domingo, 12 de outubro de 2014

No palco da vida


As palavras que as pessoas mais me ouvem mencionar quando assistem minhas palestras ou aulas sobre acessibilidade e inclusão são “acolhimento” e “protagonismo”. Não as utilizo simplesmente para ser politicamente correto ou para meramente marcar uma posição acadêmica e política. Eu realmente vivo isso que digo, seja tentando aplicar essas formas de pensar ou lutando para que eu também seja tratado assim, pois eu sei na pele o quanto isso é importante.
Alguns dias atraz, fiz uma palestra em uma universidade do litoral do Rio Grande do Sul. E lá vivi uma experiência que me emocionou bastante, e que levarei comigo como um exemplo das coisas que costumo tentar compartilhar com as outras pessoas. Uma das coisas que mais gosto nesses tempos de redes sociais é o contato que tenho com outras pessoas cegas ou com baixa visão que conheço pelo Brasil todo. Mais raramente, encontro uma ou outra pessoa com deficiência visual na plateia de minhas palestras.
Isso me alegra muito, pois começo a notar que cada vez mais nós estamos chegando às universidades. Há pouco mais de uma década isso era praticamente impossível. E agora, com as novas políticas públicas para o acesso e permanência ao Ensino Superior, as condições para que esse acesso aconteça são bem melhores.
Tudo isso permitiu, por exemplo, que numa cidade nem tão grande assim, houvesse dois alunos cegos estudando na mesma universidade. Fui apresentado a essas duas pessoas um pouco antes de iniciar minha palestra, e me pareceram interessadas e inteligentes, ainda que um tanto tímidas. Estavam acompanhadas por uma professora, penso eu. Estavam situadas na parte central da plateia, e enquanto falava, fiquei observando – tanto quanto eu conseguia enxergar – como e onde estavam posicionadas.
O que notei, foi que os demais presentes estavam um tanto isolados dos colegas com deficiência, pois os acentos em volta delas estavam vazios. Seja por coincidência ou não, o fato é que isso para mim foi algo muito representativo, e confesso que me incomodou um pouco. Não que as pessoas tenham feito isso intencionalmente, mesmo assim, é muito significativo.
Por isso, enquanto falava fui pensando como eu poderia fazer todo mundo que estava ali pensasse sobre aquela atitude sem parecer inconveniente ou agressivo. Queria também, que todos conhecessem seus colegas com deficiência e que esses fossem devidamente valorizados e colocados em posição de destaque.
Por fim, consegui pensar em algo que achei que poderia dar certo. Quando estava na hora de finalizar, pedi um minuto da atenção de todos, e convidei os colegas com deficiência para subirem até o palco. Logo que chegaram ao meu lado, disse que há menos de um século éramos proibidos de frequentar universidades, e que há menos de meio século seria quase impossível um de nós chegar até ali. Porém, nesses últimos anos, apesar das dificuldades, conseguimos chegar até as universidades, seja na graduação, na pós-graduação e também como docentes.
Fiz questão de dizer, que esses avanços não seriam nada se as pessoas não acolhessem ou não vissem que as pessoas com deficiência também têm o direito de ser protagonistas na sociedade. E, exatamente por aquele motivo é que as tinha chamado para o palco, porque nós com deficiência não precisamos ou queremos só ser parte da plateia, também desejamos e lutamos para estar ali no palco, seja como protagonistas de nossas vidas, ou mais ainda, como protagonistas na sociedade como um todo.
Conclui dizendo que aquele era o nosso lugar, sob os holofotes e no palco. Disse que sabia que outros antes de nós já conseguiram alcançar aquele patamar, e que outros tantos infelizmente não, e que era justamente por eles que eu continuaria lutando. Como disse: “afinal, aquele ali sim era o meu, o nosso e o lugar de todas as pessoas com deficiência no mundo”.
Conheço muita gente como eu pelo Brasil todo que exercem essa luta mesmo em atitudes tidas como cotidianas - e que surtem efeitos impressionantes - ou ainda aqueles que por força de circunstâncias são mais conhecidos ou que militam nos movimentos sociais. Tais como Lisandra Correa, Mariana Baierle, Leondiniz Candido, Adilso Corlassoli e outros.
Exercer esse protagonismo requer muito esforço e zelo não só em fazermos cada dia melhor nossos trabalhos e nossas posturas diante da vida e do mundo, pois de um modo ou outro, nossas atitudes acabam sendo referência para outros como nós.  Por outro lado, não adianta as demais pessoas nos oferecerem protagonismo, elas precisam respeitar as nossas diferenças e disponibilizar as condições para que alcancemos esses postos dentro daquilo que somos e não como querem que sejamos.
É isso o que eu sinto, é por isso que eu acordo diariamente com disposição e força para continuar na batalha, mesmo quando as coisas não andam bem, eu sei que preciso seguir fazendo a minha parte. Eu me darei por satisfeito apenas quando todos nós estivermos no palco, quando não ficarmos mais isolados e apartados da sociedade, seja por barreiras arquitetônicas ou atitudinais. É para elas e por elas que seguirem me emocionando com o que faço, e entre sorrisos e lágrimas, chamar mais e mais pessoas com deficiência para dividir o palco conosco. E que assim seja!!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário