quarta-feira, 13 de março de 2013

Audiodescritor em Foco - Entrevista com Josélia Neves


Josélia Neves é licenciada em Línguas e Literaturas modernas (português-inglês) pela Universidade do Porto; tem um mestrado em Estudos Ingleses pela Universidade de Aveiro; doutora em Estudos de Tradução, pela Universidade de Surrey Roehampton, em Londres.
É professora convidada na Universidade de Coimbra, nos Cursos de Mestrado e de Doutorado em Estudos de Tradução. Atua tanbém em cursos de Mestrado e de Doutorado em várias universidades estrangeiras.
Desde 2000, desenvolve projetos na área da comunicação acessível. Assumindo as soluções para públicos de pessoas com deficiência e surdos numa perspectiva inclusiva.
Publicou dois guias práticos para a criação de materiais acessíveis: Vozes que se Vêem: guia de legendagem para surdos e  Imagens que se ouvem: guia de Audiodescrição 



1 - Como você se tornou audiodescritor? Que importância a audiodescrição tem na sua vida?
Josélia - Conheci a audiodescrição (AD) numa conferência em Londres em 2004. Nesse mesmo ano fiz o primeiro de 6 cursos sobre Audiodescrição, todos com profissionais diferentes em diferentes países do mundo. Em Portugal, a AD era novidade, então propus-me trazê-la para o país. Simultanemante apareciam na televisão por cabo em Portugal e na Rádio Telvisão Portuguesa (RTP) os primeiros ensaios em território português pela mão de profissionais do teatro e guionismo convencional. Passei então a trabalhar com AD em DVD, espetáculos ao vivo e museus.
Hoje a AD faz parte da minha vida enquanto professora de tradução audiovisual, enquanto investigadora em comunicação inclusiva e enquanto cidadã empenhada em criar condições de acesso para pessoas com deficiência sensorial.
 
2 – Na sua opinião, o que a AD representa para seus usuários? O que pode provocar na vida dessas pessoas?
Josélia - A AD é absolutamente fundamental para quem é cego; é muito útil para quem tem baixa visão; e é estimulante para quem vê. Em suma, interessa a todos. O grau de importância varia consoante as vivências de cada um, pois mesmo para fruir de AD é preciso aprender a “ouvir”.
 
3 – Quais as maiores dificuldades e quais as maiores alegrias em ser audiodescritor?
Josélia - Em Portugal a maior dificuldade está na pouca oferta, ou pouca requisição de serviços. Seria bom poder trabalhar mais na área.
As maiores alegrias: sempre que vejo pessoas a fruir do meu trabalho, a alegria é imensa. Fico particularmente feliz quando são os jovens a “ver” através das minhas palavras. Aí, dou graças ao universo por fazer parte deste mundo admirável em que se consegue ver através das palavras ditas.
 
4 - Você concorda com a ideia de que a AD, mais do que informar, deve proporcionar que o usuário usufrua e sinta as sensações do que é descrito?Você acredita que a audiodescrição além de um recurso de acessibilidade seja também uma produção cultural?
Josélia - Sou totalmente a favor da audiodescrição expressiva. Aliás, procuro sempre adequar a minha AD ao estilo do original… se o produto é informativo, procuro criar uma AD meramente informativa, mas é na AD expressiva que eu me revejo, na partilha do ato criativo com o autor da obra original, proporcionando à pessoa cega um momento de deleite estético se é esse o objetivo do original. Isto é particularmente verdade na descrição de obras de arte – sejam elas pintura, fotografia, teatro, bailado, ou filmes de autor.
 
5 – O mundo está cada vez mais visual, e se levarmos em conta que a visualidade é a matéria-prima da audiodescrição, ainda há muito a ser explorado nesse campo. Junto a isso, temos a ampliação e difusão dos produtos e políticas culturais para acessibilidade por parte dos governos e da sociedade civil. Diante desse cenário, quais desafios você acha que devem ser enfrentados para expandir a audiodescrição, tanto em quantidade como em qualidade?
Josélia - A fim de melhorar a oferta há que trabalhar em vários domínios:
1)    Na formação dos audiodescritores. Para ser audiodescritor não basta ter jeito. Há que adquirir conhecimentos sobre composição fílima, a semiótica da imagem estática e em movimento; há que desenvolver competências de escrita criativa; há que trabalhar noções musicais e de ritmo; e no caso da AD ao vivo há que trabalhar a colocação de voz, o ritmo, cadência e dicção. Para além desta formação técnica o audiodescritor tem de compreender a psicofisiologia da cegueira e da baixa visão para poder servir efetivamente este grupo de pessoas.
2)    Há também necessidade de sensibilizar os promotores/a oferta. Os promotores de ações culturais ainda não estão sensibilizados para a oferta sistemática e generalizada deste serviço em todas as esferas da vida quotidiana, e particularmente em contexto educacional e cultural.
3)    Finalmente, há que educação a população em geral, e as pessoas cegas ou com baixa visão em particular. Há muitas pessoas que ainda desconhecem a existência da AD e tantas outras que têm dificuldade em acompanhar o serviço. Como em tudo é preciso conhecer para fruir e para exigir mais quantidade e melhor qualidade. Para conhecer é preciso usar.
 
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Entrevista: Felipe Leão Mianes
 

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