Através de um projeto chamado Teatro Acesible, que conheci por meio de pesquisas e conversas
realizadas na Universitat Autonoma de Barcelona onde estudo, tive acesso ao
calendário da temporada de 2014 das peças teatrais com audiodescrição na
capital catalã.
A obra que fui assistir
no dia 18 de janeiro foi realizada no Teatro Romea. O local fica situado no bairro Raval,
um dos mais tradicionais e históricos da cidade. Há uma linha de metrô e
algumas de ônibus que passam a cerca de uma quadra dali. Embora as estações de
metrô tenham boa sinalização e piso tátil, o mesmo não pode ser dito das ruas
que devem ser percorridas para chegar ao destino.
Uma pessoa cega não conseguiria ir sozinha, e uma com baixa visão teria
algumas dificuldades, mas nada muito grave. Contudo, como sempre, fui
acompanhado de minha esposa que está quase sempre comigo nas visitas e participações
nesses eventos, e além de companhia agradável me ajuda muito na acessibilidade
aos diferentes locais.
Dentro do teatro, como há grande aglomeração de pessoas é um tanto
complicado circular, mas o espaço é acolhedor assim como os atendentes também o
são. O Romea é muito bonito e sua decoração e arquitetura lembram os teatros do
século XIX. Como a peça tinha audiodescrição, logo nos dirigimos para retirar
nossos aparelhos receptores por onde seria exibido o áudio da AD. Feito isso,
nos dirigimos para os nossos assentos – nesse caso, sem descontos para pessoas
com deficiência, já que a peça tinha acessibilidade.
Em seguida, sentei em minha poltrona e passei a ouvir a audiodescrição
exibida no transmissor. Uma voz gravada anunciava a sinopse da peça, bem como o
elenco e outros dados técnicos como parte dos créditos. Apresentou também, a
vestimenta dos três personagens e os detalhes sobre o cenário.
Também senti falta da descrição sobre o
espaço, ou seja, como é o teatro, quais seus detalhes arquitetônicos, quantos
andares e setores, bem como a localização dos banheiros e escadas, o que ajuda
na locomoção caso isso seja preciso.
Da mesma maneira, faltou a descrição física dos personagens e de cores
de seus trajes e do cenário, algo fundamental para que tenhamos mais elementos
para formar a imagem dos mesmos. E havia tempo para isso, já que a gravação
repetiu-se por três vezes antes do começo da peça.
Quando o espetáculo começou, foi possível notar mais coisas. A
primeira delas é que acima do palco havia um telão onde foram exibidas as
legendas utilizadas para as pessoas surdas e com deficiência auditiva. Como
eram três personagens, nos diálogos tinham cores diferentes, em branco,
amarelo e verde. Isso ajuda a esses sujeitos terem quase pleno entendimento do
que está acontecendo.
A AD foi apresentada no idioma catalão, o que
dificultou um pouco a compreensão de algumas observações mais aprofundadas que
eu poderia ter verificado. Mas, esse fato não impediu que eu entendesse o que
estava sendo dito, ao menos na maioria dos casos, já que cada dia mais estou me
familiarizando com essa língua.
A audiodescrição foi de muito boa qualidade, com um texto claro e conciso. Não aconteceu nenhuma sobreposição da AD nas falas ou trilhas da peça. Isso é importante para facilitar o entendimento de ambos e para não existir confusão por parte do usuário que está ouvindo.
A audiodescrição foi de muito boa qualidade, com um texto claro e conciso. Não aconteceu nenhuma sobreposição da AD nas falas ou trilhas da peça. Isso é importante para facilitar o entendimento de ambos e para não existir confusão por parte do usuário que está ouvindo.
O roteiro
da AD era muito objetivo e as informações foram dadas de modo
direto. Há correntes de estudos nesse campo que tomam esse formato como o mais
adequado a ser utilizado, já outros, acreditam que deva ser fornecido o máximo
possível de informações.
Confesso
me enquadrar nesse último grupo, pois acredito que quanto mais elementos dados
ao usuário para formar suas próprias imagem, melhor será o entendimento e a
qualidade da fruição dele. Assim, acredito que o roteiro poderia conter mais
informações sobre as cenas e sobre os acontecimentos.
Existiam
muitos silêncios e possibilidades para inserção dessas informações durante a
peça. Certamente, não se podem preencher todos os silêncios com audiodescrição
pura e simplesmente para “rechear” esse tempo, já que o silêncio às vezes faz
parte da atmosfera da trama. Porém, não foi o caso, e não havendo nenhuma
informação sonora, em algumas ocasiões me perdi no enredo de algumas cenas,
embora não tenha sido algo muito grave.
A obra
audiodescrita, chamada Iaia, foi uma
comédia sobre uma avó (que dá nome à peça) que tenta a todo custo sabotar o
relacionamento amoroso do neto, e as diversas situações que se seguiram giraram
em torno disso. Foram muitos os momentos engraçados e mesmo em catalão, nos
divertimos muito. Houve espaço também para dramas e emoções empolgantes.
Ao final,
tive a oportunidade de ter uma rápida conversa com Javier, o roteirista da AD.
Para minha surpresa, me disse que a locução não foi humana, mas a partir de um
software que desenvolveram em sua empresa, uma espécie de leitor de telas que
ele sincronizava com a peça em tempo real.
O mais
interessante é que em nenhum momento consegui identificar que não se tratava de
uma gravação. O que notei é que a locução parecia gravada e não feita ao vivo,
mas a voz parecia humana e dificilmente seria possível verificar o
contrário. O resultado foi muito bom, a
voz era excelente e de fácil compreensão e fluência.
Antes de
saber disso, pensei que a entonação da narração poderia exibir uma carga maior
de emoção nas audiodescrições de cenas que tinham a necessidade disso. Porém,
como o estilo de muitos audiodescritores espanhóis é narrar com “neutralidade”
(objetivando não demonstrar nenhum tipo de emoção), imaginei que esse fosse o
estilo empregado.
Também
discordo dessa linha que defende uma AD com locução neutra, pois a voz do
narrador também nos ajuda a formar imagens e estabelecer os laços necessários
para fruir a peça. Uma narração que esteja de acordo com a carga de sentimentos
da obra – sem ser exagerado, é claro – é fundamental para a compreensão e
sensação de pertencimento e emotividade do usuário.
Portanto,
nesse evento pude experimentar mais uma vez a audiodescrição feita em
Barcelona, e embora algumas discordâncias quanto ao modo como foi feita, devo
admitir que dentro da linha de pensamento e concepções de alguns audiodescritores,
sua execução teve grande qualidade e foi agradável de ouvir. Sem ela, não teria
compreendido quase nada da peça. Logo, a AD cumpriu seu papel de fornecer acessibilidade
e diferentes sensações e emoções.
Descrição da foto
Estou na escadaria que leva à sala de espetáculos. À direita da foto, uso calça jeans azul claro e blusão bege sob casaco azul escuro com uma listra cinza no centro e outra na barra inferior. De frente para a câmera, tenho na mão esquerda o aparelho receptor pelo qual ouvi a audiodescrição da peça.
Fim da descrição
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