quarta-feira, 12 de agosto de 2015

Eu não sou (só) um guerreiro



Seguidamente tenho visto muitas pessoas com deficiência se destacando em seus campos de estudo e/ou de trabalho. Isso é bom por demonstrar que estamos alcançando patamares que eram muito difíceis até poucas décadas atrás. Um fator que também explica esse aumento da circulação dessas histórias de vida são as redes sociais e a divulgação que a mesma pode fomentar.
No entanto, tenho percebido que nos comentários sobre esses casos de “sucesso”, há algo que tem me incomodado de uma maneira cada vez maior. Sem duvidar das boas intenções das pessoas que fazem certos comentários, incomoda ler a frase “você é um guerreiro”. Sei que há alguns amigos que compartilham dessa mesma insatisfação, já que essa frase e seus derivados trazem consigo uma série de estigmas e de inferiorizações que na maioria dos casos, quem diz nem percebe.
Com a emergência dos “casos de sucesso” de pessoas com deficiência tem se tornado comum o “discurso da superação”, onde qualquer coisa que façamos é porque superamos todas as nossas dificuldades para alcançarmos nossos objetivos. É preciso deixar claro que só supera-se aquele de quem se tem baixíssimas expectativas. Como sempre digo, nunca usarei o “discurso da superação”, pois sempre espero o máximo das pessoas, sejam quem elas forem, dentro das circunstancias em que vivem.
É evidente que temos muitas limitações, que a sociedade nos impõe dificuldades para atingirmos nossos desejos pessoais e profissionais. As dificuldades que temos são sim maiores que a dos demais, e isso não se pode negar. Ressalvando, contudo, que isso é culpa da sociedade em que vivemos, por ainda ser resistente a aplicar medidas que tornem a sociedade mais acessível.
Todavia, essas limitações que nos são impostas não são suficientes para me fazer aceitar o discurso de que somos vencedores apenas por termos perseverança. Vencer ou não as dificuldades que a vida nos impõe, não é uma questão de vontade, mas de circunstâncias e de oportunidades que recebemos. Se fosse assim, a maioria das pessoas com deficiência poderiam ser consideradas derrotadas e indolentes, oque não é o caso.
É muito desonesto, citar o caso de meia dúzia de pessoas com deficiência que são bem sucedidas, e usá-las para legitimar as atuais políticas de inclusão. Sabemos que essa não é a realidade da maioria das pessoas desse grupo, que ainda sofrem com a falta de acessibilidade e de estrutura para atingirem o patamar que seu potencial lhes permitiria alcançar.
Dizer que eu sou um “guerreiro” por ter tido determinada conquista é afirmar que os que vivem na mesma condição que eu não o são. Afinal, seguindo essa linha de raciocínio, basta desejar que podemos fazer acontecer, não sendo necessárias as condições adequadas para o desenvolvimento desses sujeitos. Pensar assim, além de equivocado, é injusto com tantas e tantas pessoas que tem potencial, mas carecem de meios para demonstrar isso. Essa é a lógica cruel da “meritocracia”, ver apenas o resultado e desconsiderar o resto, que é o mais importante.
Por outro lado, ser perseverante é uma característica que possuo, mas nem todas as pessoas são assim, e isso deve ser respeitado. Isso está no âmbito de minha personalidade – e de muitas outras pessoas – e não dos atributos fundamentais que todas as pessoas devem ter, pois se muita gente ainda não se deu conta, uma pessoa é diferente da outra.
Mais que isso, também me causa muita insatisfação quando me chamam de “guerreiro” pelo fato de que se conquistei algo é, sobretudo, pelas qualidades que tenho e por ter aproveitado as oportunidades que me foram proporcionadas. Tudo que tenho conseguido é fruto do que construí, dos conhecimentos que adquiri, do auxilio das pessoas que me cercam e outras situações, onde a perseverança é secundária.
É sempre muito incomodo viver em um mundo onde se tenho “fracassos” são atenuados e relevados por causa da deficiência, e se tenho “sucesso” isso ocorre apesar da deficiência. Dificilmente a maioria das pessoas avalia meu trabalho e minhas atitudes tomando como base quem eu sou, com todas as circunstâncias que me cercam. A deficiência será sempre protagonista e maior responsável por tudo que me acontece, quando isso não é verdade.
Isso significa estar toda a vida encarcerado pelos estigmas e pelos estereótipos da inferiorização. Não sou guerreiro, sou alguém com qualidades e defeitos, que busca melhorar a cada dia, e que acima de tudo ama o que faz e a vida que leva. Somos muito mais do que só lutadores. A deficiência é parte da gente, e não o contrário. Temos qualidades, e é por elas que sempre desejaremos ser conhecidos e avaliados.  

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