Desde o século XIX quando Marx e Engels apresentaram o Materialismo Histórico e seus modos de perceber a sociedade, o mundo nunca mais foi o mesmo, inclusive paras aqueles que se posicionam contra essa ideia. Nesse período as pessoas com deficiência ainda viviam segregadas em instituições, hospícios ou na casa de suas famílias que faziam questão de escondê-las.
Á medida em que os anos foram passando as ideias socialistas se disseminaram pelo mundo, geraram novos pensamentos e práticas políticas em diferentes instâncias. O domínio burguês sobre a classe trabalhadora foi sendo posto em xeque. Após a II Guerra Mundial os temas de interesse do que passou a ser chamada de “esquerda”começava a ir além dos problemas econômicos e políticos, atingindo outras esferas sociais, como a cultura, por exemplo.
Nesse tempo, a maioria das pessoas com deficiência já não ficava mais isolada em institutos, mas em escolas especiais. A discriminação, os estigmas, a falta de direitos e de perspectivas de participação social persistiam. Contudo, os primeiros movimentos sociais de luta pelos direitos desses sujeitos surgiram nos anos 1960, com o objetivo de derrubar barreiras atitudinais e arquitetônicas, além de mostrar ao mundo que somos diferentes sim, mas defeituosos não.
Ao mesmo tempo em que a esquerda passou a ampliar seu campo de atuação, os grupos minoritários intensificaram suas reivindicações por direitos. Inicialmente olhando de soslaio, passaram a incorporar essas pautas em suas agendas de estudos e de lutas. Assim, os movimentos feministas, pelos direitos civis dos negros e os de gênero e sexualidade foram ganhando espaço nos debates sobre justiça social e busca pela igualdade. Mas, e as pessoas com deficiência como ficaram?
A aquisição de direitos por algumas minorias foiimportante para a melhoria da qualidade de vida e participação social de pessoas com deficiência, que mesmo longe do ideal, mostraram-se conquistas fundamentais, como a obrigatoriedade das escolas comuns aceitarem alunos com deficiência, por exemplo.
No entanto, é perceptível a pouca força política que os movimentos de pessoas com deficiência tem dentro das agendas da esquerda atual. Muitos partidos políticos que se dizem “de esquerda” e outros que seguem de fato esse caminho, afirmam defender amplamente os direitos humanos e lutar contra todas as formas de opressão. O que essas pessoas ou entidades tem feito por nós que temos deficiência?
Ouço políticos com discursos inflamados na defesa dos direitos LGBTs, dos negros, das mulheres e dos pobres. Infelizmente, deixam as pessoas com deficiência de fora dessas lutas como se estivéssemos sempre apagados ou na melhor das hipóteses relegados a um segundo ou terceiro plano. Um exemplo disso, é que quase nunca nos debates e entrevistas os candidatos são questionados nesse sentido, e muitos deles até evitam falar sobre a questão.
Em tempos de eleições para prefeito, verifiquem quantos citam as pessoas com deficiência em seus planos de governo. Apenas UMA candidatura o faz, e com um espaço bem pequeno. No mais, reina o silêncio e a questão da deficiência é tangenciada, como se fosse algo menor. Todavia, o censo do IBGE de 2010 aponte que 23,9% da população tem algum tipo de deficiência, o que representa mais de 45 milhões de brasileiros.
Há candidatos com deficiência em todas as matrizes partidárias, mas nenhum deles parece ter força e competência para levantar o tema de modo consistente. Certamente que não basta um candidato ter deficiência para ser votado por seus pares, nem mesmo é garantia de que ele lutará de fato pelos nossos direitos. Para piorar, não acredito termos no atual cenário político alguma liderança com deficiência capaz de unificar os movimentos e agir com a capacidade necessária para levar adiante nossas lutas.
Quem conhece minhas posições políticas sabe que me entristece e me constrange dizer isso, mas a esquerda de quem eu sempre espero o melhor, tem se mostrado inerte e desinteressada nas lutas pelos direitos das pessoas com deficiência. Não desejo que as demais minorias sejam enfraquecidas na esquerda, e sim, que nos seja dada a oportunidade de unirmo-nos a elas.
As mulheres, negros, LGBTs e outros, tem todo meu apoio, pois temos diversas agendas em comum, como a luta pelo direito de ser diferente e a ter igualdade de oportunidades. E achar que a divisão de espaço nas reivindicações nos enfraquece é entrar no jogo daqueles de quem discordamos.
Seria muito produtivo que os partidos e partidários da esquerda – não necessariamente apenas os marxistas mais tradicionais – consolidassem a luta pelos direitos das pessoas com deficiência como um de seus princípios e que destacassem isso sempre que possível.
A acessibilidade, a audiodescrição, o direito a participação social, à melhores oportunidades no mercado de trabalho, à sexualidade e outros tantos temas importantes que fazem parte de nossas vidas deveriam pautar as ações da esquerda brasileira e mundial, afinal, se dizem defender os direitos humanos, é preciso ter o olhar direcionado a todos.
Seja como for, o que escrevo aqui serve mais como uma sincera proposta de debate com aquelas pessoas e entidades que se dizem de esquerda do que uma crítica aos mesmos, ainda que se deva reconhecer os erros e fazer-se as correções de rotas necessárias diante do atual momento político brasileiro.
Portanto, espero contribuir ainda que minimamente, para a construção de novas discussões e que possibilitem o diálogo no sentido de ampliar os espaços e conquistas das pessoas com deficiência. Está claro que a esquerda precisa renovar-se e lutar para e com outros grupos minoritários até então deixados de lado. E que o direitos de todos a terem suas diferenças respeitadas seja mais do que um discurso, que faça parte da prática cotidiana de cada um de nós.
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