terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Bengalando em Barcelona (audiodescrição da peça Iaia)

Através de um projeto chamado Teatro Acesible,  que conheci por meio de pesquisas e conversas realizadas na Universitat Autonoma de Barcelona onde estudo, tive acesso ao calendário da temporada de 2014 das peças teatrais com audiodescrição na capital catalã. 
A obra que fui assistir no dia 18 de janeiro foi realizada no Teatro Romea. O local fica situado no bairro Raval, um dos mais tradicionais e históricos da cidade. Há uma linha de metrô e algumas de ônibus que passam a cerca de uma quadra dali. Embora as estações de metrô tenham boa sinalização e piso tátil, o mesmo não pode ser dito das ruas que devem ser percorridas para chegar ao destino.
Uma pessoa cega não conseguiria ir sozinha, e uma com baixa visão teria algumas dificuldades, mas nada muito grave. Contudo, como sempre, fui acompanhado de minha esposa que está quase sempre comigo nas visitas e participações nesses eventos, e além de companhia agradável me ajuda muito na acessibilidade aos diferentes locais.
Dentro do teatro, como há grande aglomeração de pessoas é um tanto complicado circular, mas o espaço é acolhedor assim como os atendentes também o são. O Romea é muito bonito e sua decoração e arquitetura lembram os teatros do século XIX. Como a peça tinha audiodescrição, logo nos dirigimos para retirar nossos aparelhos receptores por onde seria exibido o áudio da AD. Feito isso, nos dirigimos para os nossos assentos – nesse caso, sem descontos para pessoas com deficiência, já que a peça tinha acessibilidade.
Em seguida, sentei em minha poltrona e passei a ouvir a audiodescrição exibida no transmissor. Uma voz gravada anunciava a sinopse da peça, bem como o elenco e outros dados técnicos como parte dos créditos. Apresentou também, a vestimenta dos três personagens e os detalhes sobre o cenário. 
Também senti falta da descrição sobre o espaço, ou seja, como é o teatro, quais seus detalhes arquitetônicos, quantos andares e setores, bem como a localização dos banheiros e escadas, o que ajuda na locomoção caso isso seja preciso.
Da mesma maneira, faltou a descrição física dos personagens e de cores de seus trajes e do cenário, algo fundamental para que tenhamos mais elementos para formar a imagem dos mesmos. E havia tempo para isso, já que a gravação repetiu-se por três vezes antes do começo da peça. 
Quando o espetáculo começou, foi possível notar mais coisas. A primeira delas é que acima do palco havia um telão onde foram exibidas as legendas utilizadas para as pessoas surdas e com deficiência auditiva. Como eram três personagens, nos diálogos tinham cores diferentes, em branco, amarelo e verde. Isso ajuda a esses sujeitos terem quase pleno entendimento do que está acontecendo.
A AD foi apresentada no idioma catalão, o que dificultou um pouco a compreensão de algumas observações mais aprofundadas que eu poderia ter verificado. Mas, esse fato não impediu que eu entendesse o que estava sendo dito, ao menos na maioria dos casos, já que cada dia mais estou me familiarizando com essa língua.
A audiodescrição foi de muito boa qualidade, com um texto claro e conciso. Não aconteceu nenhuma sobreposição da AD nas falas ou trilhas da peça. Isso é importante para facilitar o entendimento de ambos e para não existir confusão por parte do usuário que está ouvindo.
O roteiro da AD era muito objetivo e as informações foram dadas de modo direto. Há correntes de estudos nesse campo que tomam esse formato como o mais adequado a ser utilizado, já outros, acreditam que deva ser fornecido o máximo possível de informações.
Confesso me enquadrar nesse último grupo, pois acredito que quanto mais elementos dados ao usuário para formar suas próprias imagem, melhor será o entendimento e a qualidade da fruição dele. Assim, acredito que o roteiro poderia conter mais informações sobre as cenas e sobre os acontecimentos.
Existiam muitos silêncios e possibilidades para inserção dessas informações durante a peça. Certamente, não se podem preencher todos os silêncios com audiodescrição pura e simplesmente para “rechear” esse tempo, já que o silêncio às vezes faz parte da atmosfera da trama. Porém, não foi o caso, e não havendo nenhuma informação sonora, em algumas ocasiões me perdi no enredo de algumas cenas, embora não tenha sido algo muito grave.
A obra audiodescrita, chamada Iaia, foi uma comédia sobre uma avó (que dá nome à peça) que tenta a todo custo sabotar o relacionamento amoroso do neto, e as diversas situações que se seguiram giraram em torno disso. Foram muitos os momentos engraçados e mesmo em catalão, nos divertimos muito. Houve espaço também para dramas e emoções empolgantes.
Ao final, tive a oportunidade de ter uma rápida conversa com Javier, o roteirista da AD. Para minha surpresa, me disse que a locução não foi humana, mas a partir de um software que desenvolveram em sua empresa, uma espécie de leitor de telas que ele sincronizava com a peça em tempo real.
O mais interessante é que em nenhum momento consegui identificar que não se tratava de uma gravação. O que notei é que a locução parecia gravada e não feita ao vivo, mas a voz parecia humana e dificilmente seria possível verificar o contrário.  O resultado foi muito bom, a voz era excelente e de fácil compreensão e fluência.
Antes de saber disso, pensei que a entonação da narração poderia exibir uma carga maior de emoção nas audiodescrições de cenas que tinham a necessidade disso. Porém, como o estilo de muitos audiodescritores espanhóis é narrar com “neutralidade” (objetivando não demonstrar nenhum tipo de emoção), imaginei que esse fosse o estilo empregado.
Também discordo dessa linha que defende uma AD com locução neutra, pois a voz do narrador também nos ajuda a formar imagens e estabelecer os laços necessários para fruir a peça. Uma narração que esteja de acordo com a carga de sentimentos da obra – sem ser exagerado, é claro – é fundamental para a compreensão e sensação de pertencimento e emotividade do usuário.
Portanto, nesse evento pude experimentar mais uma vez a audiodescrição feita em Barcelona, e embora algumas discordâncias quanto ao modo como foi feita, devo admitir que dentro da linha de pensamento e concepções de alguns audiodescritores, sua execução teve grande qualidade e foi agradável de ouvir. Sem ela, não teria compreendido quase nada da peça. Logo, a AD cumpriu seu papel de fornecer acessibilidade e diferentes sensações e emoções. 


Descrição da foto
Estou na escadaria que leva à sala de espetáculos.  À direita da foto, uso calça jeans azul claro e blusão bege sob casaco azul escuro com uma listra cinza no centro e outra na barra inferior. De frente para a câmera, tenho na mão esquerda o aparelho receptor pelo qual ouvi a audiodescrição da peça.
Fim da descrição

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