segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Participação em pesquisa sobre a audiodescrição na Europa



No dia 27 de outubro de 2013, no Centro Cívico Sant Antoni (Barcelona), participei de uma pesquisa cujo objetivo era verificar as preferências pelos diferentes estilos de audiodescrição. Tal investigação é realizada em alguns países da Europa. Na Espanha, ficou a cargo da Universitat Autonoma de Barcelona, instituição em que faço meu doutorado sanduíche.
Tive a honra de ser convidado pela professora Pilar Orero a participar junto com mais dez pessoas desse experimento, envolvendo a investigação em audiodescrição e a constituição de estilos de construção do recurso na Europa, levando em conta as opiniões especializadas de usuários da audiodescrição.
Essa pesquisa é efetuada em conjunto por instituições de seis países: Alemanha, Itália, Bélgica, Polônia, Portugal e Espanha. O experimento é feito com a mesma metodologia em todos os locais, conforme nos fora informado no momento de sua realização.
A atividade começou com a exibição de parte do filme “Bastardos inglórios” de Quentin Tarantino. Durante vinte minutos, assistimos ao trecho da obra com audiodescrição. Depois disso respondemos a uma série de vinte perguntas relacionadas à audiodescrição em geral e outras sobre a audiodescrição do filme.
As questões eram relacionadas tanto ao que conseguimos absorver de informações com o uso da AD, quanto à pertinência ou não da utilização de nomenclaturas cinematográficas e visuais para descrever enquadramentos e planos utilizados no filme.
Após ter respondido a essas primeiras perguntas, passamos para a segunda etapa que consistiu em assistir a quatro clipes de cinco minutos cada, com uma determinada parte do vídeo visto antes. Porém, nessas exibições foram apresentadas diferentes versões de audiodescrição sobre os mesmos trechos.
Quando terminava a exibição de cada clipe, respondíamos a cinco perguntas referentes ao estilo de audiodescrição empregado, opinando sobre o quanto de informação apreendemos e de que modo conseguimos ou não construir as imagens através do recurso. Também fomos arguidos sobre qual estilo nos proporcionava mais entendimento e ao mesmo tempo fruição com a obra exibida.
O que pude perceber nesse experimento é o constante interesse em buscar a melhor compreensão possível e a excelência na criação de audiodescrição. No Brasil, temos louváveis pesquisas acadêmicas semelhantes, mas elas ainda são incipientes e não congregam um número expressivo de universidades, o que as fazem ficar muito isoladas.  Na Europa se procura interação e intercâmbio entre pesquisadores para a construção de um padrão para o recurso.
Mais importante do que isso, essas pesquisas estão sempre voltadas ao gosto e desejo dos usuários da audiodescrição. São eventos realizados com pessoas familiarizadas com o recurso, que tem compreensão sobre como ele funciona e quais as suas nuances. Ou seja, isso é uma demonstração da importância da pessoa com deficiência visual no processo de construção da AD, o que reforça ainda mais a necessidade dos consultores nas equipes de audiodescritores.
Dos quatro estilos apresentados na pesquisa, cada um deles tinha seus prós e contras. Dois deles eram bem mais informativos, cujo roteiro continha descrições sobre o ambiente e as ações dos personagens. Porém, ao privilegiar apenas esses itens, ficaram um pouco de lado as expressões corporais e sensações dos personagens.
            A diferença entre os dois primeiros, é que um fazia referência aos planos e enquadramentos e o outro não trazia tais informações. Além disso, no primeiro a narração teve mais “força”, com a utilização de uma locução mais firme e sem modificação na entonação. Já o outro, teve uma locução menos rígida, ainda que eu tenha percebido a tentativa de manutenção da neutralidade, ela estava mais “solta”.
O terceiro vídeo tinha um estilo de audiodescrição muito diferente do que assistira anteriormente. O roteiro foi feito de tal modo que foram descritas as partes tidas como fundamentais das cenas, com frases mais curtas e com mais espaços para o áudio original do filme, ainda que fossem momentos sem diálogos e somente com a trilha sonora. Ficou evidente o privilégio à objetividade da audiodescrição..
Nesse caso, o clima do filme pareceu mais próximo de nós, ainda mais porque a narração foi feita em tom mais “amigável” e com diferenças de entonação que ajudavam na compreensão da cena. No entanto, me pareceu que ficaram faltando algumas informações que permitissem um maior entendimento sobre as cenas e sobre o sentido e sentimento a ser passado no referido trecho. Com a tentativa de objetividade, ficaram faltando detalhes, o que para mim é algo imprescindível em uma AD.
Por fim, o último clipe foi o mais parecido com a audiodescrição do vídeo mais longo exibido primeiro. Nele, a AD buscou fazer uma mescla entre o estilo mais objetivo e os que priorizam um maior detalhamento das cenas, como cenários e expressões dos personagens. Com um roteiro mais longo e completo, foi possível compreender os planos em que a cena foi filmada, ter um número maior de informações sobre os acontecimentos e, referências que possibilitaram sentir aquilo que se passava.
Embora em ritmo mais acelerado, a narração foi um meio termo entre a objetividade dos dois primeiros e a “suavidade” do terceiro, além disso, o áudio foi inserido em um volume um pouco mais alto. Sendo assim, creio que esse foi o trecho que tentou fazer uma média entre os três estilos exibidos antes.
Claro que estou aqui exibindo apenas as minhas observações, talvez outro usuário que assistiu aos mesmos clipes poderá ter percepções completamente diferentes das minhas, logo, o que estou fazendo é relatar o meu ponto de vista, que é humildemente, apenas uma vista de determinado ponto.
Algumas coisas me deixaram muito feliz ao participar desse experimento. O primeiro fato que me deu alegria foi o convite que recebi para fazer parte desse grupo. Além disso, ver que se fazem pesquisas sobre audiodescrição nesse nível e com essa complexidade, envolvendo diversos países, é muito estimulante.
Por outro lado, o fato de se prover protagonismo ao usuário com deficiência visual é algo que muitos audiodescritores deveriam observar com atenção. O público não é tratado como mero receptor do recurso, mas como parte do processo de construção da AD, o que é algo que eu sempre faço questão de ressaltar. Afinal, fazer audiodescrição com e não para o usuário é sempre mais enriquecedor no sentido de compartilharmos experiências e sensações que vivenciamos. Eis a importância de nosso protagonismo no processo.
Também me deixou muito satisfeito notar que a audiodescrição feita no Brasil – estou falando em geral e por pessoas habilitadas para isso – é muito semelhante a realizada em outros países com uma trajetória de tempo e estudos menor do que a europeia. Se um roteiro daqueles fosse narrado em português, dificilmente alguém notaria a diferença, o que demonstra nossa evolução e qualificação cada vez maior.
Ao compartilhar ideias com os colegas que participavam da pesquisa e ao verificar o estilo de audiodescrição feito na Europa, percebi que os desejos e posicionamentos dos usuários espanhóis são semelhantes aos nossos. Ou seja, ser favorável a audiodescrições que privilegie a informação, mas que não deixem de lado em momento nenhum o entendimento de que também queremos um pouco de sensação, de AD que tente passar em seu roteiro e narração a emoção – ou não – que está sendo transmitida pelo produto. Isso ajuda na fruição e no vínculo com o que estamos assistindo.
Portanto, acho que a audiodescrição brasileira, no que diz respeito ao avanço técnico está indo muito bem, embora possa melhorar.  Tenho orgulho de dizer que faço parte de uma equipe na qual privilegiamos exatamente esses pontos: informação e emoção. Essa experiência me deu ainda mais certeza de que estamos indo no caminho certo, e que continuaremos andando a passos largos, sempre aprendendo e melhorando nosso jeito de fazer.
Enfim, viva a qualidade da audiodescrição no Brasil, pois temos sim profissionais de excelência, que fazem trabalhos que não ficam devendo em nada a outros audiodescritores do mundo. Sigamos evoluindo, pois para frente é que se anda, como me ensinou a minha bengala branca!

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