domingo, 2 de novembro de 2014

A vida como um sopro



Há momentos na vida em que nos deparamos com aquelas pessoas que tentam nos desqualificar intimidar ou oprimir. Dito tantas vezes e conforme o contexto, acabamos por acreditar que tudo aquilo é verdade e aceitamos com resignação a mais feroz e injusta das criticas. Isso ocorre com as pessoas com deficiência, que taxadas cotidianamente como incapazes, acabam achando que o são de fato.
O descrédito e a falta de confiança podem durar algum tempo, mas não para sempre, pois quem tem talento para aquilo que faz não desaprende nunca, por mais pedregoso que seja o caminho. Tenho conhecido alguns casos como esses nos últimos tempos. Talvez porque aconteçam bem perto de mim, ou por ser eu uma parte dessa história. Em tempos de mudanças, recomeçar é preciso, mudar é essencial e recuperar a confiança é o que nos faz renascer.
Há uma tendência cultural da maioria das pessoas com deficiência serem tratadas em uma relação de inferioridade, ou ao menos, de expectativas tão baixas, que isso as acaba subjetivando e faz com que duvidem de suas capacidades que estão ali guardadas dentro delas.
Tenho uma amiga que durante um tempo foi muito espezinhada, oprimida e teve sua qualidade colocada em xeque. Infelizmente, a pressão foi tanta que ela acreditou que de fato fosse desqualificada, preguiçosa ou incompetente. Felizmente, mudanças vieram e novas chances apareceram, a confiança foi sendo retomada e a minha amiga foi recuperando o brilho nos olhos que todos nós admirávamos.
Essa semana, tive a chance de estar a seu lado em um curso sobre audiodescrição. E, quando a vi exercendo o papel de consultora com uma qualidade impressionante, dando dicas certeiras e indo direto ao ponto, eu pensei: “é como o sol que ressurge por entre as nuvens!”. Parecia que fazia suas observações instintivamente, como se fizesse consultoria de AD tão comumente como respira.
Aquilo me emocionou muito, ver a minha amiga fazendo aquilo que tanto gosta, e fazendo isso com confiança em si mesma e no seu talento. Sim, ela está de volta! No momento, fiquei sem reação, a única coisa que eu quis fazer foi ficar olhando aquela aula que um dia qualquer aspirante a consultor deveria assistir.
Essas pequenas grandes coisas do cotidiano são importantes para vermos coisas de formas diferentes daquelas que costumamos. Não dar ouvidos a quem não merece e acreditar que um dia as coisas ruins ficam no passado. E isso me fez refletir sobre um universo de coisas.
Lógico, também recordei das dificuldades pessoais da minha amiga que hoje atingiu um patamar de maturidade e de sucesso que não deve mais nada para ninguém, e melhor, ela mesma sabe disso. Acompanhei todo o processo de perto e sei o quão difícil foi, mas aquela aula valeu por cada um dos dias que eu tive que apoia-la.
Naquele instante senti como se um vistoso pássaro preso em uma pequenina gaiola, tivesse ganhado a liberdade e começasse a voar pelo céu como se jamais tivesse saído de lá. Há pessoas que descobrem que a chave que abre a gaiola se chama confiança. Porque é ela que te faz sentir vivo e pleno para aproveitar o que a vida tem a oferecer. É a confiança que nos devolve desejos já esquecidos na memória, e nos faz ver quão colorida a vida pode ser.
A felicidade que podemos ter jamais dependerá do outro, ou daquilo que ele possa vir a fazer ou a representar. Ela é intransferivelmente nossa responsabilidade e, por isso mesmo, o maior compromisso que alguém pode ter é consigo mesmo. Somos as escolhas que fazemos, e podemos nos resignar com as posições que tentam nos impor ou romper com as amarras das convenções e caminharmos com nossas próprias pernas.
O que importa é que a vida sempre nos dá uma segunda chance de mudar o que não parece bem, e mais ainda, de usarmos essas oportunidades como uma redenção diante do que nos fazia mal. A vida é um sopro, e quando a gente menos espera o fôlego acaba. Por isso, enquanto o bafejar da existência impulsionar nossos sonhos poderemos ir adiante, vencer a incredulidade – própria e alheia -, rumo a mares nunca d’antes navegados....

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