Tenho profundo respeito pelo papel que as APAEs desenvolveram ao longo da história com o objetivo de incluir pessoas com deficiência - sobretudo intelectual - na sociedade. Durante muito tempo, essas foram as únicas instituições onde os indivíduos com alguma deficiência podiam recorrer em termos de educação, ou de socialização. Porém, com o passar do tempo outras possibilidades surgiram e seus modelos de atuação foram ficando para trás.
Até o advento das novas políticas de inclusão educacional no Brasil, as APAES foram muito importantes para socializar os alunos com deficiência. Como as escolas comuns não eram obrigadas a aceitar essas pessoas, ou contavam com a boa vontade das instituições de ensino, ou conseguiam vaga em alguma escola especial, muitas delas gerenciadas pela referida entidade.
Não foram poucas as ocasiões em que me manifestei em defesa da existência escolas especiais, não por concordar com seus métodos ou suas finalidades, mas por uma questão democrática. Entendo que os conteúdos, as práticas e os espaços das escolas especiais estão um tanto ultrapassados. Não se pode mais fazer com que os alunos passem a vida escolar toda aprendendo a fazer trabalhos de colagem, de desenhos com fios de lã ou outras práticas ainda recorrentes nesses locais.
As escolas especiais esqueceram de se reinventar e foram ficando para trás em suas práticas, sem pensar nas potencialidades e nas infinitas possibilidades de aprendizagens dos mesmos. Em um tempo onde era essa a única alternativa educacional, essas escolas cumpriram seu papel, mas com tantas e salutares conquistas atuais, já não podemos mais retroceder. Contudo, não estou afirmando que todas as escolas são desse modo, existem as que conseguiram melhorar.
São os pais e responsáveis pelos alunos com deficiência que devem escolher o que é melhor para seus filhos, estudarem em uma escola especial ou não, por isso defendo que ambas devem seguir existindo. Há também casos muito específicos como deficiências intelectuais graves ou deficiência multipla em que na maioria dos casos se opta por uma educação especializada, e acredito que isso deva ser mantido.
Foi árdua e longa a luta para que conseguissemos que as pessoas com deficiência tivessem o direito de serem matriculadas nas classes comuns sem possibilidades de restrições. Existem muitos interesses, sobretudo economicos, agindo na contramão tentando impedir que alunso com deficiência frequentem as escolas comuns.
Sabemos das dificuldades que as escolas comuns têm para incluir essas pessoas, mais ainda em acolhê-las com o atual contexto que temos. Ainda assim, essa realidade é melhor do que aquela que tinhamos anteriormente. Não há estrutura necessária, não há preparo adequado para lidar com os alunos com deficiência, às vezes não há nem boa vontade. Porém, a escola comum representa um incremento de qualidade de conteúdo e na variedade de socialização dessas pessoas, uma conquista que pode parecer pequena, mas é imensa para nós.
A escola comum tem muito a evoluir, e seus passos rumo a uma inclusão mais acolhedora e menos instrumental ainda são curtos e vagarosos. No entanto, cada passo dado é firmemente conquistado e temos a certeza de que não podemos mais voltar. Conheço dezenas de casos que comprovam isso, coisas que as atuais estatisticas ainda não mostram como a quantidade de alunos com deficiência concluindo a educação Básica, conheço na prática e no contato cada vez maior com essa parcela da população.
Há alguns anos o Conselho Nacional de Educação nos proporcionou uma grande conquista que foi a obrigatoriedade de matriculas de alunos com deficiência nas escolas comuns, ou seja, nenhum aluno poderia ter sua matrícula negada. Essa foi uma conquista colossal como dissera antes, da qual devemos nos orgulhar e lutar para manter. Isso porque, mesmo com a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, existem pessoas agindo no sentido contrário.
O deputado federal Eduardo barbosa do PSDB - mesmo partido da deputada Mara Gabrilli, relatora na câmara do Estatuto da Pessoa com Deficiência - foi autor de um decreto legislativo sustando a obrigatoriedade das escolas comuns de aceitarem alunos com deficiência. O surpreendente não foi alguém desse partido protocolar esse decreto, mas sim, que a Comissão de Educação aprovasse essa aberração.
A grande mídia sequer toca no assunto, pois muitas delas são patrocinadas por instituições de ensino que se beneficiariam com essa nova normativa. Porém, temos que nos mobilizar e não permitir que seja aprovada na Comissão de Constituição e Justiça, que se for ao plenário seja rejeitada fortemente. Tal decreto retira uma das principais conquistas que tivemos nos últimos anos, e não podemos mais retroceder ao estágio anterior.
Não sejamos hipócritas, sabemos que no dia seguinte de sua promulgação as escolas irão começar a recusar todos os alunos com deficiência nas suas escolas, dessa vez sem sequer as justificativas estapafúrdias de outrora. As instituições terão direito a escolha, que será sempre negativa, ou seja, os sujeitos com deficiência nem direito à escolha terão. Esse duro golpe pode fazer com que os alunos com deficiência voltem todos para as escolas especiais, que já não tem mais nem vagas suficientes para absorver a quantidade de alunos que serão rejeitados pelas escolas comuns.
O processo de incremento qualitativo que os alunos com deficiência tiveram ao cursar as escolas comuns serão sustados, assim como seus sonhos e suas possibilidades de inserção social balizadas em contextos inclusivos e não mais segregadores, como nas escolas especiais. Haverá a médio e longo prazo um grave retrocesso em todas as instancias da vida das pessoas com deficiência, mas nisso o parlamentar e seu partido não pensam.
Coincidentemente ou não, Eduardo Barbosa é ligado às APAEs - inclusive já foi acusado de desviar dinheiro a ser utilizado por essas entidades para seu próprio bolso e de assessores. Com a obrigatoriedade das matriculas de alunos com deficiências em escolas comuns, essas entidades têm cada vez menos alunos - e cada vez menos repasses de verba. Sustar as matriculas nas escolas comuns seria um modo de fazer com que os alunos retornassem às APAEs - assim como as verbas.
Respeito as boas intenções da maioria dos integrantes do movimento das APAEs, mas tomar essas instituições como a base educacional dos alunos com deficiência não faz mais sentido. Creio que essas entidades seguem sendo importantes como complemento à educação nas escolas comuns. Sua atuação segue ajudando muitas pessoas, mas não há mais espaço para que sejam protagonistas dessas mudanças, inclusive por suas diretrizes e metodos de ação. Atualmente, precisamos é melhorar as práticas e diretrizes das escolas comuns para torná-las inclusivas plenamente.
Por fim, o que quero dizer é que precisamos lutar de todos os modos possíveis para que esse retrocesso não siga adiante. Temos que fazer com que as escolas comuns sejam obrigadas sim a aceitar alunos com deficiência. Ninguém toma remédio amargo por vontade própria, mas se não toma, a cura não vem. O principio deve ser o mesmo e não devemos deixar com que nossas conquistas sejam solapadas por pessoas com interesses que não são o bem-estar das pessoas com deficiência.
Resumidamente, creio que TODAS as escolas devem ser obrigadas a aceitar alunos com deficiência. Por outro lado, os responsáveis por esses alunos devem ter o direito de escolher se querem ou não que seus pupilos estudem nessa modalidade de ensino. Nós passamos muito tempo fazendo apenas o que as pessoas sem deficiência permitiam que fizessemos, mas agora os tempos mudaram e temos a possibilidade de fazermos nossas próprias escolhas. Autonomia e direito à educação não se relativizam, se fazem cumprir e se luta para garantir. Façamos a nossa parte contra esse golpe nas conquistas das pessoas com deficiência, não por mim ou por você leitor, mas pelas milhões de crianças com deficiência que nesse momento têm sua educação e sua inclusão seriamente ameaçadas.
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