Lívia Maria
Villela de Mello Motta é professora doutora em Linguística Aplicada e Estudos
da Linguagem pela PUC de São Paulo, com parte de seu doutoramento feito na
Universidade de Birmingham, Reino Unido. Foi professora e coordenadora de
cursos de graduação, extensão e pós-graduação. Trabalha como audiodescritora e
professora de cursos de audiodescrição desde 2005, implementando o recurso em
peças de teatro, filmes, óperas, espetáculos de dança, eventos sociais,
religiosos e acadêmicos. Foi consultora do MEC/UNESCO e criadora do site/blog: VER COM PALAVRAS: www.vercompalavras.com.br e www.vercompalavras.com.br/blog
Organizou junto
com Paulo Romeu Filho o primeiro livro brasileiro sobre o tema: AUDIODESCRIÇÃO: TRANSFORMANDO IMAGENS EM
PALAVRAS, e os dois Encontros Brasileiros de Audiodescrição.
1 -
Como você se tornou audiodescritor? Que importância a audiodescrição tem na sua
vida?
Lívia: A audiodescrição foi entrando e ocupando
espaço, gradualmente, em minha vida profissional. Hoje, posso dizer que
trabalho full time com audiodescrição
nos mais diversos gêneros de espetáculos e produtos audiovisuais, além de
descrição de livros didáticos e paradidáticos, cursos de preparação de
audiodescritores e cursos para professores sobre o uso da audiodescrição na
escola como ferramenta pedagógica.
A primeira vez que ouvi falar sobre o
recurso foi em 2003, quando estava fazendo parte do meu doutorado na
Universidade de Birmingham, no Reino Unido. Ao visitar uma loja do RNIB - Royal National Institute of the Blind,
em Londres, chamou minha atenção os vários títulos de filmes com video description; na época, um maior
número de vídeos em VHS do que em DVD. Fiquei fascinada, busquei mais
informações e comprei um livrinho sobre video
description.
É bom lembrar que desde 1999, que eu já
trabalhava com pessoas com deficiência visual, ensinando inglês, o que motivou
minha entrada no programa de doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem da PUC de São Paulo para pesquisar e desenvolver esse tema: o ensino-aprendizagem
de inglês para alunos cegos e com baixa visão na perspectiva da teoria da
atividade. Penso que esse contato mais estreito com pessoas com deficiência
visual foi essencial para a minha formação em audiodescrição, minha motivação
em aprender, em conhecer mais.
De volta ao Brasil, dei início ao estudo
sistemático sobre o recurso, principalmente, porque aqui já se começava a falar
sobre ele. Fiz minha primeira audiodescrição para minha amiga e na época minha
aluna de inglês, Jucilene, que precisava assistir a um filme para um trabalho
na faculdade.
Também participava ativamente do Grupo
Terra, criado por Isabela Abreu e Ricardo Panelli, grupo que incentivava a
inclusão de pessoas com deficiência visual pelo contato com a natureza, no qual
percebíamos, a cada dia, a importância da descrição e incentivávamos sua
prática. Desenvolvemos, eu e Isabela, em 2005, um projeto para o Instituto
Vivo, de inclusão cultural para o Teatro Vivo, que já dispunha de aparelhos de
tradução simultânea, o qual foi o embrião de um grande projeto de
acessibilidade cultural que durante 6 anos implementou, sistematicamente, ações
de acessibilidade comunicacional no Teatro Vivo, principalmente, e em muitas
outras cidades e estados brasileiros. Uma oportunidade fantástica de crescer
como audiodescritora, de fazer a audiodescrição de muitas e muitas peças de
teatro, filmes e óperas, muitas óperas. E poder aproximar as pessoas com
deficiência visual das artes cênicas, do mundo dos espetáculos, tornar a
audiodescrição conhecida de muitos.
Tenho estudado e trabalhado com os mais
diversos gêneros de espetáculos e produtos audiovisuais, e pretendo
desenvolver, em breve, meu projeto de pós-doutorado sobre a audiodescrição em
espetáculos de dança.
2 – Na
sua opinião, o que a AD representa para seus usuários? O que pode provocar na
vida dessas pessoas?
Lívia: Eu sempre digo que a audiodescrição é a arte
de transformar imagens em palavras, o que abre muitas janelas de mundo e para o
mundo para as pessoas com deficiência visual. O recurso permite o acesso à
cultura e à informação em igualdade de oportunidades. É assistir e poder
entender, discutir, conversar a respeito, criticar, apreciar o produto
audiovisual. A grande maioria das pessoas com deficiência visual não assiste a
filmes, peças ou outros espetáculos com frequência, principalmente, pela falta
de acessibilidade. Ir a uma peça de teatro ou a outro espetáculo e sair de lá
com a incômoda sensação de incompletude, acaba afastando a grande maioria.
A audiodescrição traz inúmeros benefícios
para os seus usuários, além da inclusão cultural, social e escolar, e a
proximidade com as artes, é um instrumento que desperta a curiosidade para
determinados temas, a vontade de estudar, pesquisar, conhecer mais; permitindo
que o indivíduo estabeleça e construa ligações, contribuindo, dessa forma, para
o processo de aprendizagem. Quanto mais as pessoas com deficiência participarem
das atividades sociais, escolares e culturais em igualdade de oportunidades ou
seja, com acessibilidade, mais poderão se inserir na sociedade como cidadãs.
Tenho percebido que quando as pessoas com
deficiência visual experimentam assistir a um espetáculo ou a um produto
audiovisual com audiodescrição, elas já não querem mais ficar sem o recurso.
Percebem a riqueza de informações, os muitos significados que estão presentes
nas imagens, nos cenários, nos figurinos, na iluminação, no deslocamento da
câmera, na troca de olhares sem palavras.
3 –
Quais as maiores dificuldades e quais as maiores alegrias em ser audiodescritor?
Lívia: A maior alegria para mim é poder perceber a
emoção que vem pelas palavras. Repito aqui o que eu disse na abertura do 2º
Encontro Nacional de Audiodescrição, realizado em Juiz de Fora, em dezembro de
2012: Para um audiodescritor, não tem
coisa melhor do que poder ouvir as risadas conjuntas da plateia se deliciando
com determinadas cenas ou observar as faces emocionadas, alguma lágrima teimosa
que escorre pelo canto do olho do espectador. É nesse momento que entendemos o
poder das palavras que traduzem a beleza ou a rudeza das imagens, a sutileza
das expressões fisionômicas, do gestual e de tantos outros detalhes. É nesse
momento também que percebemos a nossa responsabilidade como profissionais da
audiodescrição.
As dificuldades que encontramos referem-se,
muitas vezes, ao pouco conhecimento sobre as especificidades da audiodescrição
por quem contrata o serviço ou pelas empresas de locação de equipamentos. Mesmo
com o cuidado de informar, passar detalhes importantes antes dos eventos, ainda
nos deparamos com algumas situações que acabam interferindo na qualidade do
trabalho.
4 - Você
concorda com a ideia de que a AD, mais do que informar, deve proporcionar que o
usuário usufrua e sinta as sensações do que é descrito? Você acredita que a
audiodescrição além de um recurso de acessibilidade seja também uma produção
cultural?
Lívia: Sem dúvida, a audiodescrição é um
instrumento que possibilita a experiência estética, a fruição da arte e, para
isso, é necessário que o texto descritivo esteja em harmonia com a obra, com o
gênero, usando a terminologia adequada. Cada produto, seja ele uma exposição,
peça, filme ou evento, exige do audiodescritor, estudo e pesquisa, um
verdadeiro mergulho, que permita um conhecimento profundo da obra.
5 –
O mundo está cada vez mais visual, e se levarmos em conta que a visualidade é a
matéria-prima da audiodescrição, ainda há muito a ser explorado nesse campo.
Junto a isso, temos a ampliação e difusão dos produtos e políticas culturais
para acessibilidade por parte dos governos e da sociedade civil. Diante desse
cenário, quais desafios você acha que devem ser enfrentados para expandir a
audiodescrição, tanto em quantidade como em qualidade?
Muito já caminhamos, considerando que a
audiodescrição é uma prática nova no Brasil, com apenas 10 anos da primeira
apresentação com o recurso. Já foram muitos e muitos filmes, peças de teatro,
óperas, congressos, seminários, exposições, espetáculos de dança, missas,
eventos sociais tais como casamentos, chá de bebê, exame de ultrassom e até um
parto, tudo isso com audiodescrição, formando uma plateia nova, de espectadores
cada vez mais ávidos por produtos acessíveis. Mas, ainda precisamos de
políticas públicas que determinem a obrigatoriedade do uso do recurso em
teatros e outros espaços culturais, além da ampliação do número de horas na
televisão. E outro aspecto importante para garantir a qualidade da
audiodescrição brasileira, refere-se à formação dos audiodescritores: que sejam
implementados cursos de longa duração, de pós-graduação, de aperfeiçoamento, e
não somente cursos de extensão, como os que têm sido oferecidos até hoje, e que
não são suficientes para a formação efetiva de audiodescritores.
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Entrevista: Felipe Mianes
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