sábado, 28 de setembro de 2013

Bengalando em Barcelona (Conhecendo e me locomovendo pela cidade)



Para pessoas com deficiência visual, creio que uma das situações mais embaraçosas sejam aquelas em que estamos em um lugar completamente desconhecido, pior ainda se for em um país diferente e com outro idioma. Esse é o meu caso, embora eu saiba razoavelmente bem me virar no espanhol e esteja acompanhado por minha esposa Patrícia.
Sinto-me como um bebê, que reaprende tudo, a achar ruas, a encontrar os melhores caminhos, a evitar ao máximo se perder (o que nem sempre é possível), a me comunicar de um jeito diferente, enfim, entrar na vida da cidade. Já estou aqui há vinte dias e pude analisar muitas situações de acessibilidade, principalmente as que se referem aos sistemas de transporte e das ruas de Barcelona, além de outras particularidades interessantes relacionadas ao tema.
Uma das coisas que mais me chama a atenção aqui é a grande quantidade de cadeirantes circulando pela cidade. Muitos, mas muitos mesmo,. pessoas idosas que já não caminham mais, porém, o número de adultos, jovens e crianças em suas cadeiras de rodas é bem grande.
Achei bem estranho que até hoje só encontrei dois cegos – um eu mesmo vi, o outro minha esposa contou ter visto de longe. Em um país com uma das maiores maior associações de cegos do mundo como é o caso da ONCE (Organização Nacional dos Cegos da Espanha), não me deparar com uma quantidade proporcional de pessoas com deficiência visual nas ruas foi mesmo uma surpresa, pelo menos até aqui.
No que tange às ruas e calçadas, a diferença para o Brasil é colossal. Em vinte dias andando – e muito – pela cidade não encontrei sequer UM buraco ou obstáculo aéreo que pudesse representar perigo para uma pessoa com deficiência visual. Tudo que vi até agora uma bengala rastrearia com relativa facilidade (conforme se pode ver em uma das fotos abaixo).
A dificuldade aqui é que as ruas estão dispostas na diagonal em relação às grandes vias da cidade, isso acaba levando a muitas confusões nos cruzamentos e acarreta problemas na hora de encontrar algum itinerário traçado. Pior que isso, é necessário ter uma luneta para achar o nome das ruas, pois essas ficam afixadas a uma distância muito grande e as letras são pequenas.
Todavia, os condutores de carros, caminhões, motos e bicicletas respeitam todos os sinais e guiam sempre com segurança, se um pedestre atravessa a rua, mesmo com o sinal fechado eles param seus veículos (já ouvi reatos contrapondo isso que digo), e quando o sinal fica verde para os pedestres parece aquela brincadeira de “estátua” pois TODOS param na faixa correta.
Excetuando-se o distrito da Ciutat Vella, que é a parte histórica da cidade e por isso as ruas são estreitas e os prédios mais antigos bem inacessíveis, o restante da cidade que conheci até agora é bem diferente.
As calçadas são amplas em sua maioria, o que ajuda no fluxo dos pedestres e na circulação de pessoas com deficiência, já que sendo grande e sem obstáculos perigosos ajudam muito a termos segurança e autonomia. Como eu já disse, não há buracos, relógios de luz, orelhões ou lixeiras que nos façam ter quedas ou colisões.
Não há muito piso tátil, e confesso que isso me decepcionou um pouco – mas só um pouco. Não encontrei nenhum desses pisos pela cidade nos caminhos que fiz. Mas, se pensarmos que poucos são os cegos que circulam pelas ruas, talvez isso seja mesmo considerado desnecessário pelas autoridades daqui. Eu ainda acho que todas as ruas de todos os lugares do mundo deveriam ter pisos táteis bem colocados, mas aqui isso não chega a representar um perigo mais grave.
Encontrei os pisos táteis apenas nas estações de metrô. Lá sim eles estão em todos os lugares, inclusive no banheiro. Mais do que isso, ao contrário do que acontece na maioria dos lugares no Brasil, aqui o piso tátil é colocado corretamente. Um exemplo disso, é que quando se chega perto da escada (rolante ou não) para sair da estação, o piso vai direcionando para o canto direito onde existe um corrimão e o fluxo de movimento é menos perigoso (aqui o lado esquerdo é reservado aos apressadinhos).
O piso tátil aqui é diferente (como pode ser visto em uma foto que tirei do piso no metrô), pois ele não tem relevos como os nossos. Eles são apenas pisos diferentes dos lisos colocados no restante do espaço. Enquanto todo o chão é cinza ele é da cor branca, e o contraste é bom. São todos com umas ranhuras, e quando as ranhuras são na vertical é para andar, e na horizontal é o piso de alerta. Contudo, o problema é que pelo fato de as ranhuras serem pequenas e finas, sentir a diferença dos pisos é um pouco complicado e só mesmo se acostumando para saber como usar, duvido que alguém de botas sinta a diferença.
Por outro lado, quando fui à praia, aproveitar o que resta do verão europeu, notei que as praias aqui são relativamente acessíveis. Em muitos lugares como na praia de Bogatell (conforme pode ser visto na fotografia), os acessos à orla contam com muitas rampas e em alguns lugares se pode encontrar umas plataformas com rampas que permitem aos cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida tomarem seu merecido banho de mar.
O sistema de ônibus é um espetáculo à parte. Para começar, as paradas todas têm bancos e cobertura em caso de chuva ou muito sol, onde se pode encontrar também informações sobre todas as linhas que passam na respectiva parada, seus destinos e horários.
Na maioria dos pontos há painéis eletrônicos que avisam as linhas que passam por ali e quanto tempo falta para que cada coletivo chegue ao local. Mais surpreendente que isso, para quem vive no Brasil, é que os ônibus SEMPRE chegam no horário marcado, tanto é que eu resolvi conferir e desisti, pois nunca houve sequer um atraso (esse sistema também existe no metrô)..   
Outra questão importante é que todos os ônibus contam com letreiros enormes e com cores cujo contraste ajuda muito uma pessoa com baixa visão a identificar tranquilamente a linha que deve pegar. Dentro do “busão” há avisos sonoros para avisar qual a próxima estação e para avisar quando as portas são abertas e quando elas serão fechadas. As mesmas informações podem ser visualizadas em painéis pelos demais passageiros.
Enfim, o resumo que eu faria de tudo que encontrei até aqui é que Barcelona é uma cidade preparada para as pessoas com baixa visão (pelo menos para a maioria delas). Quero dizer com isso, que com exceção das placas indicativas das ruas, todas as demais têm tamanho grande, nos ônibus e no metrô as informações são em fontes ampliadas e com bastante contraste. Como não há piso tátil ou sinais sonoros nos semáforos, creio que os cegos tenham um pouco de dificuldade em circular pelas ruas, no entanto, quem tem baixa visão consegue se locomover com segurança e funcionalidade.
E agora sim para finalizar, uma coisa me agradou muito. O povo catalão é reservado e muita gente os taxa de mal educados. Pode até ser, mas pelo menos eu me livrei de uma coisa que tinha que conviver sempre que eu saia na rua lá no Brasil. Aqui as pessoas não se intrometem na sua vida com perguntas do tipo: “qual seu problema?” “quanto você enxerga? Você só vê vultos?” “não tem um tratamento para te fazer melhorar a visão” ou observações: “tadinho, inteligente, mas cego”.
Aqui eu posso andar sem ser importunado com essas situações um tanto inconvenientes, e das quais não sinto nenhuma falta. Em Barcelona, é cada um na sua, se precisar de ajuda você pede e eles ajudam, sem perguntas intrometidas. Todos me tratam normalmente, sem piedade ou como herói que se supera, e isso me faz muito bem, afinal, não é assim que tem que ser?
Mais do que acessibilidade arquitetônica, parece que as barreiras atitudinais são bem menores do que no Brasil. Seguirei meus estudos e observações, podendo confirmar ou não minhas hipóteses, por isso mesmo, te convido a continuar lendo as postagens que faço aqui sobre minha epopeia bengalante em Barcelona.
Descrição da foto:
A fotografia colorida mostra a praia de Bogatell vista do calçadão em um dia de céu azul e com poucas nuvens. No centro da imagem, uma passarela de madeira se estende do calçadão até o mar sem ondas. Na água, ao longe, alguns barcos a vela. Ao fundo, a silhueta de alguém que anda sobre a passarela rumo às águas azuis do Mediterrâneo. Na areia, a meio caminho entre o calçadão e o mar, poucas pessoas tomam sol. À direita, junto à passarela, dois latões de lixo e, perto deles, um piso sobre o qual estão dois chuveiros.
Descrição: Mimi Aragón





Descrição da foto:

A fotografia colorida retrata o trecho da Gran Via de les Corts Catalanes junto à Plaza de Toros Monumental em um dia claro. À esquerda, o leito da avenida com duas pistas triplas. No centro, um canteiro ladeado por árvores, no meio do qual está uma placa amarela com setas pretas que apontam para a direita. À direita, a fachada de tijolos castanhos em estilo neomudejar da Plaza, com o alto da aberturas em forma de arco decorado com azulejos brancos e azuis. Automóveis estão estacionados ao longo de toda a faixa dupla junto à fachada.
Descrição: Mimi Aragón





Descrição da foto:
A fotografia colorida mostra a plataforma de embarque da estação Monumental, da linha roxa de metrô. À direita, os trilhos percorrem o longo túnel sem qualquer vagão. No centro, no chão cinzento, paralelo à beirada da plataforma, um piso tátil direcional em tom claro. Ao fundo, uma mulher caminha sobre ele. À esquerda, algumas pessoas aguardam sentadas ou em pé. 
Descrição: Mimi Aragón

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