terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Bengalando em Barcelona (Palau Guell)

O Palau Guell fica no Bairro Raval, próximo à Rambla, e talvez por isso tenha grande quantidade de possibilidades de transporte público. Optei, como quase sempre, pelo metrô. A Linha 3 deixou-me a cerca de uma quadra do destino, e embora não haja piso tátil, como a rambla tem amplo espaço para passeio público a circulação não oferece grande risco, ainda que aquele que for sozinho e tiver deficiência visual, tenha que – via de regra – pedir auxílio para se localizar.
Fui até lá com minha esposa Patrícia, que me informou ser muito pequena a sinalização que demonstra onde está situado o lugar que procurávamos. De fato, caso não fosse ela, eu nem teria visto que o endereço era aquele apontado. Da mesma forma não há sinalizações para direcionar à bilheteria, o que dificulta bastante na aquisição dos ingressos.
Um aspecto interessante e que suscita certa reflexão. Existe preço do ingresso reduzido para pessoas com deficiência, mas, apenas mediante uma determinada documentação que apenas os cidadão que vivem na Catalunha podem ter, a chamada Tarjeta roja. Para ter esse cartão é preciso ser residente na província por certo tempo, além de cumprir requisitos que nenhum turista poderia ter.
Para mim, pareceu um tanto estranho o fato de uma tarifa que objetiva ser inclusiva, excluir os turistas com alguma deficiência; Considero que isso é uma contradição dessa diretriz. Mas, eu deveria estar acostumado com isso, já que muitas pessoas e instituições ainda tentam fazer inclusão baseada em ideias segregacionistas e excludentes.
Retomando ao relato da visita, após pagar o ingresso me dirigi até o guichê onde retirei o audioguia. O interessante é que existem duas modalidades de recursos de áudio. Há o audioguia tradicional, disponibilizado em dez idiomas, dentre eles Português – de Portugal e não do Brasil, segundo a atendente. O segundo, audioguia com audiodescrição, apresentado apenas em Espanhol – ou castellano como os catalães preferem chamar.
Se for solicitado, os atendentes mostram um mapa em auto relevo e braile. Este, apresenta as quatro plantas da casa para que a pessoa possa se locomover, sendo que a pessoa pode levar o referido mapa consigo na visita caso seja cego. Melhor ainda, nesse material, está indicada a numeração de cada faixa do audioguia com audiodescrição. Ou seja, a pessoa que quiser pode fazer a visita com autonomia.
A casa da família Guell arquitetada por Gaudi é uma verdadeira obra de arte, e mesmo que o famoso artista catalão estivesse em início de carreira, demonstrava ser já um expoente, dada a qualidade e criatividade do que criou. As diferentes curvas, desenhos e texturas fazem do local um dos mais belos espaços artísticos de Barcelona.
Fiquei maravilhado com tamanha inventividade e beleza criada por Gaudi, que cuidou de cada detalhe como se fosse uma pequena obra de arte. A suntuosidade do palácio fez com que eu me sentisse vivendo e transpirando a atmosfera do final do século XIX. Como eu soube de tudo isso? Simples, foi por conta da audiodescrição.
Para começar, o audioguia com audiodescrição desde o princípio da visita auxilia muito ao situar o ouvinte onde ele está e para onde deve ir. Em cada faixa há orientações de como e para onde a pessoa deve se locomover, informando sobre obstáculos, escadas, rampas ou superfícies escorregadias. Isso é importante para prover autonomia e segurança para aquele que está ouvindo, caso ele seja cego ou tenha baixa visão.
Durante toda a visita que leva um pouco mais de noventa minutos, o roteiro do audioguia e principalmente da audiodescrição, privilegiam informações relevantes para a compreensão e sensação do ouvinte com deficiência visual. Isso porque, são feitas descrições conjugando detalhamento e objetividade. Muitas nuances ficam para trás, mas nem mesmo aqueles que enxergam conseguem captar todos os detalhes em condições semelhantes.
Embora eu tenha sentido falta da descrição das cores de alguns objetos, vitrais ou salas do palácio, creio que foi feita com clareza e qualidade. Algumas das formas e texturas foram descritas realizando associações com coisas do cotidiano, como as letras “U” e “L”, por exemplo.
A trilha sonora também é importante nesse processo, já que as músicas de fundo enquanto está sendo feita a narração ou para comelar e finalizar as faixas conferem sensações que ajudam a construir as imagens daquilo que está sendo visitado. Isso porque, além da formação da imagem acontecer pela audição, também pode ocorrer com o auxílio das memórias de cada sujeito.
Ao mesmo tempo, a narração também foi muito bem concebida, pois o texto do audioguia é narrado por uma voz feminina, e o da audiodescrição, por uma voz masculina. Mais que isso, a locução foi feita com entonações vocais diferentes, ressaltando determinadas informações, colocando certa carga de emoções em outras, e tudo isso sem uma interpretação demasiada.
Por todos esses motivos, consegui compreender e formar imagens daquilo que estava exposto e das ideias que estavam sendo apresentadas. Também tive as sensações de acolhimento e entusiasmo com tamanhos detalhes e informações a que tive acesso, e que certamente não as teria se não fosse a audiodescrição.
Portanto, me senti muito satisfeito com essa visita por ter sido um dos museus com melhor acessibilidade na cidade. A qualidade do material demonstra a preocupação e a importância que os administradores dão às singularidades de seus usuários com determinadas especificidades. Eis um exemplo a ser seguido por outros tantos espaços culturais.



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