quarta-feira, 27 de março de 2013

Superação, não obrigado!

Não estou aqui para julgar comportamentos individualizados, ou mesmo para determinar o que é ou não o correto. Não me considero dono da verdade, mas um sujeito que procura ver as coisas sempre por um ponto de vista diferente. Mas, não sou dos que esconde as próprias opiniões, sou dos que se responsabiliza por todas elas. Começo dizendo isso por saber que muita gente vai discordar do que escreverei abaixo, inclusive pessoas muito próximas a mim, mas... estamos aqui é para provocar e não para concordar.
Muito por conta do políticamente correto e de suas nocivas influências na sociedade, associado a uma inegável boa vontade da maioria das pessoas em exaltar um ato considerado grandioso de alguém com deficiência - pode ocorrer em outras minorias também, mas me refiro a esse grupo em específico -, lançammão do surrado clichê da superação.
O principal significado da palavra remete a uma ideia de ir além daquilo que se espera, de ultrapassar limites impostos por uma ou mais condições, de inferioridade, que acabam por ser vencidas. Assim temos um desenho mais ou menos claro do que significa a tão decantada superação. Permitndo-nos ter uma noção daquilo que se atribui aos que são "premiados" com esse sentimento e com esse termo.
Estou aqui refletindo sobre algo que vivencio cotidianamente, poderia mesmo falar sobre outras pessoas, pois como pesquisador me vejo com propriedade para tecer comentários sobre um panorama mais ou menos estabelecido como padrão. Contudo, permanecerei usando exemplos que me dizem respeito ou que são comuns para a maioria das pessoas com deficiência.
Quando conseguimos coisas até corriqueiras ou tidas como nem tão dificeis para pessoas consideradas normais, tais como ter um emprego, passar no vestibular, ser aprovado numa seleção de mestrado ou doutorado, ter sucesso profissional, ser um sujeito talentoso naquilo que faz e outras tantas coisas. Seja como for, o sucesso de cada um de nós é sempre motivo de alegria e satisfação acima da média para muitas pessoas.
Muita, mas muita gente, ao invés de elogiar alguém com deficiência por sua capacidade, por seu talento, por sua dedicação, disciplina e outras caracteristicas que de fato são dignas de menção com honra, preferem privilegiar a "superação do problema". Fazem isso como se a deficiência fosse um impeditivo ou um impecilio para muitos de nós. De fato é, mas será que a defici~encia deve sempre estar a frente do sujeito?
Eu por exemplo, só estudo doutorado em Educação, não apesar da deficiência visual, mas sim, por causa dela. Ou seja a baixa visão me fez ter vontade, estimulo e interesse pelos estudos nesse campo, e por isso não a vejo como inimiga mas como principal responsável pelo patamar que ocupo.
Dificuldades e mazelas que tornam nossas trajetórias sempre mais dificeis do que se poderia desejar são parte de todas as pessoas, cada uma com as suas situações que devem ultrapassar ou os fardos que tem a carregar. Oras, se a vida fosse fácil seria muito chata e careta. Ninguém alcança o cume de uma montanha  sem esbarrar nas pedras no meio do caminho. E, por caso, a maior parte dessas pessoas recebem o "troféu Superação"? Não.
Para muitas pessoas com deficiência essa história de ser exaltado como alguém que superou seus limites é algo benéfico, que aumenta a autoestima e traz uma agradável sensação de inclusão e aceitação. O que fico me perguntando é se tanto as pessoas com deficiência quanto aquelas que "exaltam" a superação já pararam para pensar a questão por outra perspectiva, essa bem menos doce e "polianica".
A maioria das representações e estereótipos que circulam sobre as pessoas com deficiência dizem respeito a sua incapacidade, ou a um "problema" que limita a expectativa de muita gente sobre nós. Será que as pessoas acham que a gente tem que ficar em casa trancado esperando a banda passar? Ou será que duvidam que possamos conseguir coisas maiores do que saber ler e escrever? Fato é que ainda existe uma expectativa muito baixa diante dos resultados que podemos atingir, e isso faz com que até uma mínima conquista de objetivo se torne motivo para um desmedido carnaval da superação.
Lembrem-se de uma coisa singela, supera-se aquele que vai além dos limites esperados, de quem se considera que pode fazer pouco ou nada. A superação está no olhar daquele que faz a afirmação e não na percepção daquele que o fez. Eu nunca direi que uma pessoa com deficiência se superou, seja lá o que ela tenha feito, sabem por qual motivo? É que eu nunca espero menos ou sou descrente do potencial que nós podemos ter. Eu nunca duvido que alguém com deficiência possa chegar onde deseja, afinal, eu sempre acredito no talento e na qualidade desses individuos.
Por outro lado, a superação é também uma retórica da pseudoinclusão que temos por ai...  eu digo que alguém se supera pois não espero nada da pessoa, por consequência, estou dizendo também que a deficiência é um obstáculo a ser vencido e não uma caracteristica do sujeito, é algo que deve ser escamoteado ao máximo, para que pareça normal.
Quando as pessoas dizem que eu me superei por estar fazendo doutorado, conscientemente ou não, o que estão dizendo é que APESAR da deficiência eu consegui, e que a minha baixa visão é algo ruim, uma coisa que dificulta minha vida, o que é uma inverdade. Mais ainda, pelo fato de fazer o doutorado, eu "venci" a deficiência e ATÉ  tenho direito de ser considerado um pouco mais perto da normalidade.
Mesmo assim, por mais que possamos nos "superar" sempre ficará impregnada a marca da falta, da incapacidade e da anormalidade em todos nós. Digo isso, pois embora não se admita a superação é também uma forma de dizer que chegamos perto da normalidade fazendo sempre o máximo esforço para tal, mas... nunca chegaremos lá. Seremos sempre os "quase", que quase se tronaram normais de tão bons, os que quase são perfeitos, os que quase são como nós... Eu gosto sempre de usar a figura do café com leite, que é mas não é, que está mas não está. É assim que me sinto em relação a superação.
Não quero des desculpado ou isentado dos meus erros por causa da deficiência, mas quando tiver algum êxito quero que seja pelo meu próprio talento e não que se diga que a baixa visão faz de mim um herói. Não sou um fênomeno, apenas aproveitei as oportunidades que com meu esforço - e alguma qualidade - tive competência para aproveitar.
Não acho que me superei, pois eu sempre acreditei no meu potencial, e sei que posso ir ainda muito mais longe. Mais do que isso, é assim que penso sobre todas as pessoas com deficiência, que elas podem ir muito mais além do que elas mesmas imaginem, afinal, nós temos um pequeno universo a nossa disposição.
 
  

2 comentários:

  1. Gostaria de colocar esse texto no blog: http://acessibilidadenosmuseus.blogspot.com.br/
    ( blog da RAM, Rede de Acessibilidade nos Museus)
    Parabéns pelo texto, muito bem-vindo para as questões de acessibilidade.

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  2. Bem elucidativo esse olhar sobre o termo superação! Gostei!

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