domingo, 3 de fevereiro de 2013

A união faz a força das diferenças

Ontem estava caminhando pelo bairro Cidade Baixa, aqui em porto Alegre, e comecei a me dar conta de algo que é realmente importante, uma tentativa de unificação e aglutinação dos grupos considerados minoritários para diluir preconceitos e valorizar a diferença. Essa é uma postura que poderia ser muito frutífera, embora ainda seja pouco ventilada.
Enquanto circulava pela rua Lima e Silva, lembrei que no longínquo século XIX o bairro Cidade Baixa foi um importante quilombo e reduto de negros alforriados. Muito da tradição carnavalesca, e de algumas características da região da cidade tem a ver com a herança que esse grupo nos deixou e que ainda está latente.
Atualmente, o bairro é composto por residências de famílias de classe média que convivem – não muito bem – com a intensa e divertida vida noturna. São dezenas de bares com as mais diferentes opções gastronômicas, musicais e de grupos sociais. Adolescentes e jovens porto-alegrenses - dentre os quais eu mesmo - gostam muito daquela atmosfera de alegria e boa música. É claro que existem os problemas inerentes como a violência e sujeitos que não sabem viver em sociedade, independentemente de quais grupos pertençam.
A Cidade Baixa também é conhecida por ter entre seus principais frequentadores, o público homossexual. Realmente desconheço as razões que fizeram com que esses grupos se reunissem naquele local, e embora incomode a muita gente, acho ótimo que essas pessoas se façam presentes nos diferentes espaços da cidade. Afinal, é preciso marcar posição, ser visto e enfrentar a resistência da sociedade. Isso é algo que todos aqueles que pertencem a uma minoria tem de lidar.
Em um determinado momento do trajeto que eu percorria fui resgatado de minhas reflexões por uma imagem que me chamou muito a atenção. Vi e ouvi – pelo barulho da bengala – que uma moça cega acompanhada de outra mulher também circulava com desenvoltura pelas ruas do bairro. Durante umas duas quadras fomos na mesma direção e pude observá-la e fiquei feliz de não ser eu o único com deficiência visual a curtir a região.
O mais interessante de tudo, foi perceber que a moça cega e sua companhia, em determinado momento trocaram um afetuoso beijo na boca e algumas palavras de carinho, as duas são namoradas – sim, eu ouvi a conversa delas para saber isso. O que me deixou feliz foi o fato de ter me dado conta de que a uns anos atrás uma pessoa com deficiência sequer pensava em sair na rua. Mais ainda, dificilmente é possível ver com frequência pessoas com deficiência que se declarem gays (assistam ao curta Eu Não Quero Voltar Sozinho), afinal devo reconhecer que o preconceito seria infinitamente mais forte.
Mesmo assim, aquelas mulheres que não tinham mais do que 30 anos seguiam suas vidas com felicidade, sem se interessar com olhares oblíquos que em algum momento recebem. Se para um colunista gaúcho pessoas cegas não podem ser felizes, aquela jovem contraria essa besteira. Não me importa quem ela seja ou o que ela faça, o fato é que ao ver aquela cena fiquei pensando: como seriamos fortes se as minorias se unissem ao invés de lutarem sozinhas.
O exemplo do bairro Cidade Baixa que reúne entre seus frequentadores de ontem e hoje, negros, gays, pessoas com deficiência e outros tantos grupos minoritários me faz perceber que existem diversos temas em que os grupos dos “diferentes” poderiam se aglutinar e debater em bloco, como a questão do preconceito, da justiça social e de formas salutares para modificarmos o status quo da sociedade, eliminando as discriminações e construindo no lugar uma sociedade que exalte o direito de ser diferente.
Por isso mesmo, creio que respeitando as peculiaridades de cada grupo, podemos sim pensar em uma coesão que nos possibilite dialogar em torno de uma agenda positiva na luta que travamos contra os destratos daqueles que se consideram como maioria e desprezam os “diferentes”. Não estou nem me referindo à militância ou aos movimentos sociais especificamente, mas a ações individuais, como ativistas que podemos ser em nome do direito de ser como somos.
Não sou negro ou gay, mas como vivo na condição da deficiência, partilho diversas sensações semelhantes a que essas pessoas sentem, como se sentir deslocado na maioria das vezes, como viver de alguma forma tendo que conviver com olhares e comentários desnecessários, além de uma série de preconceitos e estigmas que não condizem nem um pouco com a verdade absoluta.
É muito importante que possamos nos colocar no lugar do outro, dessa forma poderemos tomar aquilo que achamos ser injustiça contra alguém como sendo uma luta que também é nossa. Assim, poderemos deixar de lado eventuais divergências em nome de um bem maior que é o nosso direito a ser singular, a ser diferente, sem que aqueles que se outorgam como maioria tenham que determinar o que somos ou o que devemos fazer. Não é um brado contra a maioria, embora eu sempre me pergunte: quem é a maioria? É sim, uma sugestão para que nós possamos debater algumas possibilidades de unirmos nossas reivindicações.
Enfim, como cada pessoa possui em si peças de pessoas, como diria o cancioneiro, não deveríamos nos importar tanto em nos definirmos como uma coisa só, assim como há negros com deficiência, negros gays, gays com deficiência ou outras tantas combinações possíveis. Até mesmo dentro desses três grupos que citei aqui existem outras tantas divisões que muitas vezes prejudicam os processos de consolidação de seus direitos. Contudo, o que para mim ficou evidente ao ver aquele casal na rua é que sim, nós podemos deixar de lado as picuinhas e ao invés de dividir, nos unirmos e somarmos forças em nome do bem maior que é o direito de poder ser quem se é, pelo direito de ser diferente sem que isso seja considerado ruim, ou ainda, pelo direito de sermos nós mesmos....

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