sábado, 10 de dezembro de 2011

Natal sem luz

Nunca fui um dos sujeitos mais entusiasmados com festas natalinas o dos famosos (in)amigos secretos. Sempre me sinto um tanto deslocado nesses lugares, sem saber o que dizer ou como agir. Porém, ano passado, em uma dessas ocasiões me senti plenamente a vontade, afinal, em locais escuros os cegos é que são os guias.
Participei de uma bela festa de fim de ano organizada pela querida amiga e professora Adriana Thoma, recebendo a todos com seu costumeiro afeto. Mas, havia um pequeno contratempo, afetando a recepção aos demais convidados, a organização do ambiente e a conservação dos alimentos e bebidas. Naquele momento, o bairro inteiro estava sem energia elétrica.
Enquanto isso, o tempo passava e o sol se despedia à francesa, ao mesmo tempo em que a lua chegava brilhante e cheia de si. Todos foram para fora do recinto ver se ao menos o luar conseguia iluminá-los, ainda que não estivesse adiantando de nada.
Os convidados ajudavam a procurar lanternas, velas, isqueiros ou qualquer outra quinquilharia que emanasse um pouco de luz. Definitivamente, muitas pessoas precisam mais de energia elétrica do que de oxigênio. Já os sujeitos com deficiência visual não sucumbem à luz do mesmo modo que Ulisses não se deixou levar pelo canto da sereia.
Porém, é preciso dizer que muitos dos convidados eram surdos, para quem a questão da visualidade e fundamental. Para eles, o fato de estarmos sem luz ocasionava certa dificuldade na comunicação em língua de sinais. Cabe lembrar que para eles aquele também poderia ser um momento de celebração, já que durante muito tempo, enquanto as línguas de sinais eram proibidas, a única forma de disseminar a cultura dos surdos ocorria nos quartos dos Institutos para surdos, onde à Liz de velas, mantinham acesa a chama da cultura surda.
Diante de todo esse quadro, creio que eu era o único que se sentia a vontade sem luz. Como cheguei ainda no horário de trabalho do sol, tive tempo de decorar a configuração do ambiente, onde ficavam as portas, mesas, cadeiras, sanitários e claro, onde estava a cerveja. Eu e minha baixa visão desfilávamos com desenvoltura pelo salão. Minhas mãos,ouvidos e memória fizeram um excelente trabalho naquele dia.
Aconteceu inclusive, uma situação pitoresca e irônica, em que algumas pessoas pediam para que eu as guiasse até os locais onde desejavam ir. Ou seja, se para todos foi uma situação embaraçosa, para mim foi uma noite agradável e divertida, pois me senti muito bem acolhido.
Quando a energia elétrica retornou, não nego ter sentido uma certa frustração. Assim, por mais que o Natal Luz faça sucesso, a minha festa de natal inesquecível foi exatamente aquela em que a própria Adriana denominou de Natal sem luz.
Não estou dizendo com isso que as pessoas com deficiência visual vivam nas trevas ou que prescindam das cores. O que digo é que não dependemos das imagens nem das cores para sentir o mundo.
Então, ter deficiência visual é libertador, por podermos utilizar de todos os outros sentidos para vivenciar e experimentar sensações que a vida nos proporciona para além da visualidade. Na contramão do usual e do tido como normal, Jorge Luis Borges diz que a cegueira é um dom, para poucos privilegiados.
Enfim, toda vez que me recordo daquele natal sem luz meu coração fica aos pulos. Ao invés das luzes artificiais seria bem melhor fazermos e deixarmos brilhar a luz que há dentro de cada um de nós. Muitos dos que tem deficiência visual veem mais o brilho das almas do que dos pinheirinhos, percebem a verdadeira luz muito mais do que aqueles que estejam presos à singeleza daquilo que enxergam.
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Felipe Leão Mianes

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