quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Migalhas de mim

Vou deixando migalhas de mim pelo caminho.
E à medida que perco minhas partes.
Faço de minha incompletude.
A minha maior virtude.

Vivo numa sincronia anacrônica.
Numa ordem anarquista.
Em lugar algum me enquadro.
Me perdi, antes mesmo de ter achado.

Admiro as imagens que me invadem.
Pois ao não enxergá-las.
Sinto-as com todo meu corpo.
Não sou refém de um só sentido.
Me permita e te conto.
Como é não vestir a vista de um ponto.

Citando um dos filósofos.
Vos digo que só os cegos ousam.
Mirar o sol olhos nos olhos.

Há brilho onde todos vêem escuridão.
Por isso vou sempre na contramão.
De que a cegueira é limitação.
É sim, uma redenção!

Deixo aqui mais um pedaço de mim.
Se quiseres o recolha.
Mas não te peço concessão de espaço.
O meu caminho eu mesmo faço.

Felipe Leão Mianes


terça-feira, 13 de setembro de 2011

Porvir amoroso

Não deixe que a melancolia te tome em vão.
Nem sofra por outrem.
Na praia da paixão.
um amor vai e outro vem.

Moça que enxerga o mundo diferente.
Saibas que a desilusão pode ser reluzente.
Depois da tempestade.
Há sempre um arco-iris de bondade.
Mais vale a solidão que arde.
Que migalhas de amor pela metade.

Dizem que o mundo é um moinho.
E se hoje vives na amargura.
Amanhã terás carinho e ternura.

Dissipa a bruma que te entristece.
com o brilho de tu'alma que resplandece.
Ame apenas quem te merece.

Não importa quanto tempo passará.
Mas sei que outro alguém surgirá.
Fazendo de teu sonho realidade.
De um amor para a eternidade.

Felipe Leão Mianes

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

É preciso olho grande para comer?

Ir a um restaurante em Porto Alegre ou qualquer outra cidade que eu tenha conhecido é um ato necessariamente dependente de alguém, ou se não for assim, passarei fome.
Os cardápios estão com as letras cada vez menores, as opções de pratos, as figuras coloridas e apetitosas tomam completamente o espaço das letrinhas de bula de remédio. Nos fast foods é mais fácil é só decorar o número dos pedidos e dizer logo: um número 1 por favor! E pronto.
Mas nos demais casos, preciso pedir auxilio para que a minha paciente companhia leia um por um dos tipos de pratos existentes, seus ingredientes e acompanhamentos ou entradas, já que enxergar tudo aquilo é tarefa que a mim não há possibilidade alguma..
Mesmo os cegos deveriam ter um cardápio especificamente em braile,afinal, se as pessoas não se deram conta estes sujeitos também comem, consomem, vivem. Certa vez me senti bastante insatisfeito e perguntei ao gerente do estabelecimento por que as letras do cardápio eram tão pequenas, e eis que me respondeu de um modo que me fez levantar e ir embora, disse ele: “Se o senhor não trouxe seu óculos, peço a um garçom que o acompanhe e leia cada uma das opções, como um mimo do restaurante”
Mas oras! mimo é o ca.... Quem disse que acessibilidade é mimo? Porque eu preciso ir ao restaurante de "óculos”? pois que eu saiba, como com a boca.
É um absurdo como as pessoas ainda encaram a acessibilidade e o direito a autonomia de cada um como um presente, uma concessão, um “mimo” e não como um direito de cada um e dever de todos. Esta tudo errado quando o direito se torna um sentimento de benevolência.
Além disso, se a comida me custar o olho da cara, dou-lhes o esquerdo que para pouco serve mesmo...

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

O pior cego é o que quer ver

A uma "primeira vista" essa ideia é tão estapafúrdia quanto tomar chocolate quente com sal. Mas para mim, esta se trata de uma questão crucial para todos aqueles que se consideram diferentes, ou que são taxados como tal, como os cegos, por exemplo.
Muitas vezes somos os protagonistas principais de nossa exclusão. Afinal, muitas vezes os primeiros que tendem a rejeitar a deficiência é o próprio deficiente. Já faz um bom tempo, na verdade nem sei bem quando aconteceu, que decidi romper definitivamente os laços com a normalidade, com a cansativa e enfadonha busca pela miraculosa - e quase nunca conseguida - cura
Até porque como diz Lygia Assunção Amaral, em um dos seus livros: "que existe a normalidade isto é inquestionável, mas o que se pode e deve questionar são os critérios que usamos para defini-la". Aceitar-se é o que separa-nos da felicidade ou da melancolia, eu preferi o primeiro.
Afirmo categoricamente, pode-se sim ser deficiente e ser feliz, tenho imenso orgulho em fazer parte da diferença, me orgulho de ser deficiente, pois assim é que eu sou, caso eu não tivesse deficiência seria outro, que não o que sou, para o bem e para o mal.
Me sinto livre, sem formulas milagrosas, sem médicos, sem remédios, apenas eu e minha percepção diferenciada do mundo. Até porque, as vezes quando se enxerga pouco, aprendemos a VER bem melhor. Como diria Evgen Bavcar (fotógrafo e filósofo cego), a deficiência visual não é limitação ou falta, mas novas e venturosas possibilidades de percepção do mundo.
Perdemos tanto tempo de nossas vidas querendo ser o que não somos, que esquecemos dos jardins floridos que há em nós. Para que me servem os olhos da matéria organica, se tenho alta visão com os olhos d'alma.
Aceitarmo-nos é passo fundamental para sermos aceitos, e condição de um amanhã mais feliz. O pior cego é o que quer ver, porque este não se aceita como tal, mal sabe ele, o quão bela sua deficiência pode ser.

O que os olhos não vêem o coração sente

Um filme de curta-metragem muitas vezes pode gerar debates acalorados, profícuos e vindouros. Ainda mais quando se trata de propor visões diferenciadas sobre sujeitos considerados diferentes. Quando há personagens que fogem à norma isso nos causa estranhamentos, e se essa fuga da norma acontece em mais de uma característica no mesmo sujeito, isso se multiplica de modo eloquente
Em: Eu não quero voltar sozinho (direção de Daniel Ribeiro), Leonardo, Giovana e Gabriel são três colegas de classe, um tanto excluídos pela turma: Leonardo por ser cego, Giovana por andar com ele e Gabriel por ser aluno novo na escola. O trio se aproximou muito pela distância abissal que tinham dos outros. Andavam sempre juntos, principalmente voltar da escola, já que Leonardo tinha insegurança em voltar sozinho.
Por outro lado, Giovana ficou muito enciumada pois, era apaixonada por Leonardo, e depois da chegada de Gabriel se sentia quase à parte da amizade entre os dois. Certo dia na escola, Leonardo disse querer contar algo para a garota, que ficou curiosa para saber o que era. Então, ele disse que estava apaixonado. Ela ficou eufórica pensando que se declararia para ela, MAS, Leonardo se disse apaixonado por Gabriel.
Depois disso, eu que não vou contar o fim do filme. Claro que esse é um resumo ultra condensado do que se passa na obra, até para aguçar a curiosidade de quem ainda não assistiu.
Durante todo tempo, as questões sobre a deficiência visual e da homossexualidade foram tratadas de modo delicado e natural, descartando os estereótipos já tão clichês, e tratando da diferença como pano de fundo para uma bela história de amor.
Dizem que o amor é cego, e nesse ditado eu creio. Outro dito popular prefiro modificar um pouco para que reflita a verdade: “o que os olhos não vêem o coração também sente”. Pensando assim, até o amor, o mais nobre dos sentimentos não enxerga, isso me deixa ainda mais próximo desse sentimento – eu e meus colegas ceguinhos.
Ter amor às cegas é a verdadeira expressão desse sentimento, sem ressalvas, sem padrões estéticos, sem regulamentos, sem rancores ou expectativas. Não sei se todos os cegos tem amor nem se todo amor cego é bom, mas sei que amar sem enxergar é amar incondicionalmente, independentemente do que se vê e totalmente vinculado ao que se sente, portanto: All you need is love/ ALL YOU NEED IS BLINDNESS!


Abaixo o link para ver o filme:
http://www.youtube.com/watch?v=1Wav5KjBHbI

Só pra contrariar, obrigado por não enxergar

Há alguns séculos atrás os sujeitos considerados anormais eram tidos como a personificação dos pecados da humanidade, das mazelas individuais de um sujeito ou ainda como uma “oportunidade” de exercer a caridade pra com o próximo, vítimas de um fardo pesado, dignos de pena e de uma inata incompletude que mereceria compadecimento. Assim, durante longo tempo os indivíduos com deficiência foram tratados como uma espécie de moeda de troca para indulgencias aos pecados mundanos. Quando se queria comprar um lugar no céu, logo se ajudava um doentinho e tudo estava resolvido.
Os anos foram passando, as sociedades se transformando e chegando rapidamente a atualidade, a questão da inclusão parece algo que sempre esteve ai, dada a sedução competente de seus discursos. Às vezes chegamos até a pensar que ninguém mais trataria a deficiência como um castigo. Mas talvez isso não esteja tão no passado assim. Sem querer fazer juízos de valor, mas eu diria que tenho pena apenas daqueles que tem pena de si mesmos.
Fico realmente triste quando vejo que sujeitos com deficiência vêem sua condição como um castigo divino. Primeiro porque, me desculpem os religiosos, mas acredito que nenhuma divindade verdadeiramente boa puniria quem quer que fosse. Ainda assim essa percepção de si mesmo é cômoda e limitadora.
Tudo parece mais fácil para as pessoas quando elas estabelecem um discurso de pena e comiseração de si mesmas, afinal, qualquer coisa que elas consigam para além do nada já parece uma vitória epopéica. É simples aceitar ficar posicionado em um lugar onde a sensação interna de inferioridade recebe um afago a cada elogio de “superação” ou a cada desculpa pelo fracasso. Ou seja, sempre há um motivo prévio, para o sucesso ou a falta dele.
Ver a deficiência como um castigo é abdicar da beleza de perceber o mundo de modo diferente da maioria. Somos pessoas que percebemos as nuances da vida não pelo que elas aparentam, mas pelo que elas são, vemos as coisas em cada detalhe no toque e no contato entre nós e o outro. A cegueira não está no fato de não enxergar, mas na tristeza por não querer ver.
Não enxergar é libertador, no sentido de que podemos usar a imaginação, usar outros sentidos fugindo a uma lógica oculocentrica de estar no mundo que não está para além do superficial, diferente de uma ideia que não estabelece a imagem como o fundamental, e sim uma estética da sensibilidade da emoção, perceber o mundo pela arte do sentir. É ter a sabedoria de construir imagens muitas vezes sem referencias sobre as mesmas, e outras tantas construí-las de modo muito mais inventivo do que aqueles que enxergam como de acordo com o que se classifica como normal.
Numa sociedade em que tudo passa muito rápido, em que as imagens são a força motriz da maioria das relações, são também, entendidas como decisivas para o sucesso e o fracasso, nós que somos tidos como privados das imagens, agimos num sentido contrário, remando contra a maré e mostrando que o visual e o visível não são essenciais, não tolem a criatividade, não encerram os sujeitos em mundo das trevas, mas sim, demonstram a riqueza e a superioridade que as sensações tem sobre essas imagens, afinal, um sentimento vale mais do que mil imagens.
De minha parte o mundo parece muito mais atrativo tendo baixa visão do que tendo alta visão, não consigo me imaginar tendo a empáfia de enxergar “perfeitamente” e achar que vejo o mundo com uma perfeição que ele de fato não tem. Enxergo o mundo como ele é, as vezes borrado, as vezes escuro, as vezes sem nitidez, mas sempre é um mundo percebido pela minha sensação e não pela dos outros.
Dias atrás, depois de uma apresentação de minhas pesquisas, a mãe de uma deficiente visual falou comigo e disse: “a partir de hoje quando eu chegar em casa eu vou ver a minha filha não mais com pena, mas com orgulho”. Pois então acho que pensar a deficiência como castigo é um castigo merecido para quem pensa assim.

Que saudades que eu tenho

Sou saudosista convicto, rego constantemente o jardim de minhas lembranças, uma ou outra vez um espinho me faz sangrar. Nada que apague o perfume que as flores das recordações exalam. Meu olhar diferente sobre o mundo me faz ver coisas que quem enxerga não vê. Antes de fenecer pretendo sorver da vida tudo que puder. Cada segundo que passa é um amigo fiel que se vai para não mais voltar.
A cada instante que passa estamos mais próximos da morte, mas para mim é a lembrança do que passou que me faz sentir ainda mais vivo. Ainda ontem eu estava sentado no chão da sala lá de casa brincando de lego e ao fundo ouvindo Pink Floyd que meu pai sempre colocava no toca-disco; Lembro da primeira vez que chorei ie medo, e da que tive medo de chorar; Não saem de minha retina os que se orgulhavam de ser simples, e hoje, são simplesmente orgulhosos. Não esqueço de quando descobri que o amor verdadeiro está nos gestos mais singelos.
Sinto falta dos amigos que perdi, e dos que eu conquistei. Dos amigos bons que o vendaval do cotidiano espalhou pelo mundo. E dos nem tão amigos que me mostraram os defeitos que tenho. Terei sempre um pouco de cada um deles dentro de mim, de seus sorrisos e de suas lágrimas. Me encontro com eles pelas esquinas dos meus pensamentos, e por isso estarão sempre ao meu lado.
As despedidas para mim são como poesias de Augusto dos Anjos, corroem a carne até a última fibra, mas por causa disso me vejo (ser)humano, como quem ama mesmo por entre as brumas. Despedidas são renúncias, amor sem renúncias não é amor por inteiro. O amor não aceita resultados fracionados.
Tenho mais saudade ainda do que não vivi, do que nunca tive e do que nunca fui. Saudade dos caminhos que escolhi não trilhar, e também dos que trilhei. Cada escolha traz consigo desistências, certezas e dúvidas. Pudera eu ser onipotente, onipresente e onisciente para viver o máximo de experiências possíveis, carrasco e torturado; poeta e alienado; ser o tudo, nada e o que mais houver entre eles. Vejo o passado com olhos de menino, e vejo o futuro como o passado que vem surgindo.