No Brasil, historicamente, temos uma
tendência ao radicalismo monollinguístico, ou seja, dificilmente se aceita
outro idioma que não seja o Português e os demais são tomados como de segunda
categoria, desde os indígenas aos considerados mais da moda e até fundamentais
como o Inglês, por exemplo.
Mas, aqui em Barcelona a coisa é
completamente diferente, para começar, dois idiomas convivem em igualdade de
condições, o Espanhol e o Catalão, ambos oficiais, e não há nada de problemático nisso. Algumas pessoas no Brasil deveriam vir aqui e conferir a
beleza que é a pluralidade linguística de uma nação.
Sabemos que o Brasil se tonou um
país eminentemente monolingue diante das tentativas de Getúlio Vargas e outros
governantes que o sucederam, de promover uma união nacional. Todo aparelho do
estado foi usado para promover essa tentativa de criação da “identidade
brasileira”, desde as cartilhas de alfabetização, passando pela programação da
Rádio Nacional e pela televisão.
Sendo assim, nosso país acabou por
construir uma sólida cultura monolingue em que aceitar outros idiomas é uma
experiência que muita gente precisa
aprender. Isso é exatamente o contrário do que acontece aqui em Barcelona, cuja
cultura é do plurilinguismo.
Barcelona é a capital da Catalunha,
uma província autônoma da Espanha que tenta a muito tempo tornar-se independente
e formar seu próprio país. A luta independentista catalã é antiga e eles fazem
do catalão um potente instrumento de fortalecimento de sua cultura. Durante a
ditadura de Francisco Franco (1935-1975) foi proibido de ser utilizado em
território espanhol, o que ao contrário do que se pensava, tornou a língua
ainda mais importante na resistência catalã.
O Catalão é uma mistura de espanhol,
francês e Português – e na minha opinião quando falado nas ruas mais parece
italiano. Eu estou buscando me matricular
em um curso básico, já que o governo barcelonês disponibiliza uma série desses
cursos para estrangeiros, e o melhor, é grátis. Além disso, o aprendizado de
uma língua se dá mesmo no convívio diário, e isso eu tenho de sobra.
Viver em uma cidade bilíngue é sempre
uma experiência inigualável. O Espanhol e o Catalão estão juntos por todas as
partes, seja nos folhetos informativos da cidade, nas estações de metrô ou nas
embalagens dos alimentos vendidos no supermercado. Além disso, ouvindo as rádios
locais, prestando atenção nas conversar alheias pelas ruas - seja dos idosos,
dos adultos ou das crianças - é possível perceber o valor que os barceloneses
dão ao seu idioma.
Embora valorizem muito sua língua,
eles também não parecem ter problema algum em usar a segunda, no caso o Espanhol,
necessário para conversar com a maioria dos turistas que recheiam a cidade.
Eles tem orgulho de seu idioma, mas nem por isso desvalorizam a língua alheia.
No Brasil, para quem não sabe ou
finge que não sabe, temos também duas línguas oficiais, o Português e a Libras
(Língua Brasileira de Sinais), essa última tomada às vezes como um mero recurso
de acessibilidade. Quem dera algumas pessoas aprendessem alguma coisa com o
exemplo catalão.
Essa experiência linguística é ainda
mais estimulante pois não cessa no Espanhol e no Catalão. Como muita gente sabe,
Barcelona é uma cidade turística, cujo litoral, o centro histórico e a vida
noturna atraem uma legião de visitantes de todas as partes do mundo.
Não sei se por conta disso, mas a
maioria dos habitantes também sabe falar fluentemente em inglês, não foram
raras as vezes em que eu notei isso. Do funcionário da limpeza pública ao
vendedor da Zara, usam a língua anglo-saxa com desenvoltura. E por sinal, o que
tem de gente falando no referido idioma nessa cidade é algo impressionante.
Estive envolvido em um caso
emblematico, em que a venderoda de uma loja de roupas falava em Catalão com a
colega, no instante seguinte conversou comigo em Espanhol e quando terminou de
responder, logo ao lado uma moça falou com ela em Inglês e parecia que estava
falando a mesma língua, tamanha a agilidade na troca de idiomas.
Outro caso interessante, ocoreu no
metrô, quando um italiano tentou falar comigo em inglês, mas como eu não
compreendo, apenas disse – em inglês – que não falava aquele idioma. Então,
perguntei se falava em Espanhol e o sujeito disse que não. Disse a ele que era
brasileiro – em espanhol – e para minha surpresa ele disse: “parla em português
que io entendo”, e assim dei a informação que ele precisava.
Outra coisa que merece ser
mencionada é que além do inglês, do italiano e do Português, já ouvi diálogos
em: alemão, japonês – pelo menos a moça que falava estava com uma camiseta
escrito “Japão” -, francês e árabe. Este último merece um destaque especial.
Como a imigração de africanos para Barcelona
é muito grande, e em sua maioria advindos dos países islâmicos cujo árabe é a língua mais usada, a quantidade de pessoas falando nesse idioma por aqui é
grande. No centro da cidade se pode ouvir alguém falando em árabe, mas o mais
comum é nas regiões de imigrantes como o Raval, bairro onde morei por duas semanas.
Mais do que a língua, a cultura islâmica
aqui é muito forte, e os imigrantes fazem questão de manter viva sua cultura.
Percebi isso, quando uma criança de no máximo 5 anos saia da escola e falava em
Espanhol com seu colega, quando viu a mãe imediatamente começou a falar em
árabe com ela.
Enfim, viver em uma cidade com
tamanha diversidade cultural e linguística é sensacional, algo que eu levarei
comigo para sempre. A todo momento fico pensando no exemplo brasileiro da Libras
que já mencionei aqui. Quanto tempo as pessoas ainda vão levar para entender
que um idioma não aniquila o outro? Pelo contrário, as culturas ficam mais
ricas ainda. Eu espero que não demore muito para que nós brasileiros tenhamos
essa noção e passemos a dar valor as línguas oficiais e não oficiais de nosso
país.
Por fim, devo dizer que não há um
dia em que eu não lembre de minha orientadora Lodenir Karnopp, linguista muito
conhecida no Brasil, e cujo trabalho é em torno da educação biblíngue – no caso
dela, as línguas de sinais. Lembro dela por ser grato à essa oportunidade que
ela me proporcionou, algo sem
precedentes na minha vida.
Mas lembro também, porque aqui em
Barcelona vivemos o cenário pelo qual ela tanto luta no Brasil, pelo
bilinguismo como forma de inserção e consolidação cultural das minorias
línguisticas. Querida Lodenir, essa postagem é em sua homenagem!
Reflexão muito interessante e pertinente! Aproveita bem essas experiências pessoais e que também nos movem enquanto grupos em nosso País! Na luta pelas práticas bilíngues também no Brasil! Abração, Janete
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