quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Porto Alegre um dolorido "modelo de acessibilidade"


O prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, tentou começar a construir uma solida carreira de humorista e contou uma piada muito engraçada dizendo que: “Porto Alegre é um modelo de acessibilidade para o Brasil e para o mundo". Fico imaginando por quais ruas esse político fanfarrão deve caminhar, ou quem sabe, deve estar com baixa visão e não percebe que o que ele diz é um engodo. Se bem que se ele tivesse deficiência visual, logo teria notado que errou ao fazer essa afirmação. Porto Alegre é um parque temático de buracos, e me arriscaria a dizer que a cidade tem mais calçadas problemáticas do que habitantes.
Nossa cidade nunca foi acessível, as ruas sempre foram repletas de perigos e de dificuldades para quem tem algum tipo de deficiência. Eu desafio quem quer que seja a me mostrar UM ponto da cidade onde tudo seja plenamente acessível. Morar por aqui é um desafio constante, e nos dividimos em dois grupos, o das que já se acidentaram, e das que irão se acidenta um dia. Desde sexta passada pertenço ao primeiro grupo.
Como se não bastasse a INacessibilidade da cidade, a insegurança é tão problematica quanto os problemas estruturais da capital gaudéria. Cada dia mais o medo e a violência crexcem e sobreviver aqui sem ser assaltado, roubado e agredido é uma tarefa para bem poucos.
Tanto é que temos índices bem parecidos a São Paulo e Rio de Janeiro em termos de violência urbana. Mas e quando os dois problemas se juntam em um único momento, qual o resultado? É, isso me aconteceu na semana passada e garanto que está sendo bem dolorido.
Sexta passada, por volta das 8hs, desci do Õnibus, sob o viaduto da avenida Duque de Caxias. Algo raro aconteceu naquele dia, não havia ninguém na parte de baixo do viaduto, sempre cheio de pedestres e ambulantes, assim como a praça Raul Pila, em frente de onde eu estava, que está sempre igualmente lotada, naquele dia não havia sequer uma pessoa, que eu pudesse ver pelo menos.
Havia apenas um sujeito em atitude absolutamente suspeita, o que me deixou apreensivo, já que eu carregava uma mochila com meu notebook (onde estavam gravadas dentre tantas coisas, meu projeto de tese). Embora eu enxergue pouco, desenvolvi tecnicas para perceber quando alguém age de modo suspeito, e assim consegui verificar que o vagabundo me seguia. Eu tinha que atravessar uma praça para chegar até a UFRGS, e meu medo era de que ele me assaltasse ali mesmo, e depois de me abordar nada poderia fazer, afinal, reagir é sempre a pior coisa a fazer.
Então, atravessei a rua e tendo uma certa distância, comecei a correr para evitar que ele me alcançasse ali onde não havia ninguém. Depois de passar por uma dezena de buracos na calçada, quando estava quase chegando à esquina pisei em uma lajota solta,: virei o pé, tropecei e tive um baita tombo. Como não sabia se o meliante estava atras de mim ou não, na fração de segundos que tive, resolvi continuar correndo até um lugar seguro, e assim o fiz.
Depois de estar em segurança é que fui ver o estrago: pé esquerdo inchado, joelho esquerdo mega inchado - ainda hoje está -, uma dor lancinante na costela - que ainda persiste -, cortes na mão esquerda, no lábio superior e no rosto (abaixo e acima do olho esquerdo). Dos males o menor, meu projeto de tese estava salvo.
Hoje, cinco dias depois do ocorrido, ainda tenho dores fortes na costela do lado esquerdo do torax, meu joelho continua inchado e tenho dificuldades para caminhar. Os exames médicos mostraram que não foi nada grave, mas poderia ter sido.
O que eu fico pensando é como se pode tentar mascarar os graves problemas que a cidade tem para nós com deficiência ou qualquer pessoa que queira escapar de um problema mais grave. Que modelo de acessibilidade é esse onde em um dos lugares mais movimentados da cidade há mais buraco que calçada?
Desde 2011, há um Plano Diretor de Acessibilidade aprovado pela prefeitura e já vigorando como lei. Onde eu cai? em uma praça municipal! Não adianta de nada fazer leis se elas não são cumpridas, criar planos diretores para que fiquem no âmbito do "um dia a gente implementa". cadê a fiscalização? qual a punição para quem não cumpre 00 incluindo os políticos que deveriam ser responsabilizados por isso? Um a lei que não é aplicada é só mais um pedaço de papel inútil.
As pessoas ainda tratam a acessibilidade como desdém e sem a seriedade necessária. Não sei se a dor maior é física ou em minha honra de cidadão honesto e cumpridor de seus deveres. Para quem precisa de acessibilidade, Porto Alegre trata seus habitantes com desprezo, com indiferença e até mesmo com má intenção, ao dizer que nós estamos errados ao reclamar dos perigos da cidade. Quanto custa tapar um buraco? será que é mais caro me atender em um hospital ou colocar corretamente uma lajota?
Como diz minha amiga Mariana Baierle, o maior problema não são as calçadas, mas as mentes deterioradas que deixam as calçadas mal conservadas. Eu acho que vão esperar alguém morrer ou ter graves ferimentos para fazer algo, mas dai, pode ser tarde demais. Porto Alegre é uma cidade RIDICULAMENTE INACESSÍVEL, e por mais piadas que o prefeito conte quem sente as dores somos nós.
Nosso município já não tem belezas muito atrativas, nem praias ou construções monumentais, mas bem que poderia tentar ser um modelo de acessibilidade. Se não der para ser modelo, pelo menos que nos locais onde mais pessoas circulam, manter as calçadas bem cuidadas já seria um bom começo.
Ás vezes quando falamos que conhecemos alguém que se machucou ou que soube de um caso assim, poucas vezes isso fica registrado, é como se fosse uma anedota contada, onde sem provas, poucos são capazes de se colocar no lugar do outro.
Por isso mesmo, posto aqui uma foto de como eu estava no dia da minha queda, horas após o ocorrido. Com vários hematomas, curativos, pomadas, bolsa de gelo e dor, mas isso não aparece nas fotos. Só mesmo um registro desses para fazer com que se possa refletir um pouquinho sobre esse “modelo de acessibilidade” que temos em Porto Alegre.

 


















Um ano e dois meses depois...
Resolvi revisitar essa postagem para fazer algumas atualizações. A primeira é que, mais cinco dias se passaram e as dores na costela persistiram. Fui rever meus exames e descobri que tinham sido trocados pelos de outra pessoa. Retornei ao HPS, refiz os exames e descobri que estava com a costela quebrada.
A cidade é um eterno canteiro de obras, o que piora ainda mais a acessibilidade já caótica na cidade, no mais, em termos de acessibilidade arquitetônica tudo continua como "dantes no quartel de Abrantes", com ruas esburacadas, obstáculos aéreos que causam ferimentos, sinalização precária e por ai vai....
Estabeleceu-se um plano de metas para cada secretaria, inclusive para a SMACIS que cuida da acessibilidade. Conforme os critérios do governo, todas foram cumpridas e ultrapassadas. Porém, acredito haver um profundo erro conceitual nessas metas. Rebaixar calçadas, fornecer cartçoes de isenção no transporte e sinaleiras sonoras bastam? Definitivamente, não!
De que adiante rebaixar as caçadas se o rebaixamento é mal feito e em lugares às vezes inócuos? de que adianta colocar semáforos sonoras se as ruas continuam perigosas para os cegos andarem sozinhos tendo a integridade física preservada? De que adianta conceder carteira de isenção no transporte coletivo se os ônibus continuam sem acessibilidade plena? De que adianta oferecer selos de acessibilidade se nem sabemos os critérios? E se houverem, nem amplamente debatidos foram. Há mais, mas acho que paro por aqui mesmo.
Uma cidade modelo de acessibilidade faria diversos eventos na semana de seu aniversário sem acessibilidade? Porto Alegre fez! Não há nenhum evento em que haja audiodescrição e/ou Libras. Ano passado ocorreu o mesmo, fiz uma solicitação oficial para que nesse ano houvesse e sequer recebi resposta. Que modelo é esse? Como poderei comemorar o aniversário de uma cidade que vira as costas para mim e minhas necessidades básicas?
A única meta a ser cumprida é permitir que as pessoas com deficiência tenham a possibilidade de desfrutar dos mesmos ambientes e atrações da cidade. é dar segurança para seus cidadãos para que circulem nas ruas sem o risco de ferimentos como os que eu tive. E nesse caso:META NÃO CUMPRIDA INTEGRALMENTE!

2 comentários:

  1. Oi Felipe, tudo bom?

    Eu estudo Jornalismo na PUCRS e estou fazendo uma matéria sobre "Acessibilidade na cidade de Porto Alegre". Pesquisando sobre o tema, me deparei com esse texto no teu blog, que trata justamente sobre tuas dificuldades com a acessibilidade para deficientes na nossa cidade. Poderiamos marcar de conversar?

    Obrigada!
    Att Carolina Fortes

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    1. Olá.
      Podemos conversar sim. Me manda um e-mail f.mianes@terra.com.br
      Assim podemos compartilhar algumas ideias

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