Considero a Universidade Federal do Rio Grande do Sul quase
como minha segunda casa, e tenho profundo respeito e afeto por essa instituição
tão importante na vida acadêmica mundial, nacional e na minha formação
profissional. Apesar de todas as dificuldades de estrutura, ainda é uma
referência para o ensino e pesquisa.
Também há uma imensa maioria de servidores – professores
também são servidores e por isso não faço diferenciação – abnegados por fazer
sempre o melhor. São eles que fazem a universidade pulsar e ter as evoluções
que já teve, que fazem com que muitas coisas legais aconteçam e que as coisas
sejam cada dia melhor, ou ao menos tentam que assim seja.
No entanto, o afeto que tenho pela
UFRGS não me impede de criticá-la, muito pelo contrário, é exatamente por
desejar o melhor para ela que muitas vezes me manifesto criticamente sobre
algumas situações que acontecem no cotidiano acadêmico ou nos problemas que
existem em diversas esferas. Eu quero que tudo seja cada dia melhor, e acho que
com minhas reflexões e com minhas observações, posso fazer a minha parte para
que as coisas fiquem ainda melhores.
No que tange às políticas de
inclusão e acessibilidade para pessoas com deficiência, embora oficialmente a
instituição afirma que essas ações ocorrem desde os anos 1980, discordo que
isso seja verdade, ao menos de fato. Foi inicialmente em 2005 e depois em 2008
mais fortemente, que acessibilidade e atendimento a pessoas com alguma
necessidade específica foi implantada na UFRGS, com a adesão ao Programa Incluir,
primeiramente coordenado pelo Professor Hugo Bayer e, posteriormente, pela
professora Adriana Thoma.
Comecei a ser atendido pelo
Programa Incluir em 2008 e já mencionei muitas vezes sua importância
fundamental em meus estudos. Não pretendo ficar me repetindo, mas nesse caso é
preciso dizer que sempre fui tratado com acolhimento, e assim como os demais
usuários, sempre fui consultado sobre alguns novos rumos ou possibilidades de
melhoria dos serviços. Logo, nós alunos atendidos sempre tivemos voz e participamos
ativamente da construção do programa.
Em Julho desse ano, nós usuários
fomos surpreendidos por uma mudança de rumos na acessibilidade empreendida na
UFRGS. Foi criado o Núcleo de Acessibilidade e Inclusão da universidade que
passou a substituir o Incluir. Até então, tudo muito bem, pois sempre lutamos
para que esse espaço fosse construído, o problema foi como as coisas ocorreram.
Não irei pessoalizar as questões
que citarei a partir daqui, pois todas as atitudes foram tomadas
institucionalmente e bem ou mal, é uma postura da universidade e de seus
representantes. E, essa é uma opinião minha como usuário e não reflete nada
além de meu posicionamento.
Como transito em inúmeros
ambientes e instâncias da UFRGS pelo bom relacionamento que tenho com muita gente
de todos os setores, acabo sabendo de muitas coisas e uma delas foi o modo como
o tal núcleo foi concebido e, por isso, sei de muitos fatos que geraram a
criação desse setor.
Dentre tantos fatos dos quais
discordo sobre a criação no núcleo de inclusão e acessibilidade, o principal e
o que eu gostaria de comentar aqui é a completa ausência de diálogo com os
usuários. Quando começou a ser concebido, os alunos atendidos não foram sequer
convidados ao diálogo para a construção do núcleo de acessibilidade.
Um dos fundamentos atuais da
acessibilidade e dos direitos das pessoas com deficiência é que os sujeitos que
pertencem a esse grupo devem participar de todas as concepções e tomadas de
decisão relativas às suas vidas e suas posições na sociedade. Uma universidade
que deveria primar pela construção de propostas chamando seus alunos - nesse
caso com deficiência – para empreender diálogos e participação destes nos
diferentes espaços.
Em nenhum momento as pessoas com
deficiência da UFRGS foram convidadas a ter sequer uma conversa que fosse sobre
a forma como seria concebido o núcleo de acessibilidade. Tudo foi decidido no
gabinete, sem ouvir as ideias que poderíamos ter para melhorar a logística ou a
qualidade dos serviços prestados.
Esperei alguns meses até escrever
esse texto, já que por mais que eu sempre tivesse duvida de desse formato
unilateral como o núcleo foi constituído, deixei as coisas acontecerem para ver
se ao menos em algum momento seriamos convidados pela atual coordenação a
estabelecermos uma interlocução e contribuirmos de alguma maneira para a
melhora da acessibilidade na UFRGS. Mas para a minha decepção, nada foi feito
nesse sentido, e tudo parece estar em inércia, situação que a mim não agrada
nem um pouco.
Vejo e vivo diariamente os problemas
acontecendo, e até já tentei apresentar algumas soluções, mas infelizmente,
nada foi feito de concreto para que as coisas mudem e sejam implementadas ações
efetivas de acessibilidade arquitetônica e atitudinal. É uma pena que tudo
tenha ficado em suspenso, e pior é notar que pouco ou nada mudará nos próximos
tempos.
Acho que participar de formações
no MEC é sempre importante para capacitar mais os gestores vinculados a essa
área, no entanto, posso dizer sem nenhuma modéstia que dentro da própria UFRGS
existem pessoas com deficiência atualmente ou que já passaram por nossa
universidade que são tão ou mais capacitadas para realizar formações em
acessibilidade;
Não é necessário ir tão longe para
ter essas aulas, bastaria olhar em volta e bem perto encontrariam pessoas que
poderiam ajudar muito nessas “novas” perspectivas. O que acontece é que muita
gente tem uma visão mais limitada do que a minha, mesmo enxergando com
plenitude.
Mais do que usuários capacitados
para realizar esses processos, consultar os alunos com deficiência da UFRGS é
importante por termos conhecimento das realidades de nossa instituição, por
conhecermos como as coisas funcionam em nossos cursos com suas especificidades
e por uma questão de respeito àqueles que são a razão de existir da UFRGS, que
são seus próprios alunos.
Nós alunos com deficiência também
desejamos ter voz e vez nos debates sobre a construção da universidade, e não
só sermos vistos como estranhos, ou como “garotos propaganda” de ações
inclusivas para as quais nem fomos convidados a participar.
Enfim, creio que firmar e
implementar uma proposta de inclusão sem a parceria com seus alunos com
deficiência, é como o orvalho que evapora antes de chegar à flor, ou seja, suas
funções práticas não são cumpridas plenamente.
Mais do que solicitar e receber
atendimentos, queremos participar ativamente do processo de implantação e
desenvolvimento dos rumos que o núcleo de acessibilidade venha a tomar. Afinal,
é por causa, por e para as pessoas com deficiência que esse setor existe, e é sempre
bom recordarmos disso.