sexta-feira, 9 de maio de 2014

Redes sociais e as (in)verdades absolutas



Nós últimos dez anos o Brasil – e o mundo – tem vivido a febre das redes sociais. Tudo começou com o “falecido” Orkut, e dai em diante outras tantas foram surgindo. Apesar de todos os benefícios, muitas coisas ruins vieram junto, como a crença de que tudo que está postado representa a verdade inequívoca, o que na maioria das vezes não condiz com os fatos, como no lamentável caso em que uma moça inocente foi linchada e morta brutalmente por ser confundida com uma sequestradora de crianças.

Não é de hoje que me interesso pelos estudos sobre as redes sociais, já que minha dissertação de mestrado foi sobre as narrativas de pessoas com deficiência visual no Orkut. Durante dois anos entrava quase diariamente no site para abastecer minhas pesquisas e para meu uso pessoal, afinal em 2009 e 2010 era um dos mais populares sites de relacionamentos. Lá podíamos encontrar velhos amigos, ampliar contatos profissionais e fazer novas amizades.

Para mim, era mais do que divertimento, era meu trabalho e isso me fazia mais do que participar, refletir e estudar sobre aquele novo fenômeno de interatividade. Naquela época – a nem tanto tempo assim – Era mais comuns que as comunidades criadas fossem mais claras e objetivas quanto a suas ideias, que eram muitas vezes odiar ou amar a algo, mesmo que sem motivo aparente.

De maneira geral, não parecia haver a tentativa de tornar uma postagem uma verdade absoluta dos fatos, já que de algum modo as pessoas ainda não haviam incorporado uma ideia de que vida e rede social era a mesma coisa. O Orkut se foi e surgiram outras redes mais abrangentes em seu lugar, como Facebook e Twitter. Coincidência ou não, enquanto essas redes emergiam, os modos como os brasileiros lidavam com esses sites foram se transformando até chegar ao quadro que temos atualmente.

De ambientes onde se priorizava a interação entre as pessoas e o entretenimento dos usuários, pouco a pouco, já na “Era Facebook” começaram a surgir um número cada vez maior de usuários cujo intuito principal é a exposição de suas ideias e conceitos políticos e sociais, por exemplo. A parte boa disso tudo é que muitos jovens tem reaprendido a articular e a participar de movimentos sociais, vide os protestos de Julho de 2013, que para o bem ou para o mal, mexeram um pouco com a acomodação nacional.

O lado ruim disso tudo, é que a imensa maioria desses “novos militantes” passaram a ter uma ideia um tanto distorcida da realidade. Para essas pessoas basta “curtir” ou “compartilhar” uma postagem de protesto e em um passe de mágica tudo vai se resolver. Mais ainda, acham que criar ou participar de eventos virtuais, disseminar conteúdo e ideias de contrariedade ao sistema vão por si só dar conta de todos os problemas.

Em minha opinião, isso não resolve muita coisa, já que tudo aquilo que se diz em um dia, no outro virou mera poeira cibernética, e ninguém mais se recorda do que aconteceu, em tempos onde o efêmero predomina, o mais difícil não é pôr fogo, é mantê-lo aceso. É tolice achar que você vai mudar o mundo só escrevendo algo sentado em uma cadeira confortável em frente ao computador, é preciso bem mais do que isso. .

Não estou querendo ser o dono da verdade, mesmo porque durante algum tempo eu mesmo tomava essas atitudes. Logo que passei a utilizar o facebook, reivindicava e reclama de tudo aquilo que eu entendia problemático, desde a desigualdade social, até o buraco na calçada da minha rua. Obviamente, o mundo não ficou melhor por conta das minhas reclamações, a única coisa que aconteceu, foi que eu me tornei igual a todo mundo, só criticando tudo e ganhando a fama de resmungão.

Ficar postando conteúdo de protesto e bradando contra o que está errado ou reclamando de qualquer coisa do cotidiano virou moda, e como sempre preferi mais a contracultura e o lado contrário do fluxo, achei que estava na hora de tentar outras alternativas. Não que hoje eu não reclame, mas penso umas mil vezes antes de fazer isso. Não só posto coisas, mas tomo atitudes concretas para viabilizar as coisas nas quais eu acredito. Enfim, eu deixei o conforto de casa e fui a luta.

Por tudo isso, as pessoas acham que as redes sociais são como “realidades paralelas” onde você pode dizer o que quiser, no momento que achar a adequado e sem se importar se irá atingir diretamente os sentimentos ou o patrimônio de alguém.

É cada vez maior a quantidade de xingamentos, de linchamentos morais, de manifestações racistas e preconceituosas, feitas na maioria das vezes por quem sempre teve essa opinião e encontrou no pretenso anonimato das redes um cenário ideal para proliferar suas imbecilidades.

Muitos desaprenderam ou nunca souberam o que é discordar de outra pessoa apenas utilizando argumentos concretos e sem partir para o lado pessoal, discutir ideias e não pessoas, debater conceitos sem atingir a honra de outrem sem que haja provas. Talvez porque mais fácil do que ter ideias qualificadas seja desqualificar o outro.

Contudo, por mais que doa na alma esses tipos de xingamentos e de mentiras ditas a seu respeito, tudo é tão passageiro que em menos de uma semana tudo é esquecido e a ferida cicatriza. O pior é quando tudo isso transborda o terreno virtual e apunhala em cheio a integridade física de alguém, como já ocorreu tantas vezes.

Como disse antes, algumas pessoas leem um notícia na internet e a disseminam nas redes sociais como se fosse a maior de todas as verdades. Nisso, outra pessoa que te segue compartilha de sua ideia e reproduz o conteúdo e assim a coisa se espalha com uma rapidez incontrolável.

Muitos sabem que a informação não é verídica, mas como querem se tornar populares por motivos comerciais ou de vaidade mesmo, postam sem se importar com as consequências que um ato impensado pode ter na vida daquele que está em questão.  Afinal, a popularidade nas redes sociais é um fator tão almejado que muitas vezes supera qualquer limite ou princípios de valores éticos que uma pessoa possa ter – ou não.

Você se torna mais popular quando xinga alguém ou algo, quando compartilha conteúdo onde a violência está explicita seja a favor ou contra, do que quando escreve um texto literário ou compartilha um poema ou evento cultural, por exemplo. Sendo claro, muitas pessoas querem mesmo é ver sangue, e o pior, é que cada vez mais elas conseguem.

Embora esse não seja um fenômeno exclusivamente das redes sociais, a ideia de fazer justiça com as próprias mãos encontrou nelas o terreno ideal para se proliferar descontroladamente. Cada vez é maior a quantidade de denúncias e da criminalização de pessoas através desses meios. Muitos têm consequências menos graves, mas é assustador o aumento daqueles que acabam consumando as ameaças.

Ano passado, aconteceu um fato que me deixou perplexo e reflexivo por um longo tempo. Uma página do Facebook apresentou o retrato falado de uma  mulher que estaria sequestrando crianças. Quase instantaneamente alguém “identificou” de quem se tratava, e logo espalhou a notícia sobre quem seria a criminosa.

Um grupo se juntou, e como um conselho de sentença arbitrário, julgou e condenou sumariamente a moça. Entraram em sua casa e as agressões começaram de modo abrupto e intenso, sem que ela tivesse a mínima chance de dizer sequer uma palavra ou saber porque estava apanhando. Foi arrancada da residência e arrastada pelas ruas enquanto a violência brutal continuava sob aplausos e com o aumento de agressores. Depois de tanto cansarem de bater e vendo que a mulher parecia morta, ainda a jogaram em um córrego.

Se é verdade que eu reclamava de tudo pelo Facebook, uma atenuante tenho, jamais fui atrás de notícias perigosas como essa, jamais achincalhei alguém sem ter provas, e nunca estimulei a violência de qualquer tipo. Também era a favor da pena de morte, desde que antes da execução houvesse um julgamento justo, com direito a defesa e com a necessidade de provas cabais.

Como falar em justiça em um país com o judiciário que temos? Como confiar em justiça com uma sociedade doente que temos? Não, acho que ainda não podemos fazer isso, embora eu ainda ache que uma pessoa que comete crime hediondo deve ser isolada para sempre do convívio social.

Mas o que essas pessoas fizeram foi de tamanha estupidez, que sequer deixaram a vítima se defender, sequer perguntaram ou tentaram ver se a informação era correta, e antes disso já saíram batendo. Eu confesso ter ficado triste, perplexo e refletindo: E se fosse a minha mãe? A que ponto chegou a nossa sociedade? Onde vamos chegar com tudo isso? O que me angustia é não ter respostas para nenhuma das perguntas.

Seja como for, a vida dessa pessoa e de outras que se foram por conta da exposição e das mentiras contadas nas redes sociais. É preciso que alguém seja responsabilizado quando posta uma informação desse tipo, mas em minha opinião, quem “curte” e/ou “compartilha” deveria ser responsabilizado na mesma medida, por ter aceitado e disseminado passivamente informações que podem atentar contra a moral e a integridade física de outrem.

Não é mais aceitável que as redes sociais sejam usadas como espaços em que tudo é possível, principalmente, quanto a divulgação de informações e ideias que afrontem os Direitos Humanos, e isso não é censura, mas respeito ao outro. Enfim, algo precisa ser feito e eu comecei fazendo a minha parte, repensando a minha vida e os meus conceitos, sugiro ao leitor fazer o mesmo, pois um dia, de estilingue você pode passar a ser a vidraça.

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