Já passei por muita coisa na minha vida, já li muita coisa
em minha trajetória acadêmica, mas ainda me assusto e fico indignado com certas
coisas, e felizmente, acho que jamais irei perder essa capacidade. Verificar
que certos estigmas e desrespeitos às pessoas com baixa visão são parte do
combustível que move para a luta. Li um artigo e soube certas coisas nos
últimos dias que me fazem ver o longo caminho que há pela frente.
Li um
trabalho que relatava as percepções de alguns professores sobre seus alunos com
deficiência visual, e o resultado foi assustador. Pior que isso é que essas opiniões
não se restringem a esses docentes, há outras tantas pessoas que trabalham com
esse público e comungam de maneira velada ou até mesmo explicitamente com esses
deploráveis estigmas.
Especificamente,
estou me referindo ao que certas pessoas pensam sobre os processos de
aprendizagem das pessoas cegas e com baixa visão. Muitas ainda acreditam que
somos mais lerdos, indolentes, desconcentrados e coisas até piores. Tudo isso,
simplesmente pelo fato de nosso tempo de aprendizagem não ser o mesmo que as
demais pessoas que enxergam. Não vejo nada de errado nisso, afinal, conforme
aprendemos estudando o tema, não há sequer uma pessoa que viva do mesmo jeito e
na mesma velocidade que a outra.
As
condições de estudos que temos atualmente são precárias, o acesso que temos a
materiais adaptados ainda é muito restrito, mas nem todo mundo entende isso. Se
eu tivesse que fazer uma comparação, diria que precisamos de no mínimo 30% a
mais de tempo – e estou sendo generoso – de estudos para equiparar nosso
patamar de aprendizagem ao das pessoas que enxergam.
Por
exemplo, se um vidente leva uma hora para ler um material, nós teríamos a
necessidade de mais uns vinte minutos para fazer o mesmo, isso se ele estiver
em braile ou em fontes ampliadas, porque se não estiver adaptado eu diria que
esse tempo dobra. Isso pode parecer pouco isoladamente, mas para mim que
escolhi a pesquisa como profissão, para outros amigos que estudam para
concursos públicos ou trabalham diretamente com a docência, a somatória desse
tempo acaba sendo enorme.
Só quem
vivencia isso sabe o quanto é difícil ler um livro com uma lupa, ler um
material ampliado que é pesado e requer que passemos o tempo inteiro folheando
as páginas e que precisa de intensa concentração para não nos perder, como nos
materiais em braile, por exemplo. Para quem faz isso o dia todo, gastamos muito
mais tempo do que as demais pessoas para fazer as mesmas coisas, mas
infelizmente pouca gente quer entender isso.
São
incontáveis as vezes em que nós precisamos dar uma dose a mais de tempo das
nossas vidas para tentar nos equiparar, mas o dia continua tendo vinte e quatro
horas. Assim, não sei se os insensíveis de plantão sabem disso, mas esse tempo
a mais de estudos é o tempo a menos de convívio com a família, de diversão, de
exercício físico ou de simplesmente descansar. E mesmo assim, professores e
outros profissionais nos taxam de “lerdos” ou “desorganizados”, como se eu
fosse culpado pelo mundo não contemplar minha diferença e minhas necessidades.
Não estou
dizendo que somos heróis, vilões ou vítimas da sociedade, pois não acho que
esses papeis me sirvam, só estou dizendo que seria muito bom que as pessoas
tivessem uns 30% a mais de respeito pela nossa diferença, e acho que isso não é
algo inatingível. Claro, que há pessoas com deficiência visual que só querem
sombra e água fresca, mas elas não são assim por terem deficiência, são como
são por serem pessoas.
Tenho
amigos com outras deficiências que também precisam desses 30% a mais de
respeito diante de suas particularidades, e nós não estamos pedindo um favor,
estamos sim reivindicando um direito que nós temos. O problema não está em mim
que tenho uma diferença corporal, mas na deficiência da sociedade em contemplar
as minhas necessidades. Sei que tudo é um processo, mas vá dizer isso para quem
passou a vida toda ouvindo esses julgamentos rasos e absurdos, principalmente
de quem convive com pessoas com deficiência.
Também não
sou tolo o suficiente para analisar a questão em termos de achar que nós somos
os oprimidos e as pessoas que enxergam são opressoras, isso seria reducionista
demais, porque eu não vejo o mundo com os lhos do binarismo e da intolerância. Não
sofro de infantilidade crônica para achar que eu sou o dono da verdade e os
outros estão sempre errados, e por isso, me nego achar que haja uma “cruzada”
contra as pessoas com deficiência. Mas que ainda há incompreensão das consequências
de se ter uma deficiência, disso eu não tenho dúvida.
Ao invés de
julgar o outro, quem sabe seja mais interessante se colocar no lugar dele.
Afinal, quando estamos diante de uma paisagem que nos embevece queremos vê-la
por todos os ângulos possíveis, e o que é a vida e o convívio com nossos semelhantes
senão uma bela paisagem a ser vista, tocada e sentida? Acho que uma das causas
dos atuais males do mundo seja exatamente a perda da capacidade de se pôr no lugar
de outrem, acreditando sermos o centro do universo.
Obviamente,
eu viro “uma fera” quando leio e ouço tantas bobagens e tantos julgamentos
inconsequentes, pois por mais que eu seja um investigador, também há sangue
correndo nas minhas veias, e quem me conhece sabe que ele é bem quente. Mas, o
tempo me ensinou que simplesmente esbravejar contra essas pessoas seria inócuo
já que há outros modos mais elegantes de mudar as coisas. Esses
pensamentos de alguns ao invés de me acabrunharem ou revoltarem me motivam.
Conhecendo essas coisas e sabendo o quanto elas doem, tenho ainda mais gana de
fazer a minha parte e trabalhar na área da educação, pois é só com ela que a
gente muda essas coisas.
Portanto, sei
que tentar mudar as coisas pelo diálogo e pela educação pode demorar mais tempo
do que pelas vias mais radicais, mas não quero me igualar a quem me julga. Além
disso, a educação pode ser um processo longo, porém, é mais profundo e
duradouro do que outros modos de fazer. Até porque, a diferença é um sol que
brilha mais forte e sempre vence a bruma do preconceito.
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