das percepções, que vêm por meio de todos os sentidos. A imagem que enxergamos não está nem no objeto em si, nem em nosso olhar, mas em nossa imaginação, que, de acordo com Milton de Almeida, é um lugar que pode ser chamado “entremundo”.
            A imagem audiodescrita é, para alguns, a intromissão desejada, a possibilidade de ampliar o entendimento e contribuir para o imaginário da pessoa cega; para outros, é a intromissão repudiada, visto que tira a autonomia da imagem e, por consequência, infere na liberdade da percepção do espectador.
            A descrição do visível é o gesto da palavra, é como se descrevêssemos a música por meio de uma língua musical, e déssemos à imagem um gosto e um perfume. A descrição do visível pode levar o homem a confortar-se na loucura, a confrontar-se com a paz. É um deleite dos sentidos.
             É, em nossa imaginação, em um lugar que Milton de Almeida chama “entremundo”, que se encontram as metáforas óticas de Shirin: o real, o artifício e sua distinção; é também nesse “entremundo” que vivem os personagens, os espectadores e os audiodescritores, que se encontram por causa do cinema, que só nos chega pelas mãos do cineasta graças à parte invisível de seu olhar.”.
 
5 – O mundo está cada vez mais visual, e se levarmos em conta que a visualidade é a matéria-prima da audiodescrição, ainda há muito a ser explorado nesse campo. Junto a isso, temos a ampliação e difusão dos produtos e políticas culturais para acessibilidade por parte dos governos e da sociedade civil. Diante desse cenário, quais desafios você acha que devem ser enfrentados para expandir a audiodescrição, tanto em quantidade como em qualidade?
Bell - A visualidade é sem dúvida, a matéria-prima da audiodescrição, porém,
atrelada a uma educação dos sentidos, a uma sensibilização das
percepções ou, se preferirem, a uma educação e ao exercício do olhar.
Se assim não o for, dificilmente o acesso fenomenológico às coisas do
mundo bastará para que o audiodescritor descreva aquilo que foi visto. A qualidade de um profissional em audiodescrição está ligada ao tipo de formação. Penso que devemos investir em cursos de longa duração como especialização e pós-graduação. Eles são fundamentais para o estudo aprofundado das áreas em que a audiodescrição se aplica.
Entre os tantos desafios a serem enfrentados, penso ser fundamental promover o desenvolvimento de políticas públicas voltadas às pessoas com deficiência, assim como estabelecer parcerias com as diversas esferas de governo e iniciativa privada. Sabemos que algumas políticas já foram adotadas, mas não existe um órgão que as fiscalize adequadamente. É muito importante que exista uma articulação entre governo, iniciativa privada e sociedade civil, no que se refere à formação de profissionais, leis de incentivo à aplicabilidade do recurso, criação de espaços físicos e uma política de comunicação.
Tenho visto ações inclusivas geniais vindas de todas essas esferas, porém, a quantidade de eventos ainda é pequena e desse modo, torna-se inviável a formação de um público com deficiência visual e consequentemente de uma sociedade inclusiva.




*DIDEROT, Denis. Carta Sobre os Cegos para uso dos que v[ê]eem, 1749. In GUINZBURG, J. Diderot: Obras I – Filosofia e Política[:]. São Paulo[,]: Perspectiva, 2000. Com Voltaire e Rousseau, Diderot foi uma das figuras seminais do Século das Luzes e da fermentação cultural que levou à Revolução Francesa. Sua obra e suas idéias, não menos que as do autor de Candide ou do Contrato Social, encontram-se na base não só do movimento do Racionalismo francês ilustrado, como do processo de toda a modernidade filosófica, política, científica, literária e artística”. A “Carta sobre os Cegos” é um estudo no qual Denis Diderot discute, entre outras coisas, a maneira pela qual um cego congênito pode adquirir conhecimento, quando começa a enxergar, depois de fazer uma operação de cataratas. A investigação sobre o modo como o cego reconhecerá os objetos e a importância dos sentidos como fonte de conhecimento[,] são algumas das questões estudadas pelo filósofo. A partir da leitura, dou início ao meu trabalho desenvolvido, no Centro Cultural Braille, no qual ressalto algumas passagens e comparo as respostas do cego de Puilsaux, às de outros cegos entrevistados, alguns cegos de nascença, outros que perderam a visão ainda crianças, ou ainda, que a perderam recentemente. Faço, portanto, conjuntamente com eles, uma revisão comentada da “Carta sobre os cegos” em pontos considerados fundamentais para uma compreensão, aproximada ao menos, do universo dos cegos, que segundo eles, é o mesmo dos que veem.
*Milton de Almeida


 
Bibliografia:
ALMEIDA, Milton José de. Cinema Arte da Memória. Campinas, SP: Autores Associados, 1999.
ALMEIDA, Milton José de. O teatro da memória de Giulio Camillo. Cotia/Campinas: Ateliê Editorial/Unicamp, 2005.
ALMEIDA, Milton José de. Notas à margem da memória.
YATES, Frances A. A Arte da Memória. Campinas, SP: Unicamp, 2007.
TARKOVSKY, Andrei. Andrei Rublev (roteiro), 1966.
DIDEROT, Denis. “Carta sobre os Cegos in: Guinsburg (org.), Obras I – Filosofia e Política. São Paulo: Perspectiva, 2000.
MOTA, Lívia; ROMEU FILHO, P. (org.) Audiodescrição-Traduzindo imagens em palavras. São Paulo: Secretaria do Estado da Pessoa com Deficiência de São Paulo, 2010.
AUMONT, Jacques. O olho interminável (cinema e pintura). São Paulo: Cosac Naify, 2004.

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Entrevista: Felipe Mianes

sábado, 27 de abril de 2013

Uma dúvida azul

Desde criança não gostava de ser fotografado, seja pela minha timidez, seja por algum outro fator que a adultez me obrigou a esquecer. Hoje eu acho que essa minha aversão se devia muito mais a um desejo de ter algo que eu julgava impossível, o talento para fotografar. Só agora entendo que preciso mais de sentimento do que técnica para meus registros fotográficos. Também não gostava de ficar vendo fotografias, já que pelo fato de não enxergá-las nitidamente, precisava sempre que alguém me contasse o que estava vendo, e tivesse boa vontade em me descrever a foto.
Através dos textos de Evgen Bavcar, um grande fotografo cuja cegueira lhe confere uma percepção estética diferente, percebi que a imagem não é só aquilo que se vê, mas a intersecção entre como vejo o mundo e que sensações uma fotografia pode me motivar a registrar um determinado instante em imagem. Passei a achar que a fotografia é muito mais um retrato do que tenho dentro de mim do que algo que capture do exterior.
Comecei a ter tais ideias depois de algumas conversas, projetos e parcerias com a minha estimada amiga Daniele Noal, uma pessoa muito antenada, criativa e que tem o dom de nos fazer pensar de outros modos. Para muitos, cegos e pessoas com baixa visão fotografar é um contra-senso. Mas, como pesquisador que busca sempre expor aquilo que pode ser perturbador, me dei conta de que tinha um venturoso caminho pela frente.
Não digo que passei a tirar fotos constantemente daquilo que não fossem paisagens ou com pessoas marcantes para mim. Ainda assim, tenho aos poucos me arriscado a fazer fotografias baseado na ideia de construção da imagem como sentimento e não como primor estético, mas como cristalização de momentos e imagens que são mais reminiscências de minhas narrativas pessoais do que aquilo que se pode enxergar.
Apresento aqui uma das fotografias que fiz, que para mim representa muito.
Descrição da imagem
 Em quase doir terços da imagem, o mar azul escuro com alguns raios de sol refletidos e uma pequena marola. Acima, separado pela linha do horizonte, está o céu azul mais claro, onde também se podem ver algumas nuvens cobrindo quase toda borda superior da figura. A imagem está um pouco desfocada e inclinada para a esquerda.
Numa das minhas noites de insônia perguntei a mim mesmo: Que cor teria a dúvida? Qual o limite de nossos horizontes? Meu horizonte tem uma cor? Seria ele tão borrado e desfocado que não vejo seu fim?
A primeira imagem que se formou em meus pensamentos foi o azul, seja o azul do céu como o do mar, que se complementam e se delimitam durante o dia, e se unem ao anoitecer. Fitando o mar em uma manhã ensolarada percebi o contraste de azuis produzidos pelo horizonte. O azul que pode ser falso e enganar os olhos daqueles que enxergam.
A imensidão azul do mar, nos faz crer que sua cor é inquestionável, mas basta colocar sob as mãos um punhado de água que logo o azul se dissipa como uma leve bruma que leva sua cor e seu sentido azulado. Já o céu, quando não é visitado por nuvens ou quando não está visto no horário de trabalho da lua, parece um azul tido como celestial, que pode variar o tom, mas nunca perde a melodia de seus contornos.
Mas, experimente tentar tocar no céu, se para ti isso é impossível, saibas que se não o fosse também te decepcionaria, pois não é o céu que se veste de azul, mas a luz do sol que engana aos olhos daqueles que são iludidos pela visão.
Acho que às vezes a vida é meio azul como o mar e o céu. Seja como for, fiz a fotografia dos contrastes do horizonte, lá onde o mar banha a imensidão do céu e onde este, esconde por trás de si os mistérios marinhos. A imagem sempre é capaz de pregar peças se as pensamos como única fonte de reflexão e pensamento. Para quem tem deficiência visual como eu, desconfiar das imagens que nos é descrita é muito comum, pois somos produtores e consumidores de nossas próprias figuras, formas e cores.
Por isso, não creio no azul que vejo, mas sim no azul que sinto. Fotografar mar e céu juntos é construir a possibilidade de unir aquilo que poderia parecer impensável. Ser bem que, deve ser sempre bom manter viva uma reflexão e uma dúvida azul...

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Pensando com os meus botões - entrevista de emprego

Era uma vez em uma entrevista de emprego...
Entrevistador: seu currículo é excelente, nem parece que você tem um probleminha, parabens. Mas... nós não temos acessibilidade na empresa e nem uma vaga "à sua altura"
Entrevistado: Ah é, pois bem eu que agradeço, não quero trabalhar em um lugar sem acessibilidade e que escolhe os funcionários pela mediocridade dos currículos. Passar bem!