Seguidamente
tenho visto muitas pessoas com deficiência se destacando em seus campos de
estudo e/ou de trabalho. Isso é bom por demonstrar que estamos alcançando
patamares que eram muito difíceis até poucas décadas atrás. Um fator que também
explica esse aumento da circulação dessas histórias de vida são as redes
sociais e a divulgação que a mesma pode fomentar.
No entanto,
tenho percebido que nos comentários sobre esses casos de “sucesso”, há algo que
tem me incomodado de uma maneira cada vez maior. Sem duvidar das boas intenções
das pessoas que fazem certos comentários, incomoda ler a frase “você é um
guerreiro”. Sei que há alguns amigos que compartilham dessa mesma insatisfação,
já que essa frase e seus derivados trazem consigo uma série de estigmas e de
inferiorizações que na maioria dos casos, quem diz nem percebe.
Com a
emergência dos “casos de sucesso” de pessoas com deficiência tem se tornado
comum o “discurso da superação”, onde qualquer coisa que façamos é porque
superamos todas as nossas dificuldades para alcançarmos nossos objetivos. É
preciso deixar claro que só supera-se aquele de quem se tem baixíssimas expectativas.
Como sempre digo, nunca usarei o “discurso da superação”, pois sempre espero o
máximo das pessoas, sejam quem elas forem, dentro das circunstancias em que
vivem.
É evidente que
temos muitas limitações, que a sociedade nos impõe dificuldades para atingirmos
nossos desejos pessoais e profissionais. As dificuldades que temos são sim
maiores que a dos demais, e isso não se pode negar. Ressalvando, contudo, que
isso é culpa da sociedade em que vivemos, por ainda ser resistente a aplicar medidas
que tornem a sociedade mais acessível.
Todavia, essas
limitações que nos são impostas não são suficientes para me fazer aceitar o
discurso de que somos vencedores apenas por termos perseverança. Vencer ou não
as dificuldades que a vida nos impõe, não é uma questão de vontade, mas de
circunstâncias e de oportunidades que recebemos. Se fosse assim, a maioria das
pessoas com deficiência poderiam ser consideradas derrotadas e indolentes, oque
não é o caso.
É muito
desonesto, citar o caso de meia dúzia de pessoas com deficiência que são bem sucedidas,
e usá-las para legitimar as atuais políticas de inclusão. Sabemos que essa não
é a realidade da maioria das pessoas desse grupo, que ainda sofrem com a falta
de acessibilidade e de estrutura para atingirem o patamar que seu potencial
lhes permitiria alcançar.
Dizer que eu
sou um “guerreiro” por ter tido determinada conquista é afirmar que os que
vivem na mesma condição que eu não o são. Afinal, seguindo essa linha de raciocínio,
basta desejar que podemos fazer acontecer, não sendo necessárias as condições
adequadas para o desenvolvimento desses sujeitos. Pensar assim, além de
equivocado, é injusto com tantas e tantas pessoas que tem potencial, mas
carecem de meios para demonstrar isso. Essa é a lógica cruel da “meritocracia”,
ver apenas o resultado e desconsiderar o resto, que é o mais importante.
Por outro
lado, ser perseverante é uma característica que possuo, mas nem todas as
pessoas são assim, e isso deve ser respeitado. Isso está no âmbito de minha
personalidade – e de muitas outras pessoas – e não dos atributos fundamentais
que todas as pessoas devem ter, pois se muita gente ainda não se deu conta, uma
pessoa é diferente da outra.
Mais que isso,
também me causa muita insatisfação quando me chamam de “guerreiro” pelo fato de
que se conquistei algo é, sobretudo, pelas qualidades que tenho e por ter
aproveitado as oportunidades que me foram proporcionadas. Tudo que tenho
conseguido é fruto do que construí, dos conhecimentos que adquiri, do auxilio
das pessoas que me cercam e outras situações, onde a perseverança é secundária.
É sempre muito
incomodo viver em um mundo onde se tenho “fracassos” são atenuados e relevados
por causa da deficiência, e se tenho “sucesso” isso ocorre apesar da
deficiência. Dificilmente a maioria das pessoas avalia meu trabalho e minhas
atitudes tomando como base quem eu sou, com todas as circunstâncias que me
cercam. A deficiência será sempre protagonista e maior responsável por tudo que
me acontece, quando isso não é verdade.
Isso significa
estar toda a vida encarcerado pelos estigmas e pelos estereótipos da
inferiorização. Não sou guerreiro, sou alguém com qualidades e defeitos, que
busca melhorar a cada dia, e que acima de tudo ama o que faz e a vida que leva.
Somos muito mais do que só lutadores. A deficiência é parte da gente, e não o contrário.
Temos qualidades, e é por elas que sempre desejaremos ser conhecidos e
avaliados.
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