quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Cerâmica e inclusão

Pensei em escrever esta postagem já há algum tempo, mas decidi esperar um momento especial para fazê-lo. Nada mais representativo do que por em prática esta ideia, no dia do meu aniversário. Afinal, a partir do instante em que passei a frequentar o projeto Cerâmica e Inclusão, acho que de alguma maneira nasceu dentro de mim uma série de sensações e percepções, que hoje cuido com zelo e com afinco.

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A ação de extensão chamada Cerâmica e Inclusão – finalmente uma iniciativa que traz inclusão como acolhimento – é coordenado pela professora Cláudia Zanatta, do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Iniciada a cerca de um ano, tem como objetivo principal o acesso dos sujeitos com deficiência visual – ou não – às artes visuais, possibilitando diferentes modos de percepção artística – e eu diria até sentimentais – dessas pessoas.
As aulas acontecem nas segundas-feiras, às 9hs no Instituto de Artes da UFRGS. Num primeiro momento, ocorre uma atividade coletiva, preparada previamente por um dos monitores, colaboradores ou alunos, na qual se objetiva trabalhar as diversas formas de percepção, conhecimento artístico e outras possibilidades de estimução sensorial ou emocional dos sujeitos.
Logo em seguida, passa-se à atividade individual, em que cada um dos alunos concebe e constroem suas próprias peças, seja de objetos utilitários ou mesmo abstratos/ artísticos (ainda que, delimitar esta fronteira seja algo bem perigoso). Muitos dos alunos já têm ideia daquilo que desejam construir, outros decidem no momento da atividade qual tipo de artefato irão fazer.
Para tanto, além da professora Cláidia, existem monitores muito bem capacitados, competentes e solícitos, para atenderem as necessidades de deslocamento, de algum esclarecimento sobre a peça que está sendo feita ou auxilio de alguma outra ordem. Creio que um dos grandes méritos do projeto é que todos aqueles que atendem aos alunos não os tratam com compadecimento ou estigmatizando, mas sim, como sujeitos cuja suas diferenças requerem alguns modos de especificidade. Quero dizer com isso, que não vejo nenhuma forma de exclusão ou paternalismo, muito pelo contrário, percebo – e sinto – um acolhimento que raramente se sente em locais ditos inclusivos.
Depois de prontas, as peças ficam guardadas até estarem secas, então, aqueles que desejarem podem pintá-las antes de irem ao forno para a queima da peça (depois disso a peça está pronta e o aluno leva para sua casa). Sim, não se espante! Eu disse mesmo pintura, afinal, conforme muitos ainda pensam que os sujeitos com deficiência visual não se utilizam de cores, muito pelo contrário. Muitas das peças que já vi produzidas pelos alunos, são coloridas - e bem coloridas. A professora Cláudia relata que a questão das cores é algo muito interessante no projeto, pois inicialmente pensava-se que essa questão poderia ficar em segundo plano, mas logo se percebeu que seria um importante instrumento de percepção mesmo para aqueles que não enxergam. Outra peculiaridade que merece uma analise posterior e mais detida é que de acordo com Cláudia, a maioria dos alunos gosta mais de pintar os objetos na cor azul – inclusive eu –, e isso acontece de modo espontâneo, portanto, é algo riquíssimo, mas que ainda carece de investigação.

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Além de um pesquisador admirado com a qualidade e a inovação do projeto desenvolvido, me vi caindo nas malhas sedutoras da arte, no momento em que resolvi testar-me também como aluno....
Numa segunda-feira daquelas bem comuns, fui pesquisar e visitar o Cerâmica e Inclusão, para coleta de dados. Quando cheguei, havia uma atividade proposta, na qual todos estavam vendados, fazendo uma trilha guiada por cordas onde havia diversos objetos com as mais diferentes texturas nas quais podíamos tocar, sentir e cheirar. Isso já me impactou positivamente, depois disso, ao observar as atividades individuais dos alunos, percebi o quão dedicados e felizes estavam por participarem, um grupo integrado, coeso no qual existe uma relação estreita que é inegável o desejo de permanecer mais e mais.
Aquele ambiente me fez sentir acolhido como jamais fora em um ambiente artístico, pois por mais que eu sempre tivesse gostado de artes, muitas vezes é difícil ir ao cinema, ao teatro ou a uma exposição tendo baixa visão, pois sempre perdia algo por não ter um ambiente que contemplasse minha diferença. Decidi então, que também iria participar do projeto como aluno, e foi ai que nasceu algo de novo em mim, ou emergiu algo que nunca se manifestara.
Mexer na argila sentir na ponta dos dedos as texturas, perceber as rachaduras do material, ajustar o tamanho, manter a consistência, fazer ranhuras, alisar a peça, enfim, tudo requer uma aguçada percepção que não vem de um conhecimento racional, mas que flui como que em transe por cada poro, algo naturalmente sentimental.
Confeccionar uma peça é também um processo interno de reinvenção e reconfiguração de mim mesmo. Tenho novas e diferentes percepções sobre o mundo que hoje me parece mais rico de imagens e sentimentos, vejo coisas que outrora não notava a existência. É preciso lidar com as imperfeições com calma e com zelo, sem ansiedades, pois tudo depende do tempo, da temperatura do material. Moldar a peça é como repensar a vida, fazer do defeito ou da dificuldade não um problema, mas sim um recurso estético.
Para mim a vida se tornou até mais fácil, pois, penso em como poderia resolver um problema se ele fosse uma peça bruta de argila, e faço deslizar por meus dedos a solução. Transformar algo ruim em arte, e ter a arte de mudar a si mesmo sempre que preciso ou desejado.
Portanto, o trabalho executado pela Cláudia é de uma artista genial, daqueles que podem não ficar nos livros de História, mas que marca a história de cada um de nós. Não uma artista que tenta mudar o mundo com uma obra, mas que o faz sem saber, na medida em que planta uma semente frutífera no coração de cada um dos que participam deste projeto e que como eu, se sentem modificados em suas vidas, e que revolução pode ser maior do que ajudar a cada sujeito ao invés da generalidade de todos?
Enfim, mais que uma postagem de divulgação é uma escrita de gratidão. Obrigado Cláudia e todos aqueles que ajudam a desenvolver o Cerâmica e Inclusão.

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