quinta-feira, 17 de abril de 2014

Respeitem o nosso tempo



Já passei por muita coisa na minha vida, já li muita coisa em minha trajetória acadêmica, mas ainda me assusto e fico indignado com certas coisas, e felizmente, acho que jamais irei perder essa capacidade. Verificar que certos estigmas e desrespeitos às pessoas com baixa visão são parte do combustível que move para a luta. Li um artigo e soube certas coisas nos últimos dias que me fazem ver o longo caminho que há pela frente.
Li um trabalho que relatava as percepções de alguns professores sobre seus alunos com deficiência visual, e o resultado foi assustador. Pior que isso é que essas opiniões não se restringem a esses docentes, há outras tantas pessoas que trabalham com esse público e comungam de maneira velada ou até mesmo explicitamente com esses deploráveis estigmas.
Especificamente, estou me referindo ao que certas pessoas pensam sobre os processos de aprendizagem das pessoas cegas e com baixa visão. Muitas ainda acreditam que somos mais lerdos, indolentes, desconcentrados e coisas até piores. Tudo isso, simplesmente pelo fato de nosso tempo de aprendizagem não ser o mesmo que as demais pessoas que enxergam. Não vejo nada de errado nisso, afinal, conforme aprendemos estudando o tema, não há sequer uma pessoa que viva do mesmo jeito e na mesma velocidade que a outra.
As condições de estudos que temos atualmente são precárias, o acesso que temos a materiais adaptados ainda é muito restrito, mas nem todo mundo entende isso. Se eu tivesse que fazer uma comparação, diria que precisamos de no mínimo 30% a mais de tempo – e estou sendo generoso – de estudos para equiparar nosso patamar de aprendizagem ao das pessoas que enxergam.
Por exemplo, se um vidente leva uma hora para ler um material, nós teríamos a necessidade de mais uns vinte minutos para fazer o mesmo, isso se ele estiver em braile ou em fontes ampliadas, porque se não estiver adaptado eu diria que esse tempo dobra. Isso pode parecer pouco isoladamente, mas para mim que escolhi a pesquisa como profissão, para outros amigos que estudam para concursos públicos ou trabalham diretamente com a docência, a somatória desse tempo acaba sendo enorme.
Só quem vivencia isso sabe o quanto é difícil ler um livro com uma lupa, ler um material ampliado que é pesado e requer que passemos o tempo inteiro folheando as páginas e que precisa de intensa concentração para não nos perder, como nos materiais em braile, por exemplo. Para quem faz isso o dia todo, gastamos muito mais tempo do que as demais pessoas para fazer as mesmas coisas, mas infelizmente pouca gente quer entender isso.
São incontáveis as vezes em que nós precisamos dar uma dose a mais de tempo das nossas vidas para tentar nos equiparar, mas o dia continua tendo vinte e quatro horas. Assim, não sei se os insensíveis de plantão sabem disso, mas esse tempo a mais de estudos é o tempo a menos de convívio com a família, de diversão, de exercício físico ou de simplesmente descansar. E mesmo assim, professores e outros profissionais nos taxam de “lerdos” ou “desorganizados”, como se eu fosse culpado pelo mundo não contemplar minha diferença e minhas necessidades.
Não estou dizendo que somos heróis, vilões ou vítimas da sociedade, pois não acho que esses papeis me sirvam, só estou dizendo que seria muito bom que as pessoas tivessem uns 30% a mais de respeito pela nossa diferença, e acho que isso não é algo inatingível. Claro, que há pessoas com deficiência visual que só querem sombra e água fresca, mas elas não são assim por terem deficiência, são como são por serem pessoas.
Tenho amigos com outras deficiências que também precisam desses 30% a mais de respeito diante de suas particularidades, e nós não estamos pedindo um favor, estamos sim reivindicando um direito que nós temos. O problema não está em mim que tenho uma diferença corporal, mas na deficiência da sociedade em contemplar as minhas necessidades. Sei que tudo é um processo, mas vá dizer isso para quem passou a vida toda ouvindo esses julgamentos rasos e absurdos, principalmente de quem convive com pessoas com deficiência.
Também não sou tolo o suficiente para analisar a questão em termos de achar que nós somos os oprimidos e as pessoas que enxergam são opressoras, isso seria reducionista demais, porque eu não vejo o mundo com os lhos do binarismo e da intolerância. Não sofro de infantilidade crônica para achar que eu sou o dono da verdade e os outros estão sempre errados, e por isso, me nego achar que haja uma “cruzada” contra as pessoas com deficiência. Mas que ainda há incompreensão das consequências de se ter uma deficiência, disso eu não tenho dúvida.
Ao invés de julgar o outro, quem sabe seja mais interessante se colocar no lugar dele. Afinal, quando estamos diante de uma paisagem que nos embevece queremos vê-la por todos os ângulos possíveis, e o que é a vida e o convívio com nossos semelhantes senão uma bela paisagem a ser vista, tocada e sentida? Acho que uma das causas dos atuais males do mundo seja exatamente a perda da capacidade de se pôr no lugar de outrem, acreditando sermos o centro do universo.
Obviamente, eu viro “uma fera” quando leio e ouço tantas bobagens e tantos julgamentos inconsequentes, pois por mais que eu seja um investigador, também há sangue correndo nas minhas veias, e quem me conhece sabe que ele é bem quente. Mas, o tempo me ensinou que simplesmente esbravejar contra essas pessoas seria inócuo já que há outros modos mais elegantes de mudar as coisas. Esses pensamentos de alguns ao invés de me acabrunharem ou revoltarem me motivam. Conhecendo essas coisas e sabendo o quanto elas doem, tenho ainda mais gana de fazer a minha parte e trabalhar na área da educação, pois é só com ela que a gente muda essas coisas.
Portanto, sei que tentar mudar as coisas pelo diálogo e pela educação pode demorar mais tempo do que pelas vias mais radicais, mas não quero me igualar a quem me julga. Além disso, a educação pode ser um processo longo, porém, é mais profundo e duradouro do que outros modos de fazer. Até porque, a diferença é um sol que brilha mais forte e sempre vence a bruma do preconceito.

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