sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Bengalando em Barcelona (Babel é aqui!)



No Brasil, historicamente, temos uma tendência ao radicalismo monollinguístico, ou seja, dificilmente se aceita outro idioma que não seja o Português e os demais são tomados como de segunda categoria, desde os indígenas aos considerados mais da moda e até fundamentais como o Inglês, por exemplo.  
Mas, aqui em Barcelona a coisa é completamente diferente, para começar, dois idiomas convivem em igualdade de condições, o Espanhol e o Catalão, ambos oficiais, e não há nada de problemático nisso. Algumas pessoas no Brasil deveriam vir aqui e conferir a beleza que é a pluralidade linguística de uma nação.
Sabemos que o Brasil se tonou um país eminentemente monolingue diante das tentativas de Getúlio Vargas e outros governantes que o sucederam, de promover uma união nacional. Todo aparelho do estado foi usado para promover essa tentativa de criação da “identidade brasileira”, desde as cartilhas de alfabetização, passando pela programação da Rádio Nacional e pela televisão.
Sendo assim, nosso país acabou por construir uma sólida cultura monolingue em que aceitar outros idiomas é uma experiência  que muita gente precisa aprender. Isso é exatamente o contrário do que acontece aqui em Barcelona, cuja cultura é do plurilinguismo.
Barcelona é a capital da Catalunha, uma província autônoma da Espanha que tenta a muito tempo tornar-se independente e formar seu próprio país. A luta independentista catalã é antiga e eles fazem do catalão um potente instrumento de fortalecimento de sua cultura. Durante a ditadura de Francisco Franco (1935-1975) foi proibido de ser utilizado em território espanhol, o que ao contrário do que se pensava, tornou a língua ainda mais importante na resistência catalã.
O Catalão é uma mistura de espanhol, francês e Português – e na minha opinião quando falado nas ruas mais parece italiano. Eu estou buscando me  matricular em um curso básico, já que o governo barcelonês disponibiliza uma série desses cursos para estrangeiros, e o melhor, é grátis. Além disso, o aprendizado de uma língua se dá mesmo no convívio diário, e isso eu tenho de sobra.
Viver em uma cidade bilíngue é sempre uma experiência inigualável. O Espanhol e o Catalão estão juntos por todas as partes, seja nos folhetos informativos da cidade, nas estações de metrô ou nas embalagens dos alimentos vendidos no supermercado. Além disso, ouvindo as rádios locais, prestando atenção nas conversar alheias pelas ruas - seja dos idosos, dos adultos ou das crianças - é possível perceber o valor que os barceloneses dão ao seu idioma.
Embora valorizem muito sua língua, eles também não parecem ter problema algum em usar a segunda, no caso o Espanhol, necessário para conversar com a maioria dos turistas que recheiam a cidade. Eles tem orgulho de seu idioma, mas nem por isso desvalorizam a língua alheia.
No Brasil, para quem não sabe ou finge que não sabe, temos também duas línguas oficiais, o Português e a Libras (Língua Brasileira de Sinais), essa última tomada às vezes como um mero recurso de acessibilidade. Quem dera algumas pessoas aprendessem alguma coisa com o exemplo catalão.
Essa experiência linguística é ainda mais estimulante pois não cessa no Espanhol e no Catalão. Como muita gente sabe, Barcelona é uma cidade turística, cujo litoral, o centro histórico e a vida noturna atraem uma legião de visitantes de todas as partes do mundo.
Não sei se por conta disso, mas a maioria dos habitantes também sabe falar fluentemente em inglês, não foram raras as vezes em que eu notei isso. Do funcionário da limpeza pública ao vendedor da Zara, usam a língua anglo-saxa com desenvoltura. E por sinal, o que tem de gente falando no referido idioma nessa cidade é algo impressionante.
Estive envolvido em um caso emblematico, em que a venderoda de uma loja de roupas falava em Catalão com a colega, no instante seguinte conversou comigo em Espanhol e quando terminou de responder, logo ao lado uma moça falou com ela em Inglês e parecia que estava falando a mesma língua, tamanha a agilidade na troca de idiomas.
Outro caso interessante, ocoreu no metrô, quando um italiano tentou falar comigo em inglês, mas como eu não compreendo, apenas disse – em inglês – que não falava aquele idioma. Então, perguntei se falava em Espanhol e o sujeito disse que não. Disse a ele que era brasileiro – em espanhol – e para minha surpresa ele disse: “parla em português que io entendo”, e assim dei a informação que ele precisava.
Outra coisa que merece ser mencionada é que além do inglês, do italiano e do Português, já ouvi diálogos em: alemão, japonês – pelo menos a moça que falava estava com uma camiseta escrito “Japão” -, francês e árabe. Este último merece um destaque especial.
Como a imigração de africanos para Barcelona é muito grande, e em sua maioria advindos dos países islâmicos cujo árabe é a língua mais usada, a quantidade de pessoas falando nesse idioma por aqui é grande. No centro da cidade se pode ouvir alguém falando em árabe, mas o mais comum é nas regiões de imigrantes como o Raval, bairro onde morei por  duas semanas.
Mais do que a língua, a cultura islâmica aqui é muito forte, e os imigrantes fazem questão de manter viva sua cultura. Percebi isso, quando uma criança de no máximo 5 anos saia da escola e falava em Espanhol com seu colega, quando viu a mãe imediatamente começou a falar em árabe com ela.
Enfim, viver em uma cidade com tamanha diversidade cultural e linguística é sensacional, algo que eu levarei comigo para sempre. A todo momento fico pensando no exemplo brasileiro da Libras que já mencionei aqui. Quanto tempo as pessoas ainda vão levar para entender que um idioma não aniquila o outro? Pelo contrário, as culturas ficam mais ricas ainda. Eu espero que não demore muito para que nós brasileiros tenhamos essa noção e passemos a dar valor as línguas oficiais e não oficiais de nosso país.
Por fim, devo dizer que não há um dia em que eu não lembre de minha orientadora Lodenir Karnopp, linguista muito conhecida no Brasil, e cujo trabalho é em torno da educação biblíngue – no caso dela, as línguas de sinais. Lembro dela por ser grato à essa oportunidade que ela me proporcionou, algo  sem precedentes na minha vida.
Mas lembro também, porque aqui em Barcelona vivemos o cenário pelo qual ela tanto luta no Brasil, pelo bilinguismo como forma de inserção e consolidação cultural das minorias línguisticas. Querida Lodenir, essa postagem é em sua homenagem!

Um comentário:

  1. Reflexão muito interessante e pertinente! Aproveita bem essas experiências pessoais e que também nos movem enquanto grupos em nosso País! Na luta pelas práticas bilíngues também no Brasil! Abração, Janete

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