quinta-feira, 11 de junho de 2015

Lei Brasileira de inclusão - é apenas o começo


O dia 10 de Junho de 2015 vai entrar para a história dos movimentos de luta pelos direitos das pessoas com deficiência no Brasil. Nesse dia, foi aprovado o Estatuto da Pessoa com Deficiência – Lei Brasileira de inclusão, após mais de doze longos anos de tramitação no poder legislativo sem que a matéria fosse votada. Sem dúvidas, é a lei mais avançada e o passo mais importante dado até hoje pela sociedade brasileira no que tange aos direitos das pessoas com deficiência.
Durante todo esse tempo o projeto ficou engavetado esperando a boa vontade do Congresso Nacional, ainda que os movimentos sociais e alguns parlamentares pressionassem para que fosse apreciado e votado pelas casas legislativas. É evidente que a causa das pessoas com deficiência nunca foi prioridade para a maioria dos legisladores - nos bastidores muitos fizeram forte oposição. Afinal, acarretaria mais atribuições ao poder público e privado, e como muitos pensam apenas em seus interesses e não no bem comum seria melhor soterrar a ideia antes de germinar.
O senador Paulo Paim lutou durante anos para ver o estatuto aprovado, porém, isolado não pôde fazer muita coisa. Foi então que entraram em cena os outros dois protagonistas desse processo. A deputada Mara Gabrilli trabalhou intensa e competentemente liderando a articulação para análise e construção de um projeto de lei com viabilidade de aprovação na Câmara dos deputados.
Outro protagonista desse processo foi o senador Romário, que desde a legislatura passada quando foi deputado tinha como uma de suas principais frente de trabalho a aprovação do Estatuto, chamado também de Lei Brasileira de Inclusão. Colocou a disposição da causa todo seu poder político e o fato de ser uma carismática figura pública para transitar nos movimentos das pessoas com deficiência e agir para que fosse colocado em votação. No senado, seguiu trabalhando para que o estatuto fosse aprimorado e aprovado.
Depois de dezenas de reuniões com os movimentos sociais, de ajustes e modificações no texto final a deputada Mara Gabrilli relatou o projeto de lei na Câmara dos deputados, e depois de aprovado foi enviado ao senado. Sob relatoria de Romário, a Lei Brasileira de Inclusão foi a votação e por unanimidade foi aprovada no plenário do Senado Federal e agora segue para a sanção da Presidência da República.
           
Lei aprovada, e agora?
Ter o projeto de lei aprovado foi apenas o primeiro dos passos rumo à efetivação dos direitos. É preciso encontrar instrumentos que garantam o cumprimento do documento, desde sanções legais até a construção de uma cultura de acessibilidade que conscientize as pessoas da importância dessas e de outras medidas. Os problemas não se resolvem de uma hora para outra, mas agora temos instrumentos mais potentes e consistentes de luta.
São diversas conquistas e falar de todas aqui tomaria muito tempo, mas a principal delas reside no conceito de deficiência empregado. Antes a deficiência era entendida a partir do paradigma biomédico, e agora é compreendida como um impedimento físico de longo prazo, e as barreiras arquitetônicas e atitudinais obstruem a plena participação social das pessoas com deficiência.
Essa mudança de paradigma é muito representativa no sentido de retirar os estigmas e posições negativas quanto aos sujeitos e transferem-nas para os ambientes. Essa nova percepção sociocultural sobre a questão possibilita diferentes formas de pensar e minimizar a inferiorização dos sujeitos com alguma deficiência.
Há também a conquista de direitos muito importantes para a vida das pessoas com deficiência, como o aumento da abrangência da reserva de vagas no mercado de trabalho e ao Ensino Superior, na concessão de benefícios àqueles que necessitam dos mesmos e na ampliação da obrigatoriedade dos recursos de acessibilidade e tecnólogas assistivas no acesso à cultura, como à audiodescrição, por exemplo. 
Fortalece o direito de escolha do aluno com deficiência e/ou de sua família quanto a modalidade de educação que deseja cursar, se frequentar a escola comum ou especial, por exemplo. Tem como meta uma escola inclusiva que atenda a diferença de cada sujeito sem descaracterizar suas particularidades Além disso, as escolas públicas e privadas ficam proibidas de cobrar qualquer valor adicional dos alunos com deficiência por atendê-los.     Uma das coisas que particularmente me tocou bastante no discurso consistente e emocionado do senador Romário ao defender o projeto no plenário do Senado, foi a afirmação de que sabia que sua filha com Down tinha todos os cuidados e a estrutura necessária para seu pleno desenvolvimento diante de suas peculiaridades, mas que aquela não era a realidade da maioria.
Disse ainda, desejar que todos tivessem acesso às mesmas possibilidades que sua filha teve, pois todas as crianças com deficiência têm potencial e os mesmos direitos, que poderão ser desenvolvido com as novas conquistas proporcionadas pela lei.
Eu sempre faço questão de afirmar algo nesse sentido, de que muitas das conquistas que a mídia exalta como superação, não o são, mas sim, se trata de alguém que teve as condições adequadas de desenvolver suas habilidades. Não se pode tratar a exceção como regra, já que a maioria das pessoas com deficiência não detém os meios e a estrutura necessária para participar plenamente da vida social, e esperamos que a lei venha a mudar essa realidade.
Outra questão importante foi ver a sessão repleta de pessoas com deficiência assistindo a votação, mais do que isso, muitas pessoas com deficiência foram convidadas a participar do processo de concepção da lei, apontando os pontos de vista de boa parte das pessoas com deficiência. Esse protagonismo foi fundamental para termos uma redação que garante os inúmeros direitos contidos no Estatuto
Certamente temos muito a comemorar com esse enorme passo dado rumo a uma sociedade que respeite a diferença, no entanto, é preciso ter em conta que a batalha não acaba aqui, muito antes pelo contrário. Temos uma luta ainda mais difícil e demorada que será fazer com que a lei seja cumprida por todas as instâncias e em todas as esferas da sociedade. Serão atitudes diárias, que demandarão esforços e embates, com retrocessos e avanços. 
Seja como for, temos que batalhar para que nós e as próximas gerações de pessoas com deficiência desfrutem dessas conquistas e que possamos fazer um mundo que respeite a diferença e que ao invés de fomentar a desigualdade, opte por compartilhar com o diferente e não por inferioriza-lo. Vicejo o dia em que as lágrimas de sofrimento pela exclusão e isolamento darão lugar ao sorriso daquele que se sente respeitado e acolhido

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