Dessa vez, fui bengalar por um dos pontos turísticos mais conhecidos de Barcelona, o famoso Park Guell, inaugurado em 1922, vindo a se tornar Patrimônio da Humanidade pela UNESCO em 1984. Em princípio era para ter sido um bairro da cidade, mas como foi um fracasso imobiliário acabou virando um parque e com algumas das obras mais impressionantes do renomado arquiteto catalão Antoni Gaudi.
Chegar ao Park Guell não foi uma tarefa
fácil, pois a estação de metrô e as linhas de ônibus mais próximas ficam a cerca
de 30 minutos de caminhada do parque. Além disso, situa-se em uma colina e,
portanto, há uma subida muito íngreme até chegar ao local, o que dificulta –
quase inviabiliza – a ida de pessoas com deficiência física ou mobilidade
reduzida.
Para
subir, encontramos escadas rolantes que ajudam no deslocamento. Contudo, não há
a mesma facilidade na descida. Mais que isso, para quem consegue ir até lá, por
conta da topografia do parque, existem dezenas de escadas para os acessos aos
diferentes espaços, mas não há elevadores, rampas ou algo que ajude no
deslocamento dessas pessoas.
Para
uma pessoa com deficiência visual as dificuldades começam já no metrô, pois não
há informações claras em braile e/ou fontes ampliadas que informem o caminho
que se deve seguir para chegar ao parque. Porém, nem mesmo as pessoas videntes
conseguem encontrar com facilidade e autonomia as informações que precisam.
Prova disso é que muitos turistas acabam se perdendo.
O
piso é feito com pequenos relevos quadriculados, dificultando o uso da
solavancos provocados pelas ondulações. Embora seja preciso ressaltar que
durante todo o caminho não há sequer um buraco ou obstáculo aéreo que possa
provocar algum tipo de acidente.
Depois
da aventura de tentar ir até o parque, na entrada existe um totem com
informações sobre o lugar, em Braile e em fontes ampliadas. Mais que isso,
existe um mapa em alto relevo onde se podem verificar os locais que se deseja
ir e as rotas a serem percorridas.
Não
há calçamento na maioria dos trajetos, o que dificulta a localização espacial e
a locomoção com a bengala. Como não há piso tátil, ir sozinho seria um tanto
desaconselhável, ainda mais porque as elevações e declives tornam o percurso um
tanto perigoso. São dificuldades que uma pessoa com deficiência visual
encontraria se fosse sozinha a esse local, ou seja, isso representa uma falha
na acessibilidade, mas não inviabiliza a visita, que em minha opinião deve ser
recomendada diante do que irei relatar a seguir.
O
parque possui uma série de viadutos que ligam diferentes pontos do parque.
Todos eles construídos em pedra, sendo que a imensa maioria deles idealizados
por Antoni Gaudi. Na escadaria de entrada, há duas fontes pequenas e a
escultura de um lagarto.
Todas
essas obras que mencionei são consideradas como parte do patrimônio artístico
do local, e podem ser tocadas por todas as pessoas. Ou seja, isso ajuda as
pessoas com deficiência visual a ficarem mais próximas e conhecerem as formas e
texturas das obras. Isso representa a possibilidade de tocar e sentir a magnitude
e grandiosidade da obra de Gaudi.
Fui
visitar a Casa Museu Gaudi, e então me impressionei mais ainda com as
possibilidades acessíveis que o museu oferece. Digo isso, tendo em conta que no
Brasil quase a totalidade dos museus não permite que as pessoas com deficiência
visual toquem no acervo, ainda mais em artigos raros como foi o caso. Por isso,
creio que tal visita foi especialmente importante para demonstrar que com
soluções alternativas e de baixo custo se pode prover acessibilidade.
A
casa fica dentro das dependências do parque, mas é necessário pagar para
ingressar e conhecer o local. Porém, pessoas com deficiência que “comprovem”
isso – no meu caso, o uso da bengala branca – tem entrada gratuita e direito a
um acompanhante. Se é verdade que não há catálogos e materiais explicativos em
braile ou em fonte ampliada, não é menos verdade que a possibilidade de ir
acompanhado pode ajudar se a pessoa que estiver conosco se dispuser a descrever
a parte não acessível do acervo – como também aconteceu comigo.
Não
há elevadores e a escada é bem íngreme, o que dificulta o acesso a pessoas com
deficiência física ou mobilidade reduzida. No entanto, as informações dos
painéis são relativamente acessíveis, já que o tamanho das letras e contraste,
aliados a posição em que estavam, ajuda muito a uma pessoa com baixa visão no
momento de ler o que está escrito. Outro fato interessante é que existem diversos
funcionários dentro do museu se colocando sempre a disposição para auxiliar no
que for necessário, para fornecer alguma informação suplementar ou mesmo guiar
ou fazer a descrição dos detalhes das obras.
Porém,
o fato que mais me chamou a atenção e que mais me deixou satisfeito e com a
sensação de inclusão, foi a possibilidade de tocar nas obras expostas. Deixei
essa parte por último por considerá-la a mais importante.
Logo
na entrada do museu já havia uma funcionária me aguardando – talvez avisada via
rádio que alguém com deficiência visual estava na fila – e além de me dar as
boas-vindas, me cedeu um par de luvas brancas, me dizendo que eu, como pessoa
com deficiência que sou, teria o direito de tocar as obras em exposição.
No
acervo, havia várias obras de Gaudi, muitas delas mobiliários como algumas
cadeiras e mesas desenhadas por ele. A casa foi mantida como deixara quando
morreu em 1926, de tal forma que seus aposentos e o oratório foram preservados
como estavam na época. Pude tocar todas essas obras e sentir cada nuance e cada
formato, cada reentrância e cada curva de suas obras. Havia também, alguns
bustos de Gaudi, que tateei e pude formar melhor a imagem de como era o rosto
do artista, dado que pelas fotos isso não me foi possível.
Essa
possibilidade tátil enriquece o conhecimento e a informação da pessoa com
deficiência visual, permite que ela sinta e compreenda o que significa a obra e,
ao fazer o mesmo em muitas delas, compreender o estilo do autor e verificar por
si mesmo as características delas.
Tudo
isso é possível a partir de uma ideia singela, através do uso de luvas feitas
com um material simples, mas que torna possível a acessibilidade. Uma
alternativa encontrada pelos curadores e conservadores das obras que servem de
exemplo para todos os museus.
Poucos
metros depois de sair do parque, encontramos uma loja vendendo produtos
relacionados ao Guell e à Gaudi. O lugar se chama Gaudi Experience. Há diversas possibilidades de acessibilidade
nesse lugar. A primeira, imensos painéis sensíveis ao toque, nos quais é
possível encontrar diversas fotos e informações sobre as obras do arquiteto
catalão.
Nesses
painéis, as fotos e as informações sobre as obras poderiam ter seu tamanho
ampliado e conforme o desejo do usuário poderiam ser descoladas em todas as
direções. Então, além de poder ler com facilidade, era possível subir e descer
a tela, lendo todos os textos com conforto e nitidez.
Além
disso, para as pessoas cegas e com baixa visão que não consigam ler nos
painéis, existem duas alternativas. A primeira, a possibilidade de ouvir o que
está escrito na tela em catalão, espanhol, francês ou inglês. A segunda,
solicitar que uma das funcionárias que estavam a disposição lesse o conteúdo do
painel.
Também
foi possível tockr uma maquete das escadarias e colunas da entrada do Park
Guell. A reprodução é em tamanho grande e com um impressionante detalhamento.
Diante disso, tive a chance de conhecer coisas que não tinha visto no momento
em que estava em frente ao ambiente reproduzido. Isso complementou tudo que
conhecerá antes no parque, e de fato, foi uma experiência enriquecedora.
Portanto,
creio que apesar de ser pequeno, o museu me proporcionou um imenso aprendizado
em termos de soluções viáveis para se prover acessibilidade dentro das
possibilidades existentes sem prejudicar o patrimônio ou ferir as regras e
diretrizes de conservação dos objetos.
Isso
demonstra também a necessidade de reflexão e busca de alternativas no que diz
respeito a acessibilidade. Muitas instituições brasileiras que mantém museus
alegam baixo orçamento ou desconhecimento para não prover acessibilidade. Mas,
com criatividade, alguns estudos e utilização de boas ideias, é possível lançar
mão de recursos simples e ampliar a oferta de acessibilidade em seus acervos,
algo ainda tão longe do ideal.
Na Casa Museu Gaudi, bem no canto direito da foto. De perfil, com o rosto virado para a obra. tateio um dos móveis desenhados pelo artista. Uso luvas brancas em ambas as mãos, com esquerda seguro a bengala branca, e com a direita toco a peça feito por Gaudi.
Um banco de dois lugares feito em madeira. Sua forma é cheia de curvas e desenhos elípticos. No acento e no encosto, há desenhos que parecem flores estilizadas.
Na Casa Museu Gaudi, bem no canto direito da foto. De perfil, com o rosto virado para a obra. tateio um dos móveis desenhados pelo artista. Uso luvas brancas em ambas as mãos, com esquerda seguro a bengala branca, e com a direita toco a peça feito por Gaudi.
Um banco de dois lugares feito em madeira. Sua forma é cheia de curvas e desenhos elípticos. No acento e no encosto, há desenhos que parecem flores estilizadas.
Fim da descrição
Na Gaudi Experience, apareço de costas para a foto e de frente para um telão laranja, lendo informações sobre a Casa Calvet, que está na altura dos meus olhos, em um quadro com fundo preto e letras brancas e grandes.
Fim da descrição
Fim da descrição
Também na Gaudi Experience, estou à direita e de lado para a imagem, de frente para a maquete da entrada principal do Park Guell que está à esquerda da foto.
Estou tateando a reprodução da escultura de um lagarto e duas fontes, separando as duas escadarias que levam à sala Hipóstila. Uma sala aberta com cerca de duas dezenas de colunas cilíndricas que sustentam a construção. Em sua fachada superior estão esculpidos lagartos semelhantes aos que estou tocando na escadaria.
Fim da descrição
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