quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Onde está minha estrelinha de natal?


Quando chega o final do ano letivo nas escolas é tradicional que aconteçam as apresentações das crianças com belas mensagens natalinas, geralmente incentivando amor, compaixão e empatia.
As crianças se divertem muito, trabalham em equipe e passam bastante tempo dos últimos dias de aula ensaiando para os “espetáculos” a serem realizados. Os corredores viram quase a casa do Papai Noel, com uma farta e colorida decoração natalina. Os pais ficam sempre às voltas com a compra de fantasias, materiais para as apresentações e outras exigências feitas pelos professores.
Quando chega o tão esperado dia e todos os nossos pequenos se alternam em lindas apresentações, com muitas luzes coloridas, efeitos visuais, fantasias, coreografias e um show que enche os olhos de quase todos com lágrimas pela “fofura” que é ver seu filho sendo artista por um dia.
Leitor, volte até a ultima frase e veja onde eu escrevi “quase todos”, será que isso foi proposital? Seriam “quase todos” porque alguns são muito “durões” e não se emocionam com tudo isso? A resposta é: não! E há uma razão para isso, que provavelmente você jamais percebeu antes de ler esse texto.
Vou lhe fazer uma pergunta, ainda que seja meramente retórica, pois sei a resposta. Você já parou para pensar que a mãe ou o pai do colega do seu filho podem ser cegos? E já se perguntou como eles fazem para entender e sentir todas aquelas imagens que você fotografou e filmou no celular? Pois é, a maioria das pessoas é como você e nunca se deu conta disso.
Nós que somos pais com deficiência visual ficamos numa situação bastante difícil e de desvantagem, para não dizer que somos discriminados e esquecidos nessas ocasiões. Enquanto todos os pais veem suas estrelinhas de natal brilhando no palco, nós nem fazemos ideia de onde elas estão, que roupas estão vestindo ou que coreografias estão fazendo.
As escolas não se preocupam com a nossa deficiência visual, não se importam se nós estamos enxergando ou não tudo o que está acontecendo. Fosse algum tempo atrás eu até entenderia, mas hoje com a quantidade de recursos de acessibilidade e tecnologias que temos, como a audiodescrição, é inaceitável e frustrante ir a qualquer apresentação na escola e ver a alegria dos outros pais ao mesmo tempo em que nós ficamos lá num cantinho sem saber de nada do que está se passando.
As mensagens natalinas nunca serão completas nem verdadeiras enquanto as escolas e os demais pais não pensarem naqueles que tem alguma dificuldade para acompanhar esses momentos tão importantes. De que adianta falar de amor e empatia se eu fico perdido sem que sequer alguém da escola se disponibilize a descrever o que está acontecendo? Como podemos nos emocionar se não sabemos como tudo está sendo feito?

Para ser sincero, essas cerimônias me deixam com muitas emoções à flor da pele, fico triste por não poder ver – no meu caso com os ouvidos – a apresentação da minha filha, fico com raiva e revolta por perceber que todos dizem querer um mundo melhor e mais inclusivo, mas nem param para pensar na gente, fico com gana e com muita vontade de continuar resistindo e mostrando que nós que não enxergamos existimos e que fazemos parte do mundo, e que precisamos ser respeitados.
Se coloque no meu lugar e pense como seu filho se sentiria sabendo que todos os outros pais estão acompanhando e se emocionando com o show, menos você. Eu tenho certeza que isso causa uma grande tristeza nas crianças com pais cegos ou com baixa visão, pois elas sabem que sem audiodescrição seus pais não poderão sentir toda a alegria e dedicação que elas emanam com sua performance.
Ou então, você que tem filhos cegos ou com baixa visão pense no quanto essas apresentações de natal são realmente importantes para eles, afinal de contas, provavelmente é tudo tão visual que não valerá a pena e não fará nenhum sentido sua participação, a não ser que ela seja adequadamente incluída e respeitada dentro de sua diferença e possibilidades.
Por fim, convido o leitor ou a leitora a se colocar no nosso lugar de verdade e repensar sobre essas situações. Creio que não são as peças de teatro ou as músicas de natal que tornam o mundo um lugar melhor.
O que pode fazer com que nossas vidas tenham mais amor e felicidade são as ações que tomamos com relação a nós e aos outros, amando ao outro como a nós mesmos, assim já dizia o aniversariante. Por isso, conceda um presente a si mesmo, pense naqueles que são diferentes de você, que tem necessidades e peculiaridades diferentes, cores e orientações diversas, pois se é verdade que há um pouco de nós em cada um, você também é um pouco cego, e isso é bom, acredite!

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Dor

Dor
Sentimos intransitivo.
Sempre de mãos dadas comigo.
Sombra onde encontro meu abrigo.

Dor
Minha sina de Prometeu.
destino que não se cumpriu.
Felicidade que em mim morreu.
Ou será que um dia existiu?

Dor
Faz meu pretérito mais que imperfeito.
A ti eu tão cativo me assujeito.
Sem presente nem futuro,
Vago na vereda sempre escura.
Sem rumo e sem recanto.
Para minh’alma sem descanso.

Dor
Concedeu-me tão belos sonhos.
Para esmigalhar cada esperança.
Troçando de cada tropeço.
Como quem se alimenta de si mesmo.

Dor
Hei de viver e fenecer contigo.
Já não sei és tu quem me procura,
Ou se eu que te persigo.




quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Felipe Mianes: Sessão “Todos” na Mostra Gaúcha de Gramado

Felipe Mianes: Sessão “Todos” na Mostra Gaúcha de Gramado: Sessão “Todos” na Mostra Gaúcha de Gramado    Sinopse: Um historiador viaja por várias cidades do Brasil e exterior em busca de  ...

Sessão “Todos” na Mostra Gaúcha de Gramado



Sessão “Todos” na Mostra Gaúcha de Gramado  

Sinopse:
Um historiador viaja por várias cidades do Brasil e exterior em busca de  resposta a uma pergunta: o que é acessibilidade? Acompanhando a trajetória de Felipe Mianes, que tem deficiência visual, vamos conhecer caminhos acessíveis e caminhos com muitas barreiras. Vamos cnhecer o que pessoas com e sem deficiência pensam sobre temas como diversidade humana, educação inclusiva, cultura e tecnologias. Todos é um filme sobre pessoas e suas  diferenças.
Direção: Marilaine Castro da Costa e Luiz Alberto Cassol.  

Serviço:
Sessão do documentário “Todos” na Mostra Gaúcha do 45º Festival de Cinema de Gramado
Data:  21/08, segunda-feira.
Horário: 14h
Com audiodescrição, legendas descritivas e Libras.
Endereço: Teatro Elisabeth Rosenfeldt (Rua São Pedro, nº 369, Centro,  Gramado)

Haverá transporte do festival, com saída pela manhã e retorno após a sessão. Os interessados devem se inscrever enviando nome completo e RG, até as 20h do dia 19/08, para o  e-mail: doctodos@gmail.com    


VAGAS LIMITADAS


         


Descrição da foto:  No Museu da Batalha, Felipe toca uma escultura. Está usando fones de ouvido.


domingo, 2 de abril de 2017

Maysando

Pesadelos esculpidos.
Por verdades desesperadas.
O que de pior tem acontecido.
É viver isso quando acordada.

Me recordo do acordo.
Que fizera comigo mesma.
Suprimir o sorriso bobo.
Fazer um ode à minha tristeza.

Em águas turvas e não pacíficas.
Navego sempre à deriva.
Da felicidade, sequer uma brisa.
O meu descanso é sair dessa vida.

Repouso na tormenta.
Sigo mesmo tendo fenecido.
Cantando o que poderia ter sido.

Amando demais, sofrendo demais.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

(Des)encontros



Viveremos infinitamente.
Pensando que poderia ter sido eterno.
De todas as palavras que disse.
Nenhuma foi vazia.
Mas a dor de tê-la às migalhas.
Foi maior que o amor que lhe devotava.
Não há vencedores e nem culpados.
Nosso destino foi amar separado.

O meu silêncio era de medo.
Sua desistência foi tão cedo.
O meu calar foi a dúvida.
Sua resignação, certeza.
Não quis que eu fosse embora.
Mas deixou aberta a porta.

Se dói eu estar ausente.
Você sabe agora o que se sente.
Seu coração se despedaçou?
Sabe agora como a divisão dilacera.
E foi quando parti.
Que esqueci em ti.
O melhor que havia em mim.

Posso ter cruzado outros caminhos.
E feito outras moradas.
Mas se durante essa jornada.
Você pensa que foi esquecida.
Está muito enganada.

Recordo os beijos ardentes.
E meu suor na tua pele.
Dos teus fluidos quentes.
No encontro entre nossa pelve.

Há amores que foram feitos.
Para não serem consumados.
Sei que o destino não quis.
Semear nossa flor-de-lis.
Ao fim de tudo.
Sem mim você será feliz!?


................................
Felipe Mianes

terça-feira, 20 de setembro de 2016

A Esquerda e as pessoas com deficiência

Desde o século XIX quando Marx e Engels apresentaram o Materialismo Histórico e seus modos de perceber a sociedade, o mundo nunca mais foi o mesmo, inclusive paras aqueles que se posicionam contra essa ideia. Nesse período as pessoas com deficiência ainda viviam segregadas em instituições, hospícios ou na casa de suas famílias que faziam questão de escondê-las.
Á medida em que os anos foram passando as ideias socialistas se disseminaram pelo mundo, geraram novos pensamentos e práticas políticas em diferentes instâncias. O domínio burguês sobre a classe trabalhadora foi sendo posto em xeque. Após II Guerra Mundial os temas de interesse do que passou a ser chamada de “esquerda”começava a ir além dos problemas econômicos e políticos, atingindo outras esferas sociais, como a cultura, por exemplo.
Nesse tempo, a maioria das pessoas com deficiência já não ficava mais isolada em institutos, mas em escolas especiais. A discriminação, os estigmas, a falta de direitos e de perspectivas de participação social persistiam. Contudo, os primeiros movimentos sociais de luta pelos direitos desses sujeitos surgiram nos anos 1960, com o objetivo de derrubar barreiras atitudinais e arquitetônicas, além de mostrar ao mundo que somos diferentes sim, mas defeituosos não.
Ao mesmo tempo em que a esquerda passou a ampliar seu campo de atuação, os grupos minoritários intensificaram suas reivindicações por direitos. Inicialmente olhando de soslaio, passaram a incorporar essas pautas em suas agendas de estudos e de lutas. Assim, os movimentos feministas, pelos direitos civis dos negros e os de gênero e sexualidade foram ganhando espaço nos debates sobre justiça social e busca pela igualdade. Mas, e as pessoas com deficiência como ficaram?
A aquisição de direitos por algumas minorias foiimportante para a melhoria da qualidade de vida e participação social de pessoas com deficiência, que mesmo longe do ideal, mostraram-se conquistas fundamentais, como a obrigatoriedade das escolas comuns aceitarem alunos com deficiência, por exemplo.
No entanto, é perceptível a pouca força política que os movimentos de pessoas com deficiência tem dentro das agendas da esquerda atual. Muitos partidos políticos que se dizem “de esquerda” e outros que seguem de fato esse caminho, afirmam defender amplamente os direitos humanos e lutar contra todas as formas de opressão. O que essas pessoas ou entidades tem feito por nós que temos deficiência?
Ouço políticos com discursos inflamados na defesa dos direitos LGBTs, dos negros, das mulheres e dos pobres. Infelizmente, deixam as pessoas com deficiência de fora dessas lutas como se estivéssemos sempre apagados ou na melhor das hipóteses relegados a um segundo ou terceiro plano. Um exemplo disso, é que quase nunca nos debates e entrevistas os candidatos são questionados nesse sentido, e muitos deles até evitam falar sobre a questão.
Em tempos de eleições para prefeito, verifiquem quantos citam as pessoas com deficiência em seus planos de governo. Apenas UMA candidatura o faz, e com um espaço bem pequeno. No mais, reina o silêncio e a questão da deficiência é tangenciada, como se fosse algo menor. Todavia, o censo do IBGE de 2010 aponte que 23,9% da população tem algum tipo de deficiência, o que representa mais de 45 milhões de brasileiros.
Há candidatos com deficiência em todas as matrizes partidárias, mas nenhum deles parece ter força e competência para levantar o tema de modo consistente. Certamente que não basta um candidato ter deficiência para ser votado por seus pares, nem mesmo é garantia de que ele lutará de fato pelos nossos direitos. Para piorar, não acredito termos no atual cenário político alguma liderança com deficiência capaz de unificar os movimentos e agir com a capacidade necessária para levar adiante nossas lutas.
Quem conhece minhas posições políticas sabe que me entristece e me constrange dizer isso, mas a esquerda de quem eu sempre espero o melhor, tem se mostrado inerte e desinteressada nas lutas pelos direitos das pessoas com deficiência. Não desejo que as demais minorias sejam enfraquecidas na esquerda, e sim, que nos seja dada a oportunidade de unirmo-nos a elas. 
As mulheres, negros, LGBTs e outros, tem todo meu apoio, pois temos diversas agendas em comum, como a luta pelo direito de ser diferente e a ter igualdade de oportunidades. E achar que a divisão de espaço nas reivindicações nos enfraquece é entrar no jogo daqueles de quem discordamos. 
Seria muito produtivo que os partidos e partidários da esquerda – não necessariamente apenas os marxistas mais tradicionais – consolidassem a luta pelos direitos das pessoas com deficiência como um de seus princípios e que destacassem isso sempre que possível. 
A acessibilidade, a audiodescrição, o direito a participação social, à melhores oportunidades no mercado de trabalho, à sexualidade e outros tantos temas importantes que fazem parte de nossas vidas deveriam pautar as ações da esquerda brasileira e mundial, afinal, se dizem defender os direitos humanos, é preciso ter o olhar direcionado a todos.
Seja como for, o que escrevo aqui serve mais como uma sincera proposta de debate com aquelas pessoas e entidades que se dizem de esquerda do que uma crítica aos mesmos, ainda que se deva reconhecer os erros e fazer-se as correções de rotas necessárias diante do atual momento político brasileiro.
Portanto, espero contribuir ainda que minimamente, para a construção de novas discussões e que possibilitem o diálogo no sentido de ampliar os espaços e conquistas das pessoas com deficiência. Está claro que a esquerda precisa renovar-se e lutar para e com outros grupos minoritários até então deixados de lado. E que o direitos de todos a terem suas diferenças respeitadas seja mais do que um discurso, que faça parte da prática cotidiana de cada um de nós.