As palavras
que as pessoas mais me ouvem mencionar quando assistem minhas palestras ou
aulas sobre acessibilidade e inclusão são “acolhimento” e “protagonismo”. Não
as utilizo simplesmente para ser politicamente correto ou para meramente marcar
uma posição acadêmica e política. Eu realmente vivo isso que digo, seja
tentando aplicar essas formas de pensar ou lutando para que eu também seja
tratado assim, pois eu sei na pele o quanto isso é importante.
Alguns dias
atraz, fiz uma palestra em uma universidade do litoral do Rio Grande do Sul. E
lá vivi uma experiência que me emocionou bastante, e que levarei comigo como um
exemplo das coisas que costumo tentar compartilhar com as outras pessoas. Uma
das coisas que mais gosto nesses tempos de redes sociais é o contato que tenho
com outras pessoas cegas ou com baixa visão que conheço pelo Brasil todo. Mais
raramente, encontro uma ou outra pessoa com deficiência visual na plateia de
minhas palestras.
Isso me
alegra muito, pois começo a notar que cada vez mais nós estamos chegando às
universidades. Há pouco mais de uma década isso era praticamente impossível. E
agora, com as novas políticas públicas para o acesso e permanência ao Ensino
Superior, as condições para que esse acesso aconteça são bem melhores.
Tudo isso
permitiu, por exemplo, que numa cidade nem tão grande assim, houvesse dois
alunos cegos estudando na mesma universidade. Fui apresentado a essas duas
pessoas um pouco antes de iniciar minha palestra, e me pareceram interessadas e
inteligentes, ainda que um tanto tímidas. Estavam acompanhadas por uma
professora, penso eu. Estavam situadas na parte central da plateia, e enquanto
falava, fiquei observando – tanto quanto eu conseguia enxergar – como e onde
estavam posicionadas.
O que
notei, foi que os demais presentes estavam um tanto isolados dos colegas com
deficiência, pois os acentos em volta delas estavam vazios. Seja por
coincidência ou não, o fato é que isso para mim foi algo muito representativo,
e confesso que me incomodou um pouco. Não que as pessoas tenham feito isso
intencionalmente, mesmo assim, é muito significativo.
Por isso,
enquanto falava fui pensando como eu poderia fazer todo mundo que estava ali
pensasse sobre aquela atitude sem parecer inconveniente ou agressivo. Queria
também, que todos conhecessem seus colegas com deficiência e que esses fossem
devidamente valorizados e colocados em posição de destaque.
Por fim,
consegui pensar em algo que achei que poderia dar certo. Quando estava na hora
de finalizar, pedi um minuto da atenção de todos, e convidei os colegas com
deficiência para subirem até o palco. Logo que chegaram ao meu lado, disse que
há menos de um século éramos proibidos de frequentar universidades, e que há
menos de meio século seria quase impossível um de nós chegar até ali. Porém,
nesses últimos anos, apesar das dificuldades, conseguimos chegar até as
universidades, seja na graduação, na pós-graduação e também como docentes.
Fiz questão
de dizer, que esses avanços não seriam nada se as pessoas não acolhessem ou não
vissem que as pessoas com deficiência também têm o direito de ser protagonistas
na sociedade. E, exatamente por aquele motivo é que as tinha chamado para o
palco, porque nós com deficiência não precisamos ou queremos só ser parte da
plateia, também desejamos e lutamos para estar ali no palco, seja como
protagonistas de nossas vidas, ou mais ainda, como protagonistas na sociedade
como um todo.
Conclui
dizendo que aquele era o nosso lugar, sob os holofotes e no palco. Disse que
sabia que outros antes de nós já conseguiram alcançar aquele patamar, e que
outros tantos infelizmente não, e que era justamente por eles que eu
continuaria lutando. Como disse: “afinal, aquele ali sim era o meu, o nosso e o
lugar de todas as pessoas com deficiência no mundo”.
Conheço
muita gente como eu pelo Brasil todo que exercem essa luta mesmo em atitudes
tidas como cotidianas - e que surtem efeitos impressionantes - ou ainda aqueles
que por força de circunstâncias são mais conhecidos ou que militam nos
movimentos sociais. Tais como Lisandra Correa, Mariana Baierle, Leondiniz
Candido, Adilso Corlassoli e outros.
Exercer
esse protagonismo requer muito esforço e zelo não só em fazermos cada dia
melhor nossos trabalhos e nossas posturas diante da vida e do mundo, pois de um
modo ou outro, nossas atitudes acabam sendo referência para outros como
nós. Por outro lado, não adianta as
demais pessoas nos oferecerem protagonismo, elas precisam respeitar as nossas
diferenças e disponibilizar as condições para que alcancemos esses postos
dentro daquilo que somos e não como querem que sejamos.
É isso o
que eu sinto, é por isso que eu acordo diariamente com disposição e força para
continuar na batalha, mesmo quando as coisas não andam bem, eu sei que preciso
seguir fazendo a minha parte. Eu me darei por satisfeito apenas quando todos
nós estivermos no palco, quando não ficarmos mais isolados e apartados da
sociedade, seja por barreiras arquitetônicas ou atitudinais. É para elas e por
elas que seguirem me emocionando com o que faço, e entre sorrisos e lágrimas, chamar
mais e mais pessoas com deficiência para dividir o palco conosco. E que assim
seja!!!
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