quarta-feira, 23 de julho de 2014

Humildade: o que aprendi com ela



Uma das primeiras coisas que aprendi com meus pais é que na vida as pedras rolam, e um dia elas sempre caem juntas no mesmo buraco, viram areia e voam com o vento. Não importa se essas pedras tenham sido usadas para construir um palácio ou um casebre, que elas sejam preciosas ou sem valor comercial. Seja como for, sempre viram pó.
Uma das coisas que a baixa visão me ensinou foi querer sempre ter a maior autonomia possível, porém, há situações em que iremos inevitavelmente depender de outra pessoa. Necessitar do outro para caminhar em segurança não é um sinal de fraqueza e sim de força para reconhecer que é assim que a humanidade deve andar, unida e se ajudando mutuamente. É difícil para algumas pessoas reconhecer que não podem fazer tudo sozinhas, mas por mais paradoxal que seja, depender do outro é libertador.
Quando o temperamento adolescente chega – e em muitos permanece por longo tempo -, pensamos que temos o mundo aos nossos pés, que nós sempre estamos certos e que “o inferno são os outros”. Já para aqueles que se acostumaram a ter ajuda desde cedo, esse processo se dá com menor intensidade e tem prazo de validade curto.  
Talvez por isso, eu tenha aprendido desde criança a necessidade de cultivar sempre a humildade como um dos valores fundamentais em minha vida. Como eu não enxergo muito bem o rosto das pessoas, a faxineira e o dono da empresa são a mesma coisa para mim, afinal, sendo pessoas, merecem o mesmo tratamento e atenção. Sempre achei mais interessante estar no mesmo nível do que todo mundo, por que assim eu consigo olhar as pessoas nos olhos – ainda que eu deva estar bem perto para fazer isso.
Vivendo no mercado de trabalho e no mundo acadêmico, venho percebendo que esse é um valor que está se apagando, quiçá pela sociedade individualista e competitiva em que vivemos. Mas quando já pensava que humildade fosse algo ultrapassado, tive uma experiência que levarei sempre dentro do meu coração.
Dentro da audiodescrição, há pessoas  de quem sou um fã efusivo, e a professora Josélia Neves, referência mundial nessa área é uma delas. Suas ADs são vigorosas, repletas de informação e poesia. Por isso, sempre fui admirador de seus trabalhos. Já tinha conversado muitas vezes com ela pelo Facebook, no entanto, por conta de minha ida a Leiria seria a primeira vez que a veria pessoalmente.
Fui apresentado a ela no momento em que acontecia um evento onde estavam sendo distribuídas camisetas aos participantes. Depois de um abraço, ela me perguntou: Tens uma camiseta? Eu respondi: Não, ainda não. E, para meu espanto, aquela pessoa que eu tanto admiro e que me via pela primeira vez na vida, tira a camiseta que estava sobre um blusão e me entrega dizendo: fica com essa então.
Para muitos, isso parece um gesto simples, não para mim. Mais ainda, porque depois de algumas conversas e de um breve convívio, tive ainda mais certeza da grandiosidade que é o ser humano Josélia Neves. Uma profissional gabaritada e capaz de obras geniais, que conversava comigo como se eu fosse de sua família.
Não são poucas as ocasiões em que conheço gente que está apenas iniciando na carreira ou que adquire algum destaque e logo a “fama” sobe para a cabeça. Depois da experiência em Leiria, fiquei com ainda menos paciência para aturar esse tipo de gente que age com arrogância e prepotência, desses quero distância. Não desejo o mal, mas aquele que empina demais o nariz acaba caindo de traseira no chão. Pior que isso, estará tão afastado das outras pessoas que dificilmente haverá quem estenda a mão para levantá-lo.
Não quero dizer que eu seja perfeito ou um exemplo a ser seguido, contudo, uma das coisas que sempre me orgulhei é da capacidade que tenho de saber quando estou errado e que devo aprender mais e mais a cada dia. Afinal, quando a gente não tem mais nada a aprender, que graça tem a vida?
Tempos atrás, alguns amigos me falaram que eu andava reclamando demais das coisas. Ao invés de ficar bravo e colocar a culpa em alguém, olhei para dentro de mim mesmo e percebi que falavam a verdade, e que eu precisava mudar, mais para o meu bem do que para mostrar aos outros. Aceite, aprendi e desde então tenho tentado melhorar, e espero estar conseguindo. Ficar mais tranquilo tem me feito tomar decisões menos açodadas, me faz dormir melhor e ter mais o afeto e simpatia das pessoas.
Isso também ocorre no âmbito profissional, pois quem vive no meio acadêmico deve saber que a crítica faz parte do cotidiano, e é assim que tem que ser. Se eu fosse me melindrar com cada probleminha que encontram nos meus trabalhos eu não teria mais tempo para me divertir. E, é justamente isso que me encanta na academia e na audiodescrição, que eu ainda trabalho me divertindo.
Mesmo porque, ter um discurso que valorize a diferença é fácil, levar adiante isso na prática, nem todos conseguem. Entender que ninguém está acima ou abaixo, que todos temos defeitos e qualidades, isso sim é compartilhar a experiência de viver na diferença.
Ter humildade não significa modéstia em excesso, pois cada um sabe e deve valorizar as qualidades que tem. Entretanto, de que adianta ter qualidades se não souber usar? De que adianta ser bom se ninguém te quer por perto? Além disso, aquele que acha que sabe tudo, na verdade, ainda não entendeu nada.
Portanto, a humildade é uma ponte que nos liga ás pessoas e aos conhecimentos. Enquanto isso, a soberba é um enorme muro de concreto sem cor e sem brilho por onde só se vê as sombras das coisas. Não tenho raiva, nem rancor de quem não é humilde, porque quem ainda não andou por essa ponte, merece mesmo é pena e compaixão, no mais, a vida se encarrega...

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Jantando às cegas – mais do que gastronomia, uma experiência sensorial.



Demorei um tempo até escrever sobre essa experiência que vivi ainda em Barcelona. Gostaria de ter falado sobre isso a mais tempo, mas os acontecimentos foram soterrando as possibilidades de comentar sobre esse momento tão maravilhoso que eu vivi poucos dias antes de voltar ao Brasil. Mas talvez seja verdade que tudo tem sua hora, e agora urge contar sobre o Dans Le noir?, restaurante de Barcelona onde se janta ás cegas.
As associações de cegos na França promoviam, esporadicamente, jantares às escuras para sensibilizar os familiares e amigos dos seus alunos e internos sobre as dificuldades e peculiaridades da vida cotidiana dos cegos. Certamente, tendo também o objetivo de arrecadar fundos para os institutos. Mas, essa iniciativa se tornou contínua e comercial a partir de 1999, e muito rapidamente espalhou-se para outros países como Suíça, Alemanha, Estados Unidos, Argentina, Espanha e outros – no Brasil ainda nada.
Especificamente, a cadeia de restaurantes Dans Le Noir? foi fundado em 2003, tendo uma de suas filiais em Barcelona. Quando soube que havia um restaurante como esse na cidade onde eu morava, tive muita vontade de ir, mas infelizmente muitas coisas ainda me impediam.
Quase no fim de minha estadia em Barcelona, as amigas e professoras da UFRGS Adriana Thoma e Liliane Giordani foram até a capital catalã para realizar visitas técnicas e reuniões, objetivando estabelecer parcerias com a UAB nas áreas de inclusão e acessibilidade. Quando lhes comentei sobre o “restaurante às cegas” elas logo toparam a ideia, e assim, devo agradecer pelo convite e a oportunidade de estarmos juntos naquele lugar tão instigante.
O ambiente na entrada é agradável e os recepcionistas são muito simpáticos e atenciosos ao explicar os procedimentos necessários para iniciar o “evento”. A sala de espera tem decoração simples, com alguns quadros e velas, formando um ambiente muito acolhedor.
São três sessões de jantar por noite em diferentes horários, pois a capacidade da sala escura se limita em no máximo 24 pessoas. Os recepcionistas do restaurante reúnem as pessoas que participarão de uma determinada sessão, e dão as orientações básicas, perguntando a ordem em que queremos nos sentar. A partir disso, organizam uma fila de tal modo que vá uma pessoa atrás da outra e no momento em que forem conduzidas até a sala escura, estejam em posições condizentes com aquelas que apontamos.
Toda a organização e orientação é impecável, feita com muita clareza e descontração, o que ajuda a quebrar um pouco o clima de tensão que toma conta dos videntes que tem medo de não ver nada. Depois é ir para dentro da câmara escura em fila indiana, ultrapassar as grossas cortinas negras e mergulhar na escuridão completa, como quem entra em um outro mundo, para mim, até melhor que o do lado de fora.
Antes de dar mais detalhes, é preciso dizer que a cegueira NÃO é uma escuridão completa. Muitas vezes as pessoas acham que os cegos vivem presos no eterno breu, mas não é verdade, muitos percebem a luz, muitos tem um pouquinho de noção de brilho e outros enxergam cores como marrom, amarelo escuro e a mistura de todas, como é omeu caso, que vejo infinitas formas geométricas de cores brilhantes, minha cegueira é como um caleidoscópio com fundo marrom. Assim, as pessoas não vivenciam a experiência de ser cego, mas sim a de não enxergar, o que é diferente.
Uma questão interessante é que todos os garçons que atendem no restaurante são cegos. Após serem selecionados, eles recebem treinamentos específicos para conhecer o espaço em que irão servir os pratos, bem como para atender os clientes em suas necessidades como servir as comidas e bebidas ou guiar os clientes até os sanitários, por exemplo. Ou seja, por lá, os cegos é que guiam os videntes, e isso por si só é algo muito importante de ser mencionado.
No momento em que se inverte a lógica de que um cego deve ser sempre assistido, e quando um vidente se sente perdido em meio a um mundo que ele não conhece, percebe que o problema não está na deficiência, mas no conceito que temos de limitação que não ter um sentido pode nos causar. O problema não é a falta da visão, mas o fato de ficar preso a ela.
Mais do que isso, nesse momento em que as pessoas videntes se veem sem enxergar começam a se colocar no lugar do outro no sentido de tentar se acostumar, de encontrar alternativas nos demais sentidos, de sentir o mundo sem a visão, e não pelo lado do compadecimento. Ao menos na maioria das vezes, o que se nota é a percepção de que a visão é importante, mas sem ela é possível fazer quase tudo com qualidade, desenvoltura e alegria.
Conforme a Patrícia, Adriana e Liliane me comentaram, a sensação do vidente quando entra naquele ambiente escuro é inicialmente de angústia e apreensão por perderem as noções de localização e de espaço que a visão proporciona. O fato de não ter o que e para onde olhar é também uma das coisas que deixa certo incomodo no começo, da mesma forma que a dificuldade em saber como perceber os objetos que estão próximos, como os talheres, pratos e copos. Depois de algum tempo, elas me contaram terem se acostumado em estar naquele lugar e usando os outros quatro sentidos com mais intensidade e sentindo-se a vontade  no ambiente escuro, mudando a relação  que tinham com as noções de espaço, com a percepção de seus movimentos corporais e outras coisas bem interessantes. Essa nova e diferente forma de pensar a si mesmo é algo muito legal e repleto de surpresas que encontramos dentro de nós mesmos quando estamos abertos a novas e diferentes formas de ver o mundo.
Enquanto todos buscavam se acostumar ao ambiente em que não podiam enxergar, eu me sentia tão a vontade quanto na sala da minha casa. Não conhecia bem o lugar, mas em menos de 30 segundos comecei a perceber de onde vinham os sons e a descobrir mais ou menos onde estavam as paredes. Fui tocando a mesa e as cadeiras, sentindo os aromas e outras formas de me localizar, e por ter meu senso de espacialidade bem treinado, rapidamente me senti confortável.
Além disso, foi muito divertido ver as pessoas passando pelas mesmas dificuldades que eu passo cotidianamente, como saber o que está comendo, encontrar um guardanapo sem enxergar e algumas outras coisas menores. Não tive nenhum problema para comer com a mão, pois era mais fácil de pegar o alimento, muito menos para me concentrar no sabor de cada um daqueles pratos deliciosos e com variados sabores e texturas.
Foram quatro pequenos pratos servidos, sendo o primeiro a entrada, outros dois principais – um quente e outro frio – e a sobremesa. Isso tudo, regado a duas taças de vinho e uma de cava, sobre as quais muita gente se engana sobre os sabores e tipos das bebidas, confundindo seco, tinto, suave, branco e outros sabores.
Todos os garçons são cegos e a que nos atendeu se chamava Pilar, muito simpática e bem humorada, com quem logo me identifiquei. Muitas vezes as pessoas não entendem porque nós com deficiência visual nos identificamos uns com os outros e já nos sentimos quase como amigos com pessoas como nós, mas partilhamos de diversas coisas em comum, a começar por ver a vida sem o sentido da visão. Estar junto com alguém que é quase “como nós” é sempre uma sensação de “estar em casa” e é isso mesmo que senti o tempo inteiro.
Por fim, foi uma experiência sensorial como nunca tinha vivido antes, uma noite que ficará para sempre marcada na minha memória tanto pelo sabor da comida, pela simpatia do pessoal do restaurante e pelas milhões de sensações que cear às cegas me proporcionou.
Todas as pessoas deveriam participar dessa experiência ao menos uma vez, pois aprender a se colocar no lugar do outro é fundamental para viver em um mundo onde as diferenças devem ser respeitadas e saudadas como a mais bela forma de nos tornarmos pessoas melhores e mais ricas. E ainda que a cegueira não seja uma escuridão completa, às vezes é do breu que se faz a luz.

No interior do restaurante e sentados em frente a uma das mesas, no centro e da esquerda para a direita, estão Liliane, Felipe, Patrícia e Adriana. 
Ao fundo, uma parede branca com um quadro preto acima de nossas cabeças. Nele, em letras brancas e no código braile está escrita a palavra "Noir".
















sexta-feira, 20 de junho de 2014

A minha Copa do Mundo!!

Desde meus seis anos acompanho futebol com muita atenção e apreço não por torcer por algum time, mas sobretudo por gostar muito desse esporte tão encantador e emocionante. Nessa época, lá por 1988, a seleção da Holanda venceu a Eurocopa com grandes jogadores como Gullit e Van Basten, e com um excelente futebol conquistou também minha simpatia. Por outro lado, a partir da Copa do Mundo de 1990 tenho participado intensamente dos mundiais assistindo a todos os jogos possíveis. Sempre quis ver um jogo de copa dentro do estádio, mas naquela época isso parecia meramente um sonho distante, até que o dia 18 de junho de 2014 chegou.
Quando eu ainda era criança sonhava em estar no estádio participando daquela festa nem sabia bem como, mas queria ao menos uma vez entender como era estar vendo um jogo de copa do mundo. Mesmo não podendo ir a nenhuma das edições realizadas fora do Brasil,me sentia parte da copa por assistir a todos os jogos, colecionar álbuns e figurinhas dos mundiais, registrar no papel todos os placares e fichas técnicas dos jogos, e por fim, participar de diversos bolões tentando acertar o resultado das partidas, algo bem comum para muitos jovens que gostam de futebol.
O tempo foi passando, o Brasil ganhou duas copas e eu continuei torcendo para a Holanda - ainda que jogue como nunca e perca como sempre -, e mesmo depois de adulto continuei sendo um grande fã de futebol e das emoções que os mundiais de futebol proporcionam. Tudo isso começou a se tornar real quando a copa chegou ao Brasil. Nunca achei que uma Copa do Mundo em nosso país fosse uma boa ideia, bem como não acho que não fazer resolvesse as mazelas da nação.
Muita gente com visão mais limitada do que a minha que é de 10%, ainda acha que gostar de futebol e festejar esse evento no seu país é sinal de alienação. É verdade que muitos recursos foram empregados equivocadamente e pelo que notamos, com atraso e com falta de qualidade. Mas também é verdade que é tolice pensar que não fazer a copa traria saúde, educação, segurança e outras necessidades com uma varinha de condão. O mal e o bem do Brasil não são culpa da FIFA, mas de nós mesmos que não sabemos cada um de nós como fazer uma nação.
Já que ficou decidido que o mundial de 2014 seria no Brasil, eu não ficaria de fora dessa festa e tentei comprar ingresso na primeira remessa de venda, mas não fui sorteado. Tentei novamente, dessa vez sabendo que a Holanda jogaria contra a Austrália em Porto Alegre e no dia do meu aniversário, aquilo sim seria um dos maiores presentes da minha vida. Depois de alguma angústia e de reservar umas economias a mais acabei sorteado na segunda etapa e desde então me preparei para esse grande momento. Mais que isso, além de tudo ainda seria retornar a um estádio de futebol junto com meu pai, já que cada um de nós torce para um time e isso inviabilizaria ficarmos na mesma torcida se não fosse em um jogo de Copa do Mundo.
Tão legal quanto ir ao jogo, foi retomar a ideia de sair de casa com meu pai e ir caminhando até o estádio, tomar uma cerveja e comer um cachorro-quente ao sol esperando começar a partida. Isso pode~parecer uma coisa simples, mas para quem curte futebol esse é um programa e tanto ainda mais estando com seu pai junto.
Eu precisaria de mais uns vinte textos para tentar explicar o que eu senti no momento em que ingressei no perímetro reservado aos torcedores e começamos a viver todo aquele evento. A partida em si acaba sendo algo secundário perto da grandiosidade daquele espetáculo. O mais impressionante foi ver torcedores dos dois times confraternizando como se estivéssemos todos em uma festa cujo resultado do jogo seria o menos importante e apenas um pretexto para celebrar a alegria de estar junto e de partilhar culturas e experiências diferentes.
Mesmo falando um inglês bem complicado e macarrônico consegui me comunicar com muitos holandeses e australianos, até porque todo mundo entende a linguagem do sorriso e da felicidade. Foi muito legal festejar antes, durante e depois do jogo com toda aquela galera determinada a fazer de cada instante a perpetuação da alegria mesmo tendo ganho ou perdido o jogo. Foi tudo tão sensacional que houve um momento em que pensei que a minha vida estivesse resumida a tudo aquilo, como se eu não tivesse tido um passado, não fosse ter um futuro ou que existisse mais no mundo do que aquilo que eu estava vivendo. 
O jogo em si também foi fantástico, com grande qualidade técnica e muitas alternativas nos placares. Não foi nem um pouco monótono e a Holanda acabou tendo muitas dificuldades para vencer a Austrália em um emocionante 3 a 2. Foi uma partida com todos os elementos possíveis, o time que não era favorito começou na frente, depois os holandeses empataram sem que os australianos desistissem de ir para o ataque. No fim, a tradicional camisa laranja pesou e os australianos acabaram perdendo mesmo jogando melhor.
Assistimos o jogo atrás de uma bandeirinha de escanteio e do terceiro andar do Beira-Rio. Embora não fosse muito perto do campo a visibilidade era muito boa para quem enxerga bem. Para mim tanto fazia estar naquele lugar ou mais perto porque eu não veria tudo de qualquer jeito. Ainda assim, conseguia enxergar razoavelmente bem até a intermediária do gol onde eu estava, pois não via com nitidez, mas acompanhava os movimentos.Aquilo que eu não via o rádio me informava e assim eu consegui entender a tudo muito bem.
O que alguém que não enxerga faz em um estádio de futebol? eu ouvi muitas vezes essa pergunta. Se pensarem bem, mesmo quem tem visão perfeita usa seu rádio para saber o que acontece pois nem tudo se consegue ver, e o mais legal de estar em uma partida de futebol é partilhar de toda aquela sensacional energia positiva que emana, e lhes digo que nunca houve e nem haverá no mundo todo uma emoção tão impressionantemente inesquecível quanto um estádio inteiro gritando e comemorando um gol.
É por isso tudo e mais as coisas que eu não consigo explicar com palavras, que ter passado meu aniversário em um jogo de Copa do Mundo foi das maiores emoções da minha vida, momentos que nunca mais irão abandonar meus pensamentos e que poderei contar por muitos anos com a mesma alegria de quem vive cada instante cada vez que resgata as sensações de sua memória. Feliz daquele que sempre tem boas histórias pra contar, feliz eu, que faço parte dessa turma.


Foto colorida no estádio Beira-Rio. Sorridente à direita da foto. visto sobre moletom preto uma camiseta laranja com gola V da seleção holandesa de futebol. Nas mangas, duas listras pretas na vertical, e do lado esquerdo do peito e também em preto o emblema da Federação Holandesa de Futebol. Ao fundo, o campo de jogo e as arquibancadas ensolaradas com milhares de torcedores.





























quarta-feira, 11 de junho de 2014

VER COM AS MÃOS - eu faço parte!!

Há quem diga que para além do arco-íris há um mundo de felicidades e de sonhos realizados onde cada um pode encontrar seus mais profundos desejos. Pois eu descobri aonde fica. Está localizado em Curitiba, no projeto Ver com as Mãos. Tudo aquilo que eu sempre imaginei como ideal de vida para mim e outras pessoas com deficiência visual e que sempre consideraram utópico, vi se materializando na minha frente - e por todos os lados.
Desde de criança sempre gostei de artes, mas nunca fui contemplado naquilo que eu desejava aprender e sentir. Depois dos meus vinte anos, passei a entender e aceitar minha condição de deficiência e com isso veio o desejo de ajudar a crianças e adolescentes com baixa visão e cegos a terem uma trajetória menos difícil e complicada do que a minha, a sofrerem menos do que eu e fazer com que tenham mais e mais acesso à cultura. 
Quero que as pessoas se deem conta de que pessoas com deficiência visual não são só "olhos que não enxergam" ou sujeitos com um "defeito", mas sim, que somos indivíduos com um jeito diferente de entender e perceber o mundo. Mais do que isso, quebrar a ideia de que não podemos vivenciar, sentir e fazer arte, e que ao contrário do senso comum, podemos tudo isso, basta nos darem as condições adequadas e a atenção devida às nossas necessidades específicas.
Um pouco antes de entrar no doutorado, percebia que pesquisar produtos artísticos sobre/por pessoas com deficiência visual e suas possibilidades, não tinham lá a ressonância que eu imaginavam seja dentro ou fora da academia. Confesso que pensei em ir fazer outra coisa, e em meio a essa frustração momentânea a amiga Ana Zagonel me informou sobre um projeto que iniciava em Curitiba, que se chamava Ver com as Mãos
Nesse projeto, crianças aprendiam a desenhar e a fazer arte através daquilo que elas viviam e de suas formas de fazer e não daquilo que se quer que elas façam, ou seja, uma proposta inovadora que ia ao encontro de tudo que eu sempre imaginei. Percebi que eu não era o único que pensava daquele jeito e foi a principal força motriz para que eu não desistisse e acreditasse ainda mais nas ideias que tenho. Desde então eu sempre comentei e fiz questão de divulgar esse projeto tão sensacional.
Por uma série de desencontros de agenda, só tive a chance de conhecer pessoalmente o Ver com as Mãos essa semana. Por conta da exibição do curta-metragem Tereza e Tereza, no qual a Tagarellas fez a audiodescrição, passei 3 dias em Curitiba, e uma tarde no projeto situado e vinculado ao Instituto Paranaense de Cegos. Dentre tanta gente legal que conheci, como a Lilian e o Guilherme Biglia (diretor do filme), pude encontrar minha amiga Diele, idealizadora e coordenadora dessa iniciativa tão especial.
Sempre acompanhei cada passo do projeto, desde seu inicio até sua ampliação para outras áreas como as oficinas de música, de comunicação, de design e outros caminhos seguidos para fazer crescer a inserção e a produção de arte pelos alunos cegos e com baixa visão. Cada visita ao museu, cada apresentação artística, cada evento eu lia os relatos e via as fotos com uma felicidade sem tamanho por ver a alegria daquela garotada.
Lembro da minha infância e de como ficava triste pela falta que me fazia estar incluído nas atividades de arte, seja na escola ou fora dela. Talvez por isso, quando participo - como realizador, pesquisador ou público - de atividades culturais onde há crianças cegas e com baixa visão minha emoção se torna ainda mais intensa ao perceber que muitos deles não irão passar pelo que eu passei, e terão certamente um futuro feliz e repleto de desejos e sensações proporcionadas pela arte e pelas possibilidades de perceber o mundo trazidas com ela.
Mas, entender como as coisas funcionam nunca é igual a estar junto e ver acontecer presencialmente. No dia 10 de junho, convidado pela Diele, tive a chance de passar uma tarde na sede do Ver com as Mãos e em contato direto com os alunos. Embora eu tivesse sido chamado lá para falar, eu queria mesmo era ouvir tudo que aquela meninada tinha para me contar sobre suas vidas e sobre o que eles sentiam participando desse revolucionário projeto.
Primeiramente, Diele, Amanda e Kamila - as duas últimas, colaboradoras do projeto, mas não menos especiais - me deixaram muito a vontade, mais ainda quando comecei a conhecer os alunos e ver que estava "entre os meus iguais", ou seja, junto com a gurizada cega e com baixa visão eu me senti em casa e acolhido por toda aquela energia positiva que inundava o ambiente. Só em estar ali já me sentia feliz, mas o melhor estava por vir.
Conforme pedido pela Diele, os alunos organizaram uma apresentação do projeto e começaram a contar como eles se sentiam fazendo parte daquele grupo. Foi naquele instante que meu coração quase explodiu de alegria. E mesmo hoje passado um tempo desde que vivi tudo aquilo, ainda rolam umas lágrimas faceiras. Fiquei sabendo das atividades que desenvolviam e como eles entendiam tudo  que estão fazendo, envolvendo todas as artes e demais conhecimentos que os inserem socialmente, não pelo viés daquilo que não consigam fazer, mas por conta de suas capacidades e habilidades.
A cada relato eu me emocionava mais e mais ao ver o quão importante o projeto é para a vida de cada um daqueles jovens que adquirem conhecimento, e mais do que isso, confiança, consciência, amor pela arte, amor pela vida e vontade de lutar e contrariar o pessimismo alheio. Pude notar a felicidade e a postura convicta de cada um deles no sentido de ter a certeza que a arte e a cultura podem mudar suas vidas, que podem ir além do que muitos esperam, que podem ser tudo aquilo que eles querem, desde que acreditem. 
O que eu lhes disse de principal em nossa conversa eles já sabiam antes mesmo de eu falar, que e sempre duvidar de quem não acredita neles, de não aceitar ou se conformar quando alguém diz que eles não podem fazer algo. Fico pensando como seria bom se todos os jovens cegos e com baixa visão pensassem como eles e tivessem as mesmas oportunidades. É por isso que eu luto, é por esse motivo que eu misturo suor e lágrimas, é essa a razão que me faz acordar com mais força a cada dia.
Nem que eu escreva sobre isso continuamente pelo resto da minha vida irei conseguir expressar toda a minha felicidade por tudo aquilo que aprendi com aquela galera. Foi uma tarde que eu lembrarei com carinho até o dia em que meus olhos se fecharem definitivamente, pois cada um deles, cada uma de suas histórias tem um lugar guardado no fundo do meu coração. 
Parabéns Diele, por criar e coordenar algo tão sensacional e importante, estendo a saudação para Amanda e kamila. O Ver com as Mãos já é do mundo, transbordou o tempo e o espaço diante de toda sua magnitude. Como pesquisador, posso afirmar que já investiguei sobre iniciativas com essas temáticas nos quatro cantos do mundo e jamais encontrei algo parecido. Por questão de justiça, o projeto merece todos os incentivos, elogios prêmios possíveis. Se algo semelhante fosse feito em outros países da Europa e Estados Unidos, não tenho dúvidas de que haveria uma fila de gente querendo contribuir, e que já teriam recebido todos os troféus possíveis e imagináveis.
Enfim, obrigado a todos do Ver com as Mãos por mostrar que tudo aquilo no que acredito é possível de se realizar e por fazer tantas e tantas pessoas felizes. Contem comigo sempre, já que conforme diz o slogan da camiseta do projeto - que fiquei muito feliz em ganhar -: EU FAÇO PARTE!!!

Foto com os alunos e professores do Ver com as Mãos.













Selfie em preto e branco. Estou sorridente na parte superior da foto. Na parte central e também sorrindo, da esquerda para a direita, Diele, Amanda e  Kamila.
















domingo, 25 de maio de 2014

O cavaleiro cego



O cavaleiro cego.
Viu que o mundo era maior,
Do que sua prosaica província.
Decidiu que era hora de ultrapassar fronteiras.
Fez da bengala sua espada,
Agarrou sua princesa,
E galopou rumo ao desconhecido.

Queria desbravar cada canto do universo.
Encontrar para tudo um novo sentido.
Que não fosse um dos quatro que ainda lhe restavam.
Sentido que se procura em tantos lugares.
Mas está dentro de cada um.

O cavaleiro cego.
Fez o caminho inverso de seus antepassados.
Munido de perseverança e bravura.
Chegou a terras da Catalunha.

Pedido por las calles, se encontrou de verdade.
Tocou e abraçou a felicidade.
Descobriu que a igualdade é uma quimera.
No lugar onde o amor a diferença impera.

O cavaleiro cego
Tido como o Quixote do escuro,
Com ideias utópicas e absurdas.
Teve a redenção no eldorado.
Vivendo onde era acolhido e respeitado.

Por mais venturosa que fosse a jornada.
Tinha que voltar para casa.
Ainda precisava cumprir a nobre missão.
De contar à nação bengalante
Que após a luta sempre há um futuro cintilante.

O cavaleiro cego.
Notou que chegara a hora de voltar.
Celebrar aventuras e lembranças.
E toda saudade trazida na carruagem.
Porque voltar é sempre a melhor parte da viagem.



sexta-feira, 16 de maio de 2014

A importância da audiodescrição na inclusão das pessoas com deficiência visual

A Organização Nacional de Cegos do Brasil - ONCB, em atendimento a uma constante demanda apresentada pelas associações afiliadas, promoverá, por meio de uma ação conjunta entre suas secretarias de comunicação e acessibilidade e ajudas técnicas, no dia 24 de maio próximo, das 19:00 às 21:30, o Seminário online: A Importância da Audiodescrição na Inclusão das Pessoas com Deficiência Visual. O evento ainda conta com a parceria do Mundo Cegal que irá fornecer a estrutura técnica para a sua realização, bem como transmiti-lo na íntegra por meio de sua web rádio ( para ouvir acesse: http://www.mundocegal.com.br/radio).
O objetivo desse primeiro evento de uma série que ocorrerá em espaço virtual, é difundir conhecimentos e trocar experiências, além de promover um debate sobre o assunto em tela, no afã de concorrer para formação de maior consciência acerca dos direitos e deveres da pessoa com deficiência visual, para além de ampliar a atuação desse seguimento nos espaços de participação social, em condições de intervir com qualidade, apresentando defesas consistentes no exercício da construção coletiva de uma sociedade mais inclusiva.

Programação
Sábado, 24 de maio de 2014
  • 19h00 - Breves instruções de como ocorrerão os trabalhos;
  • 19h05 - Abertura solene com o presidente Moisés Bauer Luís;
  • 19h20 - Início dos trabalhos, que serão coordenados pelo Secretário da Secretaria de Acessibilidade e Ajudas Técnicas, Beto Pereira;
  • 19h30 - Palestra: Projeto de lei do estado de Santa Catarina para garantir a audiodescrição em todos os eventos estaduais realizados por aquele ente da federação. Palestrante: Jairo da Silva, presidente da Federação Catarinense de Entidades de e para Cegos e da Associação Catarinense para a Integração do Cego;
  • 20h00 - Palestra: Audiodescrição - Histórico, legislação e perspectivas. Palestrante: Paulo Romeu Filho, assessor da Secretaria de Acessibilidade e Ajudas Técnicas da Organização Nacional de Cegos do Brasil;
  • 20h30 - Palestra: Por quê e para quem fazer audiodescrição. Uma ferramenta de inclusão indispensável em diversos contextos. Palestrante: Felipe Mianes, audiodescritor consultor, mestre e doutorando pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e sócio da Tagarellas Audiodescrição;
  • 21h00 - Espaço para perguntas;
  • 21h30 - Encerramento dos trabalhos.

Fonte: Mundo Cegal

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Redes sociais e as (in)verdades absolutas



Nós últimos dez anos o Brasil – e o mundo – tem vivido a febre das redes sociais. Tudo começou com o “falecido” Orkut, e dai em diante outras tantas foram surgindo. Apesar de todos os benefícios, muitas coisas ruins vieram junto, como a crença de que tudo que está postado representa a verdade inequívoca, o que na maioria das vezes não condiz com os fatos, como no lamentável caso em que uma moça inocente foi linchada e morta brutalmente por ser confundida com uma sequestradora de crianças.

Não é de hoje que me interesso pelos estudos sobre as redes sociais, já que minha dissertação de mestrado foi sobre as narrativas de pessoas com deficiência visual no Orkut. Durante dois anos entrava quase diariamente no site para abastecer minhas pesquisas e para meu uso pessoal, afinal em 2009 e 2010 era um dos mais populares sites de relacionamentos. Lá podíamos encontrar velhos amigos, ampliar contatos profissionais e fazer novas amizades.

Para mim, era mais do que divertimento, era meu trabalho e isso me fazia mais do que participar, refletir e estudar sobre aquele novo fenômeno de interatividade. Naquela época – a nem tanto tempo assim – Era mais comuns que as comunidades criadas fossem mais claras e objetivas quanto a suas ideias, que eram muitas vezes odiar ou amar a algo, mesmo que sem motivo aparente.

De maneira geral, não parecia haver a tentativa de tornar uma postagem uma verdade absoluta dos fatos, já que de algum modo as pessoas ainda não haviam incorporado uma ideia de que vida e rede social era a mesma coisa. O Orkut se foi e surgiram outras redes mais abrangentes em seu lugar, como Facebook e Twitter. Coincidência ou não, enquanto essas redes emergiam, os modos como os brasileiros lidavam com esses sites foram se transformando até chegar ao quadro que temos atualmente.

De ambientes onde se priorizava a interação entre as pessoas e o entretenimento dos usuários, pouco a pouco, já na “Era Facebook” começaram a surgir um número cada vez maior de usuários cujo intuito principal é a exposição de suas ideias e conceitos políticos e sociais, por exemplo. A parte boa disso tudo é que muitos jovens tem reaprendido a articular e a participar de movimentos sociais, vide os protestos de Julho de 2013, que para o bem ou para o mal, mexeram um pouco com a acomodação nacional.

O lado ruim disso tudo, é que a imensa maioria desses “novos militantes” passaram a ter uma ideia um tanto distorcida da realidade. Para essas pessoas basta “curtir” ou “compartilhar” uma postagem de protesto e em um passe de mágica tudo vai se resolver. Mais ainda, acham que criar ou participar de eventos virtuais, disseminar conteúdo e ideias de contrariedade ao sistema vão por si só dar conta de todos os problemas.

Em minha opinião, isso não resolve muita coisa, já que tudo aquilo que se diz em um dia, no outro virou mera poeira cibernética, e ninguém mais se recorda do que aconteceu, em tempos onde o efêmero predomina, o mais difícil não é pôr fogo, é mantê-lo aceso. É tolice achar que você vai mudar o mundo só escrevendo algo sentado em uma cadeira confortável em frente ao computador, é preciso bem mais do que isso. .

Não estou querendo ser o dono da verdade, mesmo porque durante algum tempo eu mesmo tomava essas atitudes. Logo que passei a utilizar o facebook, reivindicava e reclama de tudo aquilo que eu entendia problemático, desde a desigualdade social, até o buraco na calçada da minha rua. Obviamente, o mundo não ficou melhor por conta das minhas reclamações, a única coisa que aconteceu, foi que eu me tornei igual a todo mundo, só criticando tudo e ganhando a fama de resmungão.

Ficar postando conteúdo de protesto e bradando contra o que está errado ou reclamando de qualquer coisa do cotidiano virou moda, e como sempre preferi mais a contracultura e o lado contrário do fluxo, achei que estava na hora de tentar outras alternativas. Não que hoje eu não reclame, mas penso umas mil vezes antes de fazer isso. Não só posto coisas, mas tomo atitudes concretas para viabilizar as coisas nas quais eu acredito. Enfim, eu deixei o conforto de casa e fui a luta.

Por tudo isso, as pessoas acham que as redes sociais são como “realidades paralelas” onde você pode dizer o que quiser, no momento que achar a adequado e sem se importar se irá atingir diretamente os sentimentos ou o patrimônio de alguém.

É cada vez maior a quantidade de xingamentos, de linchamentos morais, de manifestações racistas e preconceituosas, feitas na maioria das vezes por quem sempre teve essa opinião e encontrou no pretenso anonimato das redes um cenário ideal para proliferar suas imbecilidades.

Muitos desaprenderam ou nunca souberam o que é discordar de outra pessoa apenas utilizando argumentos concretos e sem partir para o lado pessoal, discutir ideias e não pessoas, debater conceitos sem atingir a honra de outrem sem que haja provas. Talvez porque mais fácil do que ter ideias qualificadas seja desqualificar o outro.

Contudo, por mais que doa na alma esses tipos de xingamentos e de mentiras ditas a seu respeito, tudo é tão passageiro que em menos de uma semana tudo é esquecido e a ferida cicatriza. O pior é quando tudo isso transborda o terreno virtual e apunhala em cheio a integridade física de alguém, como já ocorreu tantas vezes.

Como disse antes, algumas pessoas leem um notícia na internet e a disseminam nas redes sociais como se fosse a maior de todas as verdades. Nisso, outra pessoa que te segue compartilha de sua ideia e reproduz o conteúdo e assim a coisa se espalha com uma rapidez incontrolável.

Muitos sabem que a informação não é verídica, mas como querem se tornar populares por motivos comerciais ou de vaidade mesmo, postam sem se importar com as consequências que um ato impensado pode ter na vida daquele que está em questão.  Afinal, a popularidade nas redes sociais é um fator tão almejado que muitas vezes supera qualquer limite ou princípios de valores éticos que uma pessoa possa ter – ou não.

Você se torna mais popular quando xinga alguém ou algo, quando compartilha conteúdo onde a violência está explicita seja a favor ou contra, do que quando escreve um texto literário ou compartilha um poema ou evento cultural, por exemplo. Sendo claro, muitas pessoas querem mesmo é ver sangue, e o pior, é que cada vez mais elas conseguem.

Embora esse não seja um fenômeno exclusivamente das redes sociais, a ideia de fazer justiça com as próprias mãos encontrou nelas o terreno ideal para se proliferar descontroladamente. Cada vez é maior a quantidade de denúncias e da criminalização de pessoas através desses meios. Muitos têm consequências menos graves, mas é assustador o aumento daqueles que acabam consumando as ameaças.

Ano passado, aconteceu um fato que me deixou perplexo e reflexivo por um longo tempo. Uma página do Facebook apresentou o retrato falado de uma  mulher que estaria sequestrando crianças. Quase instantaneamente alguém “identificou” de quem se tratava, e logo espalhou a notícia sobre quem seria a criminosa.

Um grupo se juntou, e como um conselho de sentença arbitrário, julgou e condenou sumariamente a moça. Entraram em sua casa e as agressões começaram de modo abrupto e intenso, sem que ela tivesse a mínima chance de dizer sequer uma palavra ou saber porque estava apanhando. Foi arrancada da residência e arrastada pelas ruas enquanto a violência brutal continuava sob aplausos e com o aumento de agressores. Depois de tanto cansarem de bater e vendo que a mulher parecia morta, ainda a jogaram em um córrego.

Se é verdade que eu reclamava de tudo pelo Facebook, uma atenuante tenho, jamais fui atrás de notícias perigosas como essa, jamais achincalhei alguém sem ter provas, e nunca estimulei a violência de qualquer tipo. Também era a favor da pena de morte, desde que antes da execução houvesse um julgamento justo, com direito a defesa e com a necessidade de provas cabais.

Como falar em justiça em um país com o judiciário que temos? Como confiar em justiça com uma sociedade doente que temos? Não, acho que ainda não podemos fazer isso, embora eu ainda ache que uma pessoa que comete crime hediondo deve ser isolada para sempre do convívio social.

Mas o que essas pessoas fizeram foi de tamanha estupidez, que sequer deixaram a vítima se defender, sequer perguntaram ou tentaram ver se a informação era correta, e antes disso já saíram batendo. Eu confesso ter ficado triste, perplexo e refletindo: E se fosse a minha mãe? A que ponto chegou a nossa sociedade? Onde vamos chegar com tudo isso? O que me angustia é não ter respostas para nenhuma das perguntas.

Seja como for, a vida dessa pessoa e de outras que se foram por conta da exposição e das mentiras contadas nas redes sociais. É preciso que alguém seja responsabilizado quando posta uma informação desse tipo, mas em minha opinião, quem “curte” e/ou “compartilha” deveria ser responsabilizado na mesma medida, por ter aceitado e disseminado passivamente informações que podem atentar contra a moral e a integridade física de outrem.

Não é mais aceitável que as redes sociais sejam usadas como espaços em que tudo é possível, principalmente, quanto a divulgação de informações e ideias que afrontem os Direitos Humanos, e isso não é censura, mas respeito ao outro. Enfim, algo precisa ser feito e eu comecei fazendo a minha parte, repensando a minha vida e os meus conceitos, sugiro ao leitor fazer o mesmo, pois um dia, de estilingue você pode passar a ser a vidraça.