Para
pessoas com deficiência visual, creio que uma das situações mais embaraçosas
sejam aquelas em que estamos em um lugar completamente desconhecido, pior ainda
se for em um país diferente e com outro idioma. Esse é o meu caso, embora eu
saiba razoavelmente bem me virar no espanhol e esteja acompanhado por minha
esposa Patrícia.
Sinto-me
como um bebê, que reaprende tudo, a achar ruas, a encontrar os melhores
caminhos, a evitar ao máximo se perder (o que nem sempre é possível), a me
comunicar de um jeito diferente, enfim, entrar na vida da cidade. Já estou aqui
há vinte dias e pude analisar muitas situações de acessibilidade,
principalmente as que se referem aos sistemas de transporte e das ruas de
Barcelona, além de outras particularidades interessantes relacionadas ao tema.
Uma das
coisas que mais me chama a atenção aqui é a grande quantidade de cadeirantes
circulando pela cidade. Muitos, mas muitos mesmo,. pessoas idosas que já não caminham
mais, porém, o número de adultos, jovens e crianças em suas cadeiras de rodas é
bem grande.
Achei bem
estranho que até hoje só encontrei dois cegos – um eu mesmo vi, o outro minha
esposa contou ter visto de longe. Em um país com uma das maiores maior
associações de cegos do mundo como é o caso da ONCE (Organização Nacional dos
Cegos da Espanha), não me deparar com uma quantidade proporcional de pessoas
com deficiência visual nas ruas foi mesmo uma surpresa, pelo menos até aqui.
No que
tange às ruas e calçadas, a diferença para o Brasil é colossal. Em vinte dias
andando – e muito – pela cidade não encontrei sequer UM buraco ou obstáculo
aéreo que pudesse representar perigo para uma pessoa com deficiência visual.
Tudo que vi até agora uma bengala rastrearia com relativa facilidade (conforme
se pode ver em uma das fotos abaixo).
A
dificuldade aqui é que as ruas estão dispostas na diagonal em relação às
grandes vias da cidade, isso acaba levando a muitas confusões nos cruzamentos e
acarreta problemas na hora de encontrar algum itinerário traçado. Pior que
isso, é necessário ter uma luneta para achar o nome das ruas, pois essas ficam
afixadas a uma distância muito grande e as letras são pequenas.
Todavia, os
condutores de carros, caminhões, motos e bicicletas respeitam todos os sinais e
guiam sempre com segurança, se um pedestre atravessa a rua, mesmo com o sinal
fechado eles param seus veículos (já ouvi reatos contrapondo isso que digo), e
quando o sinal fica verde para os pedestres parece aquela brincadeira de
“estátua” pois TODOS param na faixa correta.
Excetuando-se o distrito da Ciutat Vella, que é a parte
histórica da cidade e por isso as ruas são estreitas e os prédios mais antigos
bem inacessíveis, o restante da cidade que conheci até agora é bem diferente.
As calçadas
são amplas em sua maioria, o que ajuda no fluxo dos pedestres e na circulação
de pessoas com deficiência, já que sendo grande e sem obstáculos perigosos
ajudam muito a termos segurança e autonomia. Como eu já disse, não há buracos,
relógios de luz, orelhões ou lixeiras que nos façam ter quedas ou colisões.
Não há
muito piso tátil, e confesso que isso me decepcionou um pouco – mas só um
pouco. Não encontrei nenhum desses pisos pela cidade nos caminhos que fiz. Mas,
se pensarmos que poucos são os cegos que circulam pelas ruas, talvez isso seja
mesmo considerado desnecessário pelas autoridades daqui. Eu ainda acho que
todas as ruas de todos os lugares do mundo deveriam ter pisos táteis bem
colocados, mas aqui isso não chega a representar um perigo mais grave.
Encontrei
os pisos táteis apenas nas estações de metrô. Lá sim eles estão em todos os
lugares, inclusive no banheiro. Mais do que isso, ao contrário do que acontece
na maioria dos lugares no Brasil, aqui o piso tátil é colocado corretamente. Um
exemplo disso, é que quando se chega perto da escada (rolante ou não) para sair
da estação, o piso vai direcionando para o canto direito onde existe um
corrimão e o fluxo de movimento é menos perigoso (aqui o lado esquerdo é
reservado aos apressadinhos).
O piso
tátil aqui é diferente (como pode ser visto em uma foto que tirei do piso no
metrô), pois ele não tem relevos como os nossos. Eles são apenas pisos
diferentes dos lisos colocados no restante do espaço. Enquanto todo o chão é
cinza ele é da cor branca, e o contraste é bom. São todos com umas ranhuras, e
quando as ranhuras são na vertical é para andar, e na horizontal é o piso de
alerta. Contudo, o problema é que pelo fato de as ranhuras serem pequenas e
finas, sentir a diferença dos pisos é um pouco complicado e só mesmo se
acostumando para saber como usar, duvido que alguém de botas sinta a diferença.
Por outro
lado, quando fui à praia, aproveitar o que resta do verão europeu, notei que as
praias aqui são relativamente acessíveis. Em muitos lugares como na praia de
Bogatell (conforme pode ser visto na fotografia), os acessos à orla contam com
muitas rampas e em alguns lugares se pode encontrar umas plataformas com rampas
que permitem aos cadeirantes e pessoas com mobilidade reduzida tomarem seu
merecido banho de mar.
O sistema
de ônibus é um espetáculo à parte. Para começar, as paradas todas têm bancos e
cobertura em caso de chuva ou muito sol, onde se pode encontrar também
informações sobre todas as linhas que passam na respectiva parada, seus
destinos e horários.
Na maioria
dos pontos há painéis eletrônicos que avisam as linhas que passam por ali e
quanto tempo falta para que cada coletivo chegue ao local. Mais surpreendente
que isso, para quem vive no Brasil, é que os ônibus SEMPRE chegam no horário
marcado, tanto é que eu resolvi conferir e desisti, pois nunca houve sequer um
atraso (esse sistema também existe no metrô)..
Outra
questão importante é que todos os ônibus contam com letreiros enormes e com
cores cujo contraste ajuda muito uma pessoa com baixa visão a identificar
tranquilamente a linha que deve pegar. Dentro do “busão” há avisos sonoros para
avisar qual a próxima estação e para avisar quando as portas são abertas e
quando elas serão fechadas. As mesmas informações podem ser visualizadas em
painéis pelos demais passageiros.
Enfim, o resumo
que eu faria de tudo que encontrei até aqui é que Barcelona é uma cidade
preparada para as pessoas com baixa visão (pelo menos para a maioria delas).
Quero dizer com isso, que com exceção das placas indicativas das ruas, todas as
demais têm tamanho grande, nos ônibus e no metrô as informações são em fontes
ampliadas e com bastante contraste. Como não há piso tátil ou sinais sonoros
nos semáforos, creio que os cegos tenham um pouco de dificuldade em circular
pelas ruas, no entanto, quem tem baixa visão consegue se locomover com segurança
e funcionalidade.
E agora sim
para finalizar, uma coisa me agradou muito. O povo catalão é reservado e muita
gente os taxa de mal educados. Pode até ser, mas pelo menos eu me livrei de uma
coisa que tinha que conviver sempre que eu saia na rua lá no Brasil. Aqui as
pessoas não se intrometem na sua vida com perguntas do tipo: “qual seu
problema?” “quanto você enxerga? Você só vê vultos?” “não tem um tratamento para
te fazer melhorar a visão” ou observações: “tadinho, inteligente, mas cego”.
Aqui eu
posso andar sem ser importunado com essas situações um tanto inconvenientes, e
das quais não sinto nenhuma falta. Em Barcelona, é cada um na sua, se precisar
de ajuda você pede e eles ajudam, sem perguntas intrometidas. Todos me tratam
normalmente, sem piedade ou como herói que se supera, e isso me faz muito bem,
afinal, não é assim que tem que ser?
Mais do que
acessibilidade arquitetônica, parece que as barreiras atitudinais são bem
menores do que no Brasil. Seguirei meus estudos e observações, podendo confirmar
ou não minhas hipóteses, por isso mesmo, te convido a continuar lendo as
postagens que faço aqui sobre minha epopeia bengalante em Barcelona.
A fotografia colorida mostra a praia de
Bogatell vista do calçadão em um dia de céu azul e com poucas nuvens. No centro
da imagem, uma passarela de madeira se estende do calçadão até o mar sem ondas.
Na água, ao longe, alguns barcos a vela. Ao fundo, a silhueta de alguém
que anda sobre a passarela rumo às águas azuis do Mediterrâneo. Na
areia, a meio caminho entre o calçadão e o mar, poucas pessoas tomam
sol. À direita, junto à passarela, dois latões de lixo e, perto
deles, um piso sobre o qual estão dois chuveiros.
Descrição: Mimi Aragón
Descrição da foto:
A fotografia colorida retrata o trecho da Gran
Via de les Corts Catalanes junto à Plaza de Toros Monumental em um dia claro. À
esquerda, o leito da avenida com duas pistas triplas. No centro, um canteiro
ladeado por árvores, no meio do qual está uma placa amarela com setas pretas
que apontam para a direita. À direita, a fachada de tijolos castanhos em estilo
neomudejar da Plaza, com o alto da aberturas em forma de arco decorado com
azulejos brancos e azuis. Automóveis estão estacionados ao longo de toda a
faixa dupla junto à fachada.
Descrição: Mimi Aragón
Descrição da foto:
A fotografia colorida mostra a plataforma de embarque da estação Monumental, da linha roxa de metrô. À direita, os trilhos percorrem o longo túnel sem qualquer vagão. No centro, no chão cinzento, paralelo à beirada da plataforma, um piso tátil direcional em tom claro. Ao fundo, uma mulher caminha sobre ele. À esquerda, algumas pessoas aguardam sentadas ou em pé.
A fotografia colorida mostra a plataforma de embarque da estação Monumental, da linha roxa de metrô. À direita, os trilhos percorrem o longo túnel sem qualquer vagão. No centro, no chão cinzento, paralelo à beirada da plataforma, um piso tátil direcional em tom claro. Ao fundo, uma mulher caminha sobre ele. À esquerda, algumas pessoas aguardam sentadas ou em pé.
Descrição:
Mimi Aragón
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