Nós últimos dez anos o Brasil – e o mundo – tem vivido a
febre das redes sociais. Tudo começou com o “falecido” Orkut, e dai em diante
outras tantas foram surgindo. Apesar de todos os benefícios, muitas coisas
ruins vieram junto, como a crença de que tudo que está postado representa a
verdade inequívoca, o que na maioria das vezes não condiz com os fatos, como no
lamentável caso em que uma moça inocente foi linchada e morta brutalmente por
ser confundida com uma sequestradora de crianças.
Não é de hoje que me interesso pelos estudos sobre as redes
sociais, já que minha dissertação de mestrado foi sobre as narrativas de
pessoas com deficiência visual no Orkut. Durante dois anos entrava quase
diariamente no site para abastecer minhas pesquisas e para meu uso pessoal,
afinal em 2009 e 2010 era um dos mais populares sites de relacionamentos. Lá
podíamos encontrar velhos amigos, ampliar contatos profissionais e fazer novas
amizades.
Para mim, era mais do que divertimento, era meu trabalho e
isso me fazia mais do que participar, refletir e estudar sobre aquele novo
fenômeno de interatividade. Naquela época – a nem tanto tempo assim – Era mais
comuns que as comunidades criadas fossem mais claras e objetivas quanto a suas
ideias, que eram muitas vezes odiar ou amar a algo, mesmo que sem motivo
aparente.
De maneira geral, não parecia haver a tentativa de tornar
uma postagem uma verdade absoluta dos fatos, já que de algum modo as pessoas
ainda não haviam incorporado uma ideia de que vida e rede social era a mesma
coisa. O Orkut se foi e surgiram outras redes mais abrangentes em seu lugar,
como Facebook e Twitter. Coincidência ou não, enquanto essas redes emergiam, os
modos como os brasileiros lidavam com esses sites foram se transformando até
chegar ao quadro que temos atualmente.
De ambientes onde se priorizava a interação entre as pessoas
e o entretenimento dos usuários, pouco a pouco, já na “Era Facebook” começaram
a surgir um número cada vez maior de usuários cujo intuito principal é a
exposição de suas ideias e conceitos políticos e sociais, por exemplo. A parte
boa disso tudo é que muitos jovens tem reaprendido a articular e a participar
de movimentos sociais, vide os protestos de Julho de 2013, que para o bem ou
para o mal, mexeram um pouco com a acomodação nacional.
O lado ruim disso tudo, é que a imensa maioria desses “novos
militantes” passaram a ter uma ideia um tanto distorcida da realidade. Para
essas pessoas basta “curtir” ou “compartilhar” uma postagem de protesto e em um
passe de mágica tudo vai se resolver. Mais ainda, acham que criar ou participar
de eventos virtuais, disseminar conteúdo e ideias de contrariedade ao sistema
vão por si só dar conta de todos os problemas.
Em minha opinião, isso não resolve muita coisa, já que tudo
aquilo que se diz em um dia, no outro virou mera poeira cibernética, e ninguém
mais se recorda do que aconteceu, em tempos onde o efêmero predomina, o mais
difícil não é pôr fogo, é mantê-lo aceso. É tolice achar que você vai mudar o
mundo só escrevendo algo sentado em uma cadeira confortável em frente ao
computador, é preciso bem mais do que isso. .
Não estou querendo ser o dono da verdade, mesmo porque
durante algum tempo eu mesmo tomava essas atitudes. Logo que passei a utilizar
o facebook, reivindicava e reclama de tudo aquilo que eu entendia problemático,
desde a desigualdade social, até o buraco na calçada da minha rua. Obviamente,
o mundo não ficou melhor por conta das minhas reclamações, a única coisa que
aconteceu, foi que eu me tornei igual a todo mundo, só criticando tudo e
ganhando a fama de resmungão.
Ficar postando conteúdo de protesto e bradando contra o que
está errado ou reclamando de qualquer coisa do cotidiano virou moda, e como
sempre preferi mais a contracultura e o lado contrário do fluxo, achei que
estava na hora de tentar outras alternativas. Não que hoje eu não reclame, mas
penso umas mil vezes antes de fazer isso. Não só posto coisas, mas tomo
atitudes concretas para viabilizar as coisas nas quais eu acredito. Enfim, eu
deixei o conforto de casa e fui a luta.
Por tudo isso, as pessoas acham que as redes sociais são
como “realidades paralelas” onde você pode dizer o que quiser, no momento que
achar a adequado e sem se importar se irá atingir diretamente os sentimentos ou
o patrimônio de alguém.
É cada vez maior a quantidade de xingamentos, de
linchamentos morais, de manifestações racistas e preconceituosas, feitas na
maioria das vezes por quem sempre teve essa opinião e encontrou no pretenso
anonimato das redes um cenário ideal para proliferar suas imbecilidades.
Muitos desaprenderam ou nunca souberam o que é discordar de
outra pessoa apenas utilizando argumentos concretos e sem partir para o lado
pessoal, discutir ideias e não pessoas, debater conceitos sem atingir a honra
de outrem sem que haja provas. Talvez porque mais fácil do que ter ideias
qualificadas seja desqualificar o outro.
Contudo, por mais que doa na alma esses tipos de xingamentos e
de mentiras ditas a seu respeito, tudo é tão passageiro que em menos de uma
semana tudo é esquecido e a ferida cicatriza. O pior é quando tudo isso
transborda o terreno virtual e apunhala em cheio a integridade física de
alguém, como já ocorreu tantas vezes.
Como disse antes, algumas pessoas leem um notícia na
internet e a disseminam nas redes sociais como se fosse a maior de todas as
verdades. Nisso, outra pessoa que te segue compartilha de sua ideia e reproduz
o conteúdo e assim a coisa se espalha com uma rapidez incontrolável.
Muitos sabem que a informação não é verídica, mas como
querem se tornar populares por motivos comerciais ou de vaidade mesmo, postam
sem se importar com as consequências que um ato impensado pode ter na vida
daquele que está em questão. Afinal, a
popularidade nas redes sociais é um fator tão almejado que muitas vezes supera
qualquer limite ou princípios de valores éticos que uma pessoa possa ter – ou
não.
Você se torna mais popular quando xinga alguém ou algo,
quando compartilha conteúdo onde a violência está explicita seja a favor ou
contra, do que quando escreve um texto literário ou compartilha um poema ou
evento cultural, por exemplo. Sendo claro, muitas pessoas querem mesmo é ver
sangue, e o pior, é que cada vez mais elas conseguem.
Embora esse não seja um fenômeno exclusivamente das redes
sociais, a ideia de fazer justiça com as próprias mãos encontrou nelas o
terreno ideal para se proliferar descontroladamente. Cada vez é maior a
quantidade de denúncias e da criminalização de pessoas através desses meios.
Muitos têm consequências menos graves, mas é assustador o aumento daqueles que
acabam consumando as ameaças.
Ano passado, aconteceu um fato que me deixou perplexo e
reflexivo por um longo tempo. Uma página do Facebook apresentou o retrato
falado de uma mulher que estaria
sequestrando crianças. Quase instantaneamente alguém “identificou” de quem se
tratava, e logo espalhou a notícia sobre quem seria a criminosa.
Um grupo se juntou, e como um conselho de sentença arbitrário,
julgou e condenou sumariamente a moça. Entraram em sua casa e as agressões
começaram de modo abrupto e intenso, sem que ela tivesse a mínima chance de
dizer sequer uma palavra ou saber porque estava apanhando. Foi arrancada da
residência e arrastada pelas ruas enquanto a violência brutal continuava sob
aplausos e com o aumento de agressores. Depois de tanto cansarem de bater e
vendo que a mulher parecia morta, ainda a jogaram em um córrego.
Se é verdade que eu reclamava de tudo pelo Facebook, uma atenuante
tenho, jamais fui atrás de notícias perigosas como essa, jamais achincalhei
alguém sem ter provas, e nunca estimulei a violência de qualquer tipo. Também
era a favor da pena de morte, desde que antes da execução houvesse um
julgamento justo, com direito a defesa e com a necessidade de provas cabais.
Como falar em justiça em um país com o judiciário que temos?
Como confiar em justiça com uma sociedade doente que temos? Não, acho que ainda
não podemos fazer isso, embora eu ainda ache que uma pessoa que comete crime hediondo
deve ser isolada para sempre do convívio social.
Mas o que essas pessoas fizeram foi de tamanha estupidez,
que sequer deixaram a vítima se defender, sequer perguntaram ou tentaram ver se
a informação era correta, e antes disso já saíram batendo. Eu confesso ter
ficado triste, perplexo e refletindo: E se fosse a
minha mãe? A que ponto chegou a nossa sociedade? Onde vamos chegar com tudo
isso? O que me angustia é não ter respostas para nenhuma das perguntas.
Seja como for, a vida dessa pessoa e de outras que se foram
por conta da exposição e das mentiras contadas nas redes sociais. É preciso que
alguém seja responsabilizado quando posta uma informação desse tipo, mas em
minha opinião, quem “curte” e/ou “compartilha” deveria ser responsabilizado na
mesma medida, por ter aceitado e disseminado passivamente informações que podem
atentar contra a moral e a integridade física de outrem.
Não é mais aceitável que as redes sociais sejam usadas como
espaços em que tudo é possível, principalmente, quanto a divulgação de
informações e ideias que afrontem os Direitos Humanos, e isso não é censura,
mas respeito ao outro. Enfim, algo precisa ser feito e eu comecei fazendo a
minha parte, repensando a minha vida e os meus conceitos, sugiro ao leitor
fazer o mesmo, pois um dia, de estilingue você pode passar a ser a vidraça.
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