Teatro é uma arte antiga e repleta de elementos históricos e
muito interessantes. Certamente que nossa sociedade evoluiu muito com o
incremento reflexivo e contestador que as obras teatrais sempre apresentaram.
Atualmente, dizer que se gosta de todas as formas de arte é cult, mesmo que
talvez seja mentira. Como eu não sou adepto do politicamente correto e nem
tenho paciência para essas convenções sociais, digo claramente: EU NÃO GOSTO DE
IR AO TEATRO!
Essa minha falta de apreço pelo teatro tem um motivo muito
claro, e provavelmente eu seja o menos culpado. Desde criança, fui algumas
vezes assistir a peças teatrais, e enquanto eram com temáticas infantis eu
entendia bem, mas à medida que o tempo foi passando e eu fui enxergando menos,
ao mesmo tempo em que os espetáculos ficavam mais complexos, a dificuldade se
tornou impossibilidade.
De certa forma, desconheço o motivo que cativa as pessoas a
gostarem de teatro, pois eu tinha que me esforçar muito para entender um pouco
que fosse di que se passava. Cansei de tentar e larguei de mão o teatro, assim
fui preferindo outros tipos de entretenimento, como TV, música e outros.
Isso aconteceu porque eu não compreendia quase nada do que ocorria no palco, e comecei a achar que nunca
iria conseguir sentir de verdade as emoções transmitida. De que me adiantava
ir, pagar muito caro e não ter a chance de fruir como todo mundo por não ter
acessibilidade? Assim, fui cada vez gostando menos do teatro, e seguirá até que
me apresentem condições adequadas de participação, ou talvez nem isso, pois já
terei perdido a pequena pontinha de apreço que ainda resta.
Sabemos que historicamente a acessibilidade nunca foi
prioridade, embora tenha evoluído bastante. Também é fato que esse descaso não
se restringe ao teatro. Na maioria dos casos, mais do que ignorância, os
produtores de teatro viram-se de costas para o público com deficiência, crendo
que a acessibilidade é um gasto e não um investimento e um grande e potencial
público consumidor.
Há várias questões que permeiam a falta de acessibilidade
nos teatros e peças teatrais. Em primeiro lugar, não conheço uma casa de
espetáculos com acessibilidade plena no Rio Grande do Sul. Todas as que dizem
possuir acessibilidade, o fazem de maneira improvisada ou incompleta. Não há
pisos táteis, sinalização bem feita, elevadores, rampas e outros recursos
adequados em todos os ambientes, menos ainda quando se adentra à plateia.
Se eu nem consigo chegar com autonomia e segurança até minha
poltrona, como posso gostar de ir a um lugar desses? Não há interesse em pensar
sobre isso por parte dos administradores, que tem a desculpa na ponta da
língua: “não há público suficiente para valer a pena uma reforma”. Essas
pessoas se esquecem que há uma lei sobre acessibilidade arquitetônica e que lei
não se relativiza, se cumpre.
No que diz respeito à produção e execução das peças de
teatro as coisas não ficam menos difíceis. Parece não haver nem um pouco de boa
vontade dos produtores em pensar seus produtos com audiodescrição, pois isso é
entendido como um “gasto desnecessário”, e mais uma imposição do governo.
Tenho vários exemplos disso, um deles: foi aprovada no
Conselho Estadual de Cultura uma resolução para promover acessibilidade nos
produtos que tiverem financiamento público pelas leis de incentivo à cultura,
mas por certas pressões, ainda não foi publicada no Diário Oficial do estado do
Rio Grande do Sul. Soube até que alguns produtores culturais disseram que tal
resolução inviabilizaria a cultura no RS, revoltando-se contra o direito à
acessibilidade.
A cidade de Porto Alegre tem um grande festival de teatro
que conta com financiamento basicamente por renúncia fiscal – logo, feito com
dinheiro público -, e que não conta sequer com uma peça de teatro com
audiodescrição. Embora eu enquanto contribuinte esteja financiando o projeto, e
mesmo assim não posso ter acesso ao que eu ajudei a pagar, dado que seus
realizadores entendem que audiodescrição é supérfluo.
Os produtores teatrais tem uma opção caso não desejem
“gastar” com acessibilidade, que o façam sem financiamento publico e assim
poderão dispor de suas obras como quiserem, caso contrario, que respeitem e
contemplem aqueles que financiam seu trabalho. Preferiria que todos os
produtores fizessem acessibilidade em suas peças por consciência e respeito ao
publico, mas já que isso não é possível, que seja pelos rigores da lei.
O que sinto quando penso em ir ao teatro é que eu não sou
bem-vindo, que estarei em um lugar onde quase todo mundo vai entender tudo e eu
com muito esforço irei captar apenas uma pequena parte. Sei que se não houver
audiodescrição eu ficarei me sentindo deslocado e provavelmente irei me chatear
por ter menos acesso do que todo mundo, ainda que tenha os mesmos direitos. É
uma pena que o meio cultural ainda veja a audiodescrição como uma “caridade” ou
como “obrigatoriedade para financiamento governamental”.
Se fossem um pouco mais perspicazes, os produtores teatrais
notariam que prover AD em seus trabalhos é mais do que um beneficio, e sim, uma
possibilidade de ampliação de mercado consumidor. Não há mal algum em pensar
desse modo, pois è isso que eu sou, um consumidor, e gosto de ser bem tratado e
ter minhas necessidades contempladas. Aposto que teríamos bem mais pessoas nas
salas de espetáculos do que temos atualmente.
Caso as peças de teatro tivessem audiodescrição, eu poderia
começar a sentir todo o apreço que muita gente sente, e quiçá começasse a
gostar dessa arte que para mim não tem a menor graça até o momento. Não enxergo
os gestos, expressões faciais, figurinos, cenários e todos os outros estímulos
visuais que essa arte proporciona, como gostar daquilo que não entendo?
Em São Paulo e no Rio de Janeiro, há ofertas de peças de
teatro com audiodescrição quase todos os finais de semana, e será que
precisarei me mudar para lá para gostar de ir ao teatro? Ou quem sabe
poderíamos importar a consciência inclusiva que lá existe? Fico com a segunda
opção, já que seria muito interessante se nossos produtores culturais deixassem
de ser provincianos e pensassem na audiodescrição como um investimento e não
como um gasto desnecessário.
Se isso fosse feito,
talvez eu não passasse a gostar de ir ao teatro, mas a “nova geração” de cegos
e pessoas com baixa visão se acostumassem a frequentar teatros e passasse a
existir ver um público consolidado que desfrutasse do prazer de assistir a uma
boa peça.
Enfim, sinto-me livre para fazer esse sincero desabafo – embora
tivesse bem mais a dizer sobre esse tema. Nunca fui uma pessoa intransigente, e
se me provarem que eu estou errado ou proverem acessibilidade nos teatros, quem
sabe eu venha a mudar de ideia. No momento, sigo com a opinião de que o teatro
é uma forma de arte que pouco me acrescenta e que não tenho a menor vontade de
dedicar meu tempo a assistir a um espetáculo desse tipo, seja ele qual for. A
vida é uma recíproca, e o teatro – ao menos o do RS –, de modo geral, ainda não
me ofereceu quase nada além de indiferença.
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