sábado, 22 de fevereiro de 2014

Bengalando em Barcelona - Meu primeiro dia de aula

Uma das atividades previstas para meu doutorado sanduíche seria cursar uma disciplina sobre acessibilidade e/ou audiodescrição. tanto quanto possível, já que isso dependeria da disponibilidade de existir alguma aberta durante o tempo em que eu estivesse em Barcelona.
Diferente de muitos cursos brasileiros, a Pós-Graduação em Tradução da Universitat Autonoma de Barcelona (UAB), disponibiliza diversas disciplinas pelas quais os alunos podem optar fazer em sua trajetória no mestrado e doutorado, sendo uma delas a de Audiodescripción en lá média (Audiodescrição nos meios de comunicação, livremente traduzindo).
Para minha sorte, essa disciplina mencionada seria ministrada entre os dias 21/02 à 30/05 de 2014, e logicamente me inscrevi. Ainda que eu esteja na modalidade de ouvinte, já seria um grande privilégio para mim participar desses momentos de aprendizagem.
Isso seria muito importante para verificar como estudantes de tradução lidam com a aprendizagem da AD, como acontece o processo de ensino de audiodescrição na Espanha, cujo foco sendo na Tradução é um pouco diferente do modo como fazemos no Brasil. Em minha opinião, as coisas aqui são encaradas de modo mais “técnico”, já que a preocupação principal reside no ensino dos procedimentos e das práticas, e menos sobre os contextos e da relação com o público, como muitos de nós fazemos no Brasil.
Em outra oportunidade realizarei esse debate sobre as diferenças do ensino e das concepções de AD no Brasil e na Catalunha. Mas, como o foco aqui é meu primeiro dia de aula, continuo nessa trilha referindo também que dias antes do inicio das aulas, tive um encontro com Nazaret Fresno. a professora da disciplina, pois gostaria de saber como ela ministrava as aulas, em que eu poderia ajudar e como seria o curso de um modo mais global.
Depois de uma animada e esclarecedora conversa acordamos que eu faria o trabalho de revisor dos roteiros e das práticas dos alunos durante o curso, trabalhando com todos eles em grupo e até individualmente. Isso é para mim um desafio e tanto, já que revisarei roteiros feitos em um idioma que não é o meu nativo, com estilos um pouco diferentes dos que fazemos no Brasil. Um estimulo e tanto para alguém que ama desafios e novas aprendizagens, como é o meu caso.
Sabedor de que essas vivências seriam fundamentais para incrementar meus conhecimentos sobre o ensino de AD e algo que poderei passar para muitas pessoas quando voltar, desde que fui aceito no curso contava os dias para que as aulas começassem, e ontem foi o grande dia.
Em primeiro lugar, a estrutura que os alunos possuem é sensacional. Os prédios são limpos, funcionais e o que eu estudo tem até piso tátil, rampas e sinalização adequada para pessoas com deficiência. Mais do que isso, todas as salas contam com ar-condicionado, aparelhos multimídia que funcionam, mesas e cadeiras confortáveis e, cada aluno tem em sua frente um computador rápido e que opera normalmente. Só as condições de estudo já são bem superiores, o que facilita muito tanto para quem ensina quanto para quem aprende, seja qual for o campo de conhecimento.
No primeiro dia, aconteceu como em quase todas as aulas iniciais, os alunos se apresentam, a docente faz o mesmo e fala um pouco sobre o curso e suas diretrizes. Nazaret também comentou um pouco sobre o conceito de audiodescrição, os países onde mais estão desenvolvidos – e para minha alegria o Brasil estava no top 5. Muitos colegas ainda não tinham conhecido AD, e se mostraram com muita vontade de aprender, o que gerou uma conversa bem legal até o final da aula.
Claro, foi apenas o primeiro dia de aula e muita coisa ainda vai acontecer, pouco posso avaliar sobre questões mais específicas, mas ficou evidente que tenho muito a aprender e a passar aos colegas, que será uma experiência muito rica e que vai tornar meus conhecimentos ainda mais embasados e qualificados.
Outro fato pode ser considerado secundário, mas nem tanto. Quando cheguei para a aula fui recebido pela professora e pela coordenadora do curso de Pós-Graduação em Tradução. Carmem deu as boas-vindas por ser um estudante estrangeiro e também por ser eu a primeira pessoa com deficiência visual a fazer uma disciplina naquele programa de Pós-Graduação, e logicamente, também o primeiro a cursar a disciplina de Audiodescrição.
Não sou muito apegado ao fato de ter sido eu o sujeito a inaugurar esse novo posto alcançado, mas sim, que alguém com deficiência visual tenha chegado até lá. Eu e outros tantos ativistas e militantes na causa das pessoas com deficiência temos lutado com afinco para conquistar o maior número de espaços possível, para estar em todos os lugares, principalmente os considerados de excelência.
Isso significa que eu e outros tantos temos rompido muitas barreiras, como a Mariana na TV, o Rafael Giguer no Ministério do Trabalho e outros tantos amigos que tem feito a diferença e mostrado que nós com deficiência visual temos qualidade e potencial quando nos são dadas as condições de acesso.
Essa disciplina representa para mim um incremento de conhecimento como docente, audiodescritor e pesquisador na área da acessibilidade, mas principalmente, é a demonstração que cada dia mais conquistamos espaços rumo a uma sociedade mais inclusiva e que compartilhe com a diferença.

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