quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Quanto tempo ainda terei que esperar?

            Muita gente ainda acha que reivindicar acessibilidade é ser “chato” e reclamar demais das coisas. Quando eu estou quase me convencendo de que meu negócio deve ser mesmo a resignação, diversos fatos me fazem tomar o caminho de outrora. Se você acha que eu pareço muito amargo, dentre tantas coisas, lembre-se da expressão popular: “quanto mais amargo o remédio, mais rápida é a cura”.
            Dois fatos me chamam a atenção quando faço alguns debates sobre os direitos das pessoas com deficiência. A primeira, é que as pessoas ainda acham que só é preciso ter acessibilidade em locais ou situações onde haja pessoas com deficiência, elas esquecem que a acessibilidade deve ser UNIVERSAL conforme as convenções da ONU.
            Em segundo lugar, a afirmação: “tudo é um processo e um dia muda” parece ser desconhecimento sobre as dificuldades infindáveis que uma pessoa com deficiência passa cotidianamente. Claro, as pessoas dizem isso porque nunca bateram com a cabeça em um telefone público, nunca tiveram que ser carregadas no colo por falta de rampas ou algo do tipo, e ai sim fica bem fácil pedir para que a gente espere só mais... um século quem sabe?
            Quando vou a cinemas, teatros, restaurantes, universidades ou outros locais e pergunto por que não há rampas, pisos táteis, material com fontes ampliadas ou audiodescrição, a resposta que mais me deixa nervoso é: “mas nunca uma pessoa com deficiência esteve aqui”. Isso significa que primeiro é preciso aparecer o “problema” para depois se pensar na resolução? Não faltam exemplos de que esse tipo de comportamento pode causar verdadeiras tragédias
            Quando ouço isso me sinto sitiado dentro de minha própria cidade ou local de trabalho, pois as pessoas acham que se eu tenho uma deficiência tenho que frequentar sempre os mesmos lugares, usar sempre o mesmo lado da rua, usar sempre a mesma linha de ônibus. Oras, se formos por essa lógica, fechem as bibliotecas já que quase ninguém as frequenta, afinal, isso seria mais fácil de fazer do que refletir sobre o incentivo a leitura.
            Quando alguém diz: “nunca pensei nisso antes” me sinto como se eu fosse menos importante que a poeira que se acumula nos lugares, pois de varrer o chão ninguém esquece. Sim, muitas vezes nos sentimos escanteados, desprezados e ignorados por uma parcela considerável da sociedade. Além disso, nos sentimos quase em liberdade condicional, pois não podemos ir a todos os lugares, desfrutar das mesmas sensações que todos.
            E, não se enganem, isso não é uma consequência da deficiência, mas sim, da incapacidade que a sociedade tem de contemplar as especificidades de pessoas consideradas diferentes. Ou seja, o problema não são os olhos que não enxergam, mas a cabeça que não pensou em colocar um piso tátil ou disponibilizar audiodescrição.
            Outro argumento “brilhante” é o de que há pouca demanda e por isso o “custo não compensa” Eu retruco essa afirmação perguntando, para você, qual o preço de sua autonomia? Quanto vale uma emoção? Quanto vale uma vida? O que essas perguntas têm a ver com as afirmações anteriores? TUDO! Afinal, usar o argumento financeiro para não dispor de acessibilidade é o mais poeirio – embora para muitos pareça consistente – que eu conheço.
            Tratando-se de instituições públicas, posso dizer que como pessoa com deficiência pago todos os meus impostos em dia, todas as contribuições com o erário estão de acordo com a legislação. Mas, e o serviço público, está de acordo com minhas necessidades? Não. Nesses casos o dito popular se altera e eu “pago para me incomodar”, já que financio o Estado, mas, na hora de ter o retorno encontro ruas inacessíveis, prédios públicos, hospitais, parques e universidades em péssimas condições de acessibilidade.
            Porque uma instituição paga uma grana polpuda para um convidado considerado “famoso” e choraminga dizendo que fazer acessibilidade é caro? Qual a prioridade da instituição? Sim, isso acontece constantemente, pois os gestores ainda acham que quem presta serviços de acessibilidade o fazem “por amor”, como se eu fosse ao supermercado e pudesse trocar dez notas de amor por dois quilos de arroz e feijão.
            Mas o pior de tudo, ainda é achar que a acessibilidade para o que consideram ser poucas pessoas não vale a pena o custo. Essas pessoas já pararam para pensar que a autonomia e satisfação de uma pessoa não tem preço? Qualquer investimento feito em acessibilidade vale e muito, não há valor que pague o respeito à diferença. Por isso, eu acredito que chegará o dia em que a acessibilidade fará parte da “cesta básica cultural” da sociedade.
            Enquanto esse dia não chega, vejo muita gente dizendo que nós reclamamos demais e que não podemos querer tudo ao mesmo tempo, que a acessibilidade é um processo longo e demorado que requer paciência. Eu concordo que historicamente fizemos muitos avanços, que a inclusão parece mesmo ser um caminho sem volta e que nossa vida é infinitamente melhor do que era há vinte anos. Perdoe-me quem se conforma com isso, mas não costumo me contentar com migalhas.
            Se pensarmos historicamente, estamos indo rápido, mas se particularizarmos e nos colocarmos no lugar de cada pessoa que sofre diariamente com a falta de acessibilidade, que não consegue usufruir de museus, praças, edifícios, escolas, shoppings e tantos outros lugares, será que você acharia que estamos tão céleres assim? E se nos colocarmos na posição de quem vai ao cinema e não consegue ter acesso ao filme, vai a uma instituição pública e é discriminado ou se machuca por ser um local inacessível?
            Nessas situações, se colocar no lugar do outro e lembrar que junto com cada reclamação e reivindicação há um alguém que clama por seus direitos, é fundamental nesse processo. Mais que isso, as pessoas nunca se deram conta de quem para uma pessoa que tenha uns 30 anos e viveu sempre sem acessibilidade, esperar mais três décadas para que tudo mude é tempo demais.
            Dizer que tudo é um processo estando de fora dele é muito simplista. Isso porque, para quem espera uma vida inteira por acessibilidade sem saber se um dia terá, muitas vezes um ano já é tempo demais para esperar. Quantas coisas mais ela irá perder? Quantos eventos mais ela não poderá ir? Quantos filmes ela não verá? Quantos museus e exposições ela não conhecerá? Espero que as pessoas reflitam que não estamos aqui lidando com mobiliários, mas com pessoas, que tem suas necessidades e sentimentos.
            Eis uma dificuldade no nosso tempo, se colocar no lugar do outro e não ver as pessoas como meros números, mas como sujeitos que sentem e que vivem o doce e o amargo, que precisam ter suas especificidades atendidas não por estar na moda ou constar na lei, mas por consciência de que cada um de nós deve lutar pelo pleno bem-estar do próximo, não querendo mudá-lo, não querendo curá-lo, mas dar um fraterno abraço e caminharmos juntos pelos ladrilhos cintilantes rumo à estrada do sol.

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