terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Eu não gosto de ir ao teatro



Teatro é uma arte antiga e repleta de elementos históricos e muito interessantes. Certamente que nossa sociedade evoluiu muito com o incremento reflexivo e contestador que as obras teatrais sempre apresentaram. Atualmente, dizer que se gosta de todas as formas de arte é cult, mesmo que talvez seja mentira. Como eu não sou adepto do politicamente correto e nem tenho paciência para essas convenções sociais, digo claramente: EU NÃO GOSTO DE IR AO TEATRO!
Essa minha falta de apreço pelo teatro tem um motivo muito claro, e provavelmente eu seja o menos culpado. Desde criança, fui algumas vezes assistir a peças teatrais, e enquanto eram com temáticas infantis eu entendia bem, mas à medida que o tempo foi passando e eu fui enxergando menos, ao mesmo tempo em que os espetáculos ficavam mais complexos, a dificuldade se tornou impossibilidade.
De certa forma,  desconheço o motivo que cativa as pessoas a gostarem de teatro, pois eu tinha que me esforçar muito para entender um pouco que fosse di que se passava. Cansei de tentar e larguei de mão o teatro, assim fui preferindo outros tipos de entretenimento, como TV, música e outros.
Isso aconteceu porque eu não compreendia quase nada do que  ocorria no palco, e comecei a achar que nunca iria conseguir sentir de verdade as emoções transmitida. De que me adiantava ir, pagar muito caro e não ter a chance de fruir como todo mundo por não ter acessibilidade? Assim, fui cada vez gostando menos do teatro, e seguirá até que me apresentem condições adequadas de participação, ou talvez nem isso, pois já terei perdido a pequena pontinha de apreço que ainda resta.
Sabemos que historicamente a acessibilidade nunca foi prioridade, embora tenha evoluído bastante. Também é fato que esse descaso não se restringe ao teatro. Na maioria dos casos, mais do que ignorância, os produtores de teatro viram-se de costas para o público com deficiência, crendo que a acessibilidade é um gasto e não um investimento e um grande e potencial público consumidor.  
Há várias questões que permeiam a falta de acessibilidade nos teatros e peças teatrais. Em primeiro lugar, não conheço uma casa de espetáculos com acessibilidade plena no Rio Grande do Sul. Todas as que dizem possuir acessibilidade, o fazem de maneira improvisada ou incompleta. Não há pisos táteis, sinalização bem feita, elevadores, rampas e outros recursos adequados em todos os ambientes, menos ainda quando se adentra à plateia.
Se eu nem consigo chegar com autonomia e segurança até minha poltrona, como posso gostar de ir a um lugar desses? Não há interesse em pensar sobre isso por parte dos administradores, que tem a desculpa na ponta da língua: “não há público suficiente para valer a pena uma reforma”. Essas pessoas se esquecem que há uma lei sobre acessibilidade arquitetônica e que lei não se relativiza, se cumpre.
No que diz respeito à produção e execução das peças de teatro as coisas não ficam menos difíceis. Parece não haver nem um pouco de boa vontade dos produtores em pensar seus produtos com audiodescrição, pois isso é entendido como um “gasto desnecessário”, e mais uma imposição do governo.
Tenho vários exemplos disso, um deles: foi aprovada no Conselho Estadual de Cultura uma resolução para promover acessibilidade nos produtos que tiverem financiamento público pelas leis de incentivo à cultura, mas por certas pressões, ainda não foi publicada no Diário Oficial do estado do Rio Grande do Sul. Soube até que alguns produtores culturais disseram que tal resolução inviabilizaria a cultura no RS, revoltando-se contra o direito à acessibilidade.
A cidade de Porto Alegre tem um grande festival de teatro que conta com financiamento basicamente por renúncia fiscal – logo, feito com dinheiro público -, e que não conta sequer com uma peça de teatro com audiodescrição. Embora eu enquanto contribuinte esteja financiando o projeto, e mesmo assim não posso ter acesso ao que eu ajudei a pagar, dado que seus realizadores entendem que audiodescrição é supérfluo.
Os produtores teatrais tem uma opção caso não desejem “gastar” com acessibilidade, que o façam sem financiamento publico e assim poderão dispor de suas obras como quiserem, caso contrario, que respeitem e contemplem aqueles que financiam seu trabalho. Preferiria que todos os produtores fizessem acessibilidade em suas peças por consciência e respeito ao publico, mas já que isso não é possível, que seja pelos rigores da lei.
O que sinto quando penso em ir ao teatro é que eu não sou bem-vindo, que estarei em um lugar onde quase todo mundo vai entender tudo e eu com muito esforço irei captar apenas uma pequena parte. Sei que se não houver audiodescrição eu ficarei me sentindo deslocado e provavelmente irei me chatear por ter menos acesso do que todo mundo, ainda que tenha os mesmos direitos. É uma pena que o meio cultural ainda veja a audiodescrição como uma “caridade” ou como “obrigatoriedade para financiamento governamental”.
Se fossem um pouco mais perspicazes, os produtores teatrais notariam que prover AD em seus trabalhos é mais do que um beneficio, e sim, uma possibilidade de ampliação de mercado consumidor. Não há mal algum em pensar desse modo, pois è isso que eu sou, um consumidor, e gosto de ser bem tratado e ter minhas necessidades contempladas. Aposto que teríamos bem mais pessoas nas salas de espetáculos do que temos atualmente.
Caso as peças de teatro tivessem audiodescrição, eu poderia começar a sentir todo o apreço que muita gente sente, e quiçá começasse a gostar dessa arte que para mim não tem a menor graça até o momento. Não enxergo os gestos, expressões faciais, figurinos, cenários e todos os outros estímulos visuais que essa arte proporciona, como gostar daquilo que não entendo?
Em São Paulo e no Rio de Janeiro, há ofertas de peças de teatro com audiodescrição quase todos os finais de semana, e será que precisarei me mudar para lá para gostar de ir ao teatro? Ou quem sabe poderíamos importar a consciência inclusiva que lá existe? Fico com a segunda opção, já que seria muito interessante se nossos produtores culturais deixassem de ser provincianos e pensassem na audiodescrição como um investimento e não como um gasto desnecessário.
 Se isso fosse feito, talvez eu não passasse a gostar de ir ao teatro, mas a “nova geração” de cegos e pessoas com baixa visão se acostumassem a frequentar teatros e passasse a existir ver um público consolidado que desfrutasse do prazer de assistir a uma boa peça.
Enfim, sinto-me livre para fazer esse sincero desabafo – embora tivesse bem mais a dizer sobre esse tema. Nunca fui uma pessoa intransigente, e se me provarem que eu estou errado ou proverem acessibilidade nos teatros, quem sabe eu venha a mudar de ideia. No momento, sigo com a opinião de que o teatro é uma forma de arte que pouco me acrescenta e que não tenho a menor vontade de dedicar meu tempo a assistir a um espetáculo desse tipo, seja ele qual for. A vida é uma recíproca, e o teatro – ao menos o do RS –, de modo geral, ainda não me ofereceu quase nada além de indiferença.

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