Desde criança não
gostava de ser fotografado, seja pela minha timidez, seja por algum outro fator
que a adultez me obrigou a esquecer. Hoje eu acho que essa minha aversão se
devia muito mais a um desejo de ter algo que eu julgava impossível, o talento
para fotografar. Só agora entendo que preciso mais de sentimento do que técnica
para meus registros fotográficos. Também não gostava de ficar vendo fotografias, já que pelo fato de não enxergá-las nitidamente, precisava sempre
que alguém me contasse o que estava vendo, e tivesse boa vontade em me
descrever a foto.
Através dos textos de
Evgen Bavcar, um grande fotografo cuja cegueira lhe confere uma percepção
estética diferente, percebi que a imagem não é só aquilo que se vê, mas a
intersecção entre como vejo o mundo e que sensações uma fotografia pode me
motivar a registrar um determinado instante em imagem. Passei a achar que a
fotografia é muito mais um retrato do que tenho dentro de mim do que algo que
capture do exterior.
Comecei a ter tais
ideias depois de algumas conversas, projetos e parcerias com a minha estimada
amiga Daniele Noal, uma pessoa muito antenada, criativa e que tem o dom de nos
fazer pensar de outros modos. Para muitos, cegos e pessoas com baixa visão
fotografar é um contra-senso. Mas, como pesquisador que busca sempre expor aquilo
que pode ser perturbador, me dei conta de que tinha um venturoso caminho pela
frente.
Não digo que passei a
tirar fotos constantemente daquilo que não fossem paisagens ou com pessoas marcantes
para mim. Ainda assim, tenho aos poucos me arriscado a fazer fotografias
baseado na ideia de construção da imagem como sentimento e não como primor
estético, mas como cristalização de momentos e imagens que são mais reminiscências
de minhas narrativas pessoais do que aquilo que se pode enxergar.
Apresento aqui uma das
fotografias que fiz, que para mim representa muito.
Descrição da imagem
Em quase doir terços da imagem, o mar azul escuro
com alguns raios de sol refletidos e uma pequena marola. Acima, separado pela linha do horizonte, está o céu azul
mais claro, onde também se podem ver algumas nuvens cobrindo quase toda borda
superior da figura. A imagem está um pouco desfocada e inclinada para a esquerda.
Numa das minhas noites
de insônia perguntei a mim mesmo: Que cor teria a dúvida? Qual o limite de
nossos horizontes? Meu horizonte tem uma cor? Seria ele tão borrado e desfocado
que não vejo seu fim?
A primeira imagem que se
formou em meus pensamentos foi o azul, seja o azul do céu como o do mar, que se
complementam e se delimitam durante o dia, e se unem ao anoitecer. Fitando o
mar em uma manhã ensolarada percebi o contraste de azuis produzidos pelo
horizonte. O azul que pode ser falso e enganar os olhos daqueles que enxergam.
A imensidão azul do mar,
nos faz crer que sua cor é inquestionável, mas basta colocar sob as mãos um
punhado de água que logo o azul se dissipa como uma leve bruma que leva sua cor
e seu sentido azulado. Já o céu, quando não é visitado por nuvens ou quando não
está visto no horário de trabalho da lua, parece um azul tido como celestial,
que pode variar o tom, mas nunca perde a melodia de seus contornos.
Mas, experimente tentar
tocar no céu, se para ti isso é impossível, saibas que se não o fosse também te
decepcionaria, pois não é o céu que se veste de azul, mas a luz do sol que
engana aos olhos daqueles que são iludidos pela visão.
Acho que às vezes a vida
é meio azul como o mar e o céu. Seja como for, fiz a fotografia dos contrastes
do horizonte, lá onde o mar banha a imensidão do céu e onde este, esconde por
trás de si os mistérios marinhos. A imagem sempre é capaz de pregar peças se as
pensamos como única fonte de reflexão e pensamento. Para quem tem deficiência
visual como eu, desconfiar das imagens que nos é descrita é muito comum, pois
somos produtores e consumidores de nossas próprias figuras, formas e cores.
Por isso, não creio no
azul que vejo, mas sim no azul que sinto. Fotografar mar e céu juntos é
construir a possibilidade de unir aquilo que poderia parecer impensável. Ser
bem que, deve ser sempre bom manter viva uma reflexão e uma dúvida azul...
não creio no azul que vejo, mas sim no azul que sinto.
ResponderExcluirPerfeita sua frase, Felipe.