sexta-feira, 10 de maio de 2013

Audiodescritor em Foco - Entrevista com Patrícia [Braile] de Jesus

Especialista em Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva [UNEB], Consultora da UNESCO no Projeto Livro Acessível [2009 – 2013]; Professora de Tecnologias e Educação [CAPES - UNEB]; Consultora de Tecnologia Assistiva, é atuante na alfabetização de pessoas cegas, Audiodescrição, editoração de livros acessíveis em formato Braille, Livro Falado e DAISY/Mecdaisy, com trabalhos realizados para diversas editoras e para o Ministério da Educação. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9270615740740774
1 - Como você se tornou audiodescritor? Que importância a audiodescrição tem na sua vida?
Patrícia - Ser audiodescritora foi um caminho natural em minha carreira de professora de Braille. Comecei em 1997 como ledora voluntária e algumas imagens dos livros lidos eu descrevia para os leitores com deficiência visual. A Audiodescrição ainda não havia chegado ao Brasil. Mais tarde, passei a me dedicar à produção de livros acessíveis em formato Braille e livro falado. Eu atendia sozinha cerca de 15 pessoas cegas diariamente numa biblioteca. Às vezes não dava tempo de adaptar as imagens em relevo [única técnica utilizada na época para dar aos cegos o acesso ao mundo imagético] então eu descrevia. As descrições também agradavam e eu passei a manter um blog com textos meus e descrições das imagens que eu utilizava para ilustrar as postagens. Não é um blog de grande acesso, mas já foi apontado por usuários cegos como o primeiro a utilizar a audiodescrição como recurso de acessibilidade, mesmo fora da “tag alt” [existe uma tag nos blogs para descrição da imagem, mas quase ninguém usa da forma adequada, que seria inserindo um texto alternativo e descritivo para pessoas com limitação visual].
Participei do primeiro curso de extensão em Audiodescrição na Universidade Federal da Bahia, mas minha paixão sempre foi livro. Em 2009 me tornei consultora da Unesco no Projeto Livro Acessível e minhas convicções sobre audiodescrição editorial foram se consolidando. Em 2011, o mesmo organismo internacional me contratou para escrever as normas de descrição de imagem para livros de literatura no Padrão DAISY. A audiodescrição hoje, para mim, significa meu compromisso social e também um rumo novo, profissionalmente falando. É a minha profissão, um importante meio de vida. Mantenho um trabalho voluntário de descrição de imagem no Facebook e ministro cursos para professores e editores. O objetivo é espalhar esse ideal de vida acessível para mais e mais pessoas.

2 – Na sua opinião, o que a AD representa para seus usuários? O que pode provocar na vida dessas pessoas?
Patrícia - A Audiodescrição é uma revolução cultural sem volta. Quem se viu tocado pela AD jamais aceitará menos que um produto cultural acessível para apreciar e enriquecer a alma. Audiodescrição, com perdão da rima, significa emancipação.

3 – Quais as maiores dificuldades e quais as maiores alegrias em ser audiodescritor?
Patrícia - As dificuldades são de toda ordem. As produções culturais ainda não são vistas como prioridade. Contudo, nada me entristece mais do que a banalização desta profissão tão recente no Brasil. Principalmente no mercado onde atuo, o editorial, vejo aventureiros fazendo barbaridades em textos que eles julgam ser audiodescrição, mas não passam de um retrato grosseiro e sem parâmetro da imagem, traduzido em frases mal lapidadas, por pessoas que mal dominam as técnicas básicas de redação e se arvoram audiodescritores de imagem para livros didáticos e paradidáticos. Minha maior alegria é receber mensagens de pessoas com deficiência dizendo que através de minhas descrições chegam a sensação de eficiência, de independência que elas tanto almejam. É como se, naquele momento, elas fossem menos cegas. Digo isso reproduzindo palavras delas mesmas. Isso me revigora. Ver pessoas cegas comentando minhas imagens na internet, elogiando ou não, junto com videntes, e ninguém sabe quem tem ou não deficiência, é uma experiência que me deixa muito recompensada.
4 - Você concorda com a ideia de que a AD, mais do que informar, deve proporcionar que o usuário usufrua e sinta as sensações do que é descrito? Você acredita que a audiodescrição além de um recurso de acessibilidade seja também uma produção cultural?
Patrícia - Com certeza concordo com a adequação da audiodescrição à obra descrita, visando o usufruto das sensações. Não podemos enjaular a audiodescrição em uma técnica fria. Talvez, no futuro, a AD consiga dispor de profissionais especialistas em gêneros diversos. Dispor daquele profissional que descreve terror, romance, aquele que descreve melhor ao vivo, outros que atuam melhor em cinema, assim como eu escolhi as produções editoriais, para me aprimorar e atender melhor ao público consumidor de livros, que também têm gêneros diferenciados e me obrigam a usar um vocabulário mais infantil ou mais técnico, a depender da faixa etária atendida. Audiodescrição não é apenas tecnologia assistiva, é também uma produção cultural que deve andar de braços dados com a arte, complementando-a, auxiliando-a, confundindo-se com ela, de maneira harmoniosa. Ela deve ser um item das produções, assim como figurino, trilha sonora, elenco etc.

5 – O mundo está cada vez mais visual, e se levarmos em conta que a visualidade é a matéria-prima da audiodescrição, ainda há muito a ser explorado nesse campo. Junto a isso, temos a ampliação e difusão dos produtos e políticas culturais para acessibilidade por parte dos governos e da sociedade civil. Diante desse cenário, quais desafios você acha que devem ser enfrentados para expandir a audiodescrição, tanto em quantidade como em qualidade?
Patrícia - Eu defendo o investimento em cursos de curta e longa duração e um maior rigor na seleção de profissionais que participarão dos projetos. Talvez o mercado absorva muitas pessoas mal formadas, mas o próprio mercado se encarrega de eliminar aqueles que não produzem a contento. Investir em formação é o meu caminho sugerido.
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Entrevista Felipe Mianes






Um comentário:

  1. Felipe parabéns pela entrevista! Patricia, você tem razão quando diz que o mercado se encarregará de eliminar os que não produzem a contento, mas é preciso que os usuários do recurso se manifestem, contestem, exijam o melhor e aprendam a avaliar produtos áudio-descritos. Abç, Ana Fátima Berquó

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