sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Com o mundo em nossas mãos

Nos dias 13/11 a 15/11, aconteceu em Porto Alegre o Festival Brasileiro de Cultura Surda. Organizado através do Projeto: “Produção, circulação e consumo da cultura surda brasileira”, cujo minha querida orientadora de doutorado, Lodenir Karnopp é uma das idealizadoras e coordenadoras. Neste festival, foi incrível ver – mesmo que eu não estivesse entendendo – o frenético bailado das mãos que sinalizavam. Foi um estrondoso sucesso, principalmente, porque as mãos e seus donos ficaram mais e mais emocionados.
Mas, não são apenas os surdos que captam muito do mundo através das mãos, os deficientes visuais de certa forma também o fazem. Os surdos se comunicam através das mãos, sinalizam, conversam, brigam, poetizam, narram... tudo isso transpondo para elas seus sentimentos e sensações. É por isso, que a comunidade surda normalmente utiliza a mão como um ícone da cultura surda, expressão através dessa parte do corpo que deixa de ser um membro para se tornar um passaporte para a comunicação e para a expressão dos direitos surdos a sua cultura.
Da mesma forma, pelo fato de terem uma predominância de memória visual, de compreensão visual do mundo, outro ícone surdo são os olhos, que são as “janelas da alma” e que captura as percepções e sentimentos dos surdos. Para esses sujeitos a visualidade é fundamental e faz parte da marcação cultural de suas comunidades. Portanto, é muito comum ver diversas produções surdas remetendo a mãos ou olhos, e muitas vezes até, ambos juntos.
Ainda é grande o número de pessoas que acredita que surdos e deficientes visuais não têm qualquer possibilidade de compartilhar marcadores culturais, espaços, convivência e experiências. Assim como venho afirmando a algum tempo, isso não corresponde a realidade.
Ontem já saudoso do festival, fiquei olhando para a camiseta na qual havia o logotipo do evento. Nesse momento de reflexão, logo percebi algo muito interessante:
[Descrição da imagem: Ao centro o desenho de uma mão na cor verde, na palma dela, está desenhado o formato de um olho, cuja esclera (o branco do olho) é amarela, a pupila é azul e a Iris, branca.]
Assim como os surdos, muitas vezes usamos as mãos como nossos olhos, fazemos das mãos, nosso passaporte de comunicação e de percepção do mundo. Seja por ler um texto em braile, em que se busca conhecimento e informação pela ponta dos dedos, seja pelo toque que nos permite saber onde e em que situação estamos.
Para os deficientes visuais o tato é uma forma terna – e por vezes perigosa – de contato com as diversas possibilidades que o mundo nos oferece. Tocar uma face e identificar as feições de um familiar querido, reconhecer as nuances de um rosto na ponta dos dedos, conhecer uma obra de arte pelas falanges que deslizam despreocupadas vendo aquilo que os olhos não puderam ver.
Não quero dizer com isso que as mãos substituem a audição do surdo ou a visão dos deficientes visuais, mas sim, que são formas diferentes de se deparar com o mundo. Então, temos em comum o fato de termos o mundo – ou parte dele – em nossas mãos.
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Felipe Leão Mianes

Um comentário:

  1. Adorei o texto. Como sempre, adorei o final. Temos o mundo (ou parte dele) em nossas mãos. Cabe lembrar que se tivermos um globo terrestre podemos tocar todo o mundo com as maos e de uma só vez! ehehhe.
    Falando sério, nunca tinha pensado nessa semelhança na forma de perceber o mundo q pelos deficientes visuais e surdos.
    Parabéns pelo comentário! abraço

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