segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O badalar das bengalas

A imensa maioria das bengalas utilizadas pelos cegos e pessoas com baixa visão tem um som bem particular, e embora eu particularmente ainda não as use, cada vez que escuto o som de uma delas se aproximar, me passa uma imensa sensação de não estar sozinho, de uma identificação direta, como se o simples fato de ouvir aquele badalo me fizesse sentir acolhido. Felizmente, noto que os sujeitos com deficiência visual tem circulado com mais freqüência e em maior número em espaços cada vez mais diversos.
Dizem que os indivíduos que não enxergam bem tem uma estreita ligação com sua audição. Se isso é verdade eu não sei, mas que meus ouvidos cintilam cada vez que escuto o badalar de uma bengala tipicamente ostentada por algum “colega”, sinto-me como se estivesse em casa. Creio que todos querem estar minimamente perto daqueles com quem se identificam, conosco não é diferente.
Quando ouço o típico tilintar da bengala, penso que não estou sozinho, que há por perto mais alguém que percebe o mundo mais ou menos como eu, que tem dificuldades parecidas, que me faz sentir próximo pelo simples fato de dividirmos uma mesma condição.
Durante muitos anos os sujeitos com deficiência visual foram apartados do convívio social. Também devido a razões fundamentalmente políticas esses sujeitos não vivem em comunidades como os surdos, por exemplo, é difícil encontrar sujeitos com deficiência visual que tenham muitos amigos na mesma condição, a não ser que freqüentem as associações para cegos, das quais me furto aqui de comentar.
Ainda não faço uso da bengala, mas admito que não teria nenhum problema em fazê-lo, já que até acho que tem seu charme... Mas é fato, que a bengala é um ícone para aqueles que não enxergam o mundo do modo convencionalmente dito normal. Embora saibamos que o maior número de pessoas com deficiência visual são os que possuem baixa visão, e não os cegos, mesmo assim, são estes últimos que ganham mais destaque
Contudo, meu coração se acalanta e se infla de esperança, quando passo na rua por alguém com deficiência visual, quando convivo com pessoas com as quais me identifico. E o que me torna ainda mais feliz é ver que a quantidade de bengalas e seus donos circulando pelas ruas tem aumentado vertiginosamente nos últimos tempos.
Não sei se isso se deve ao fato de eu trabalhar pesquisando sobre o assunto, mas, antigamente passava muito tempo sem ver alguém que usasse bengala circulando pela cidade, fosse qual fosse o ambiente. Atualmente, são raros os dias em que não encontro ao menos uma pessoa empunhando seu ícone da não-vidência.
Quanto mais nós “ceguinhos” freqüentarmos os espaços públicos e privados, como teatro, cinemas, museus, motéis, parques, estádios de futebol ou seja lá o que for, mais aqueles que não tem o privilégio do não-enxergar irão verificar que nossas limitações estão naqueles que estabeleceram os padrões, e não são empiricamente comprováveis.
Admito que a maioria dos espaços públicos ainda são um show de horrores da inacessibilidade, mas é preciso ir aos lugares mesmo assim, mostrar que a deficiência está nos locais e não nas pessoas. Ou seja, quanto mais circularmos pelos diferentes ambientes possíveis, nossa presença se tornando constante, será necessário que algo seja feito. Embora cada um de nós deva fazer a nossa parte.
Aos poucos, ocorrem cada vez mais iniciativas que objetivam proporcionar acessibilidade e novas possibilidades aos sujeitos com deficiência visual. Projetos acadêmicos ou não, que almejam disponibilizar recursos de acessibilidade e acolhimento em ambientes culturais, e não apenas ao mercado de trabalho ou aos tratamentos médicos, como fora corriqueiro outrora.
No entanto, para que tais projetos continuem tendo viabilidade é necessário que passemos a bater as bengalas por ai e irmos até esses locais, gerar demandas, fazer pressão com nossa presença física. Afinal, reclamar dos problemas é fácil, difícil é vontade de ajudar na hora que as soluções aparecem...
Portanto, seja pelo que penso como acadêmico, de que somente gerando demanda através da presença é possível viabilizar as iniciativas de acessibilidade. Meu lado pessoal, deseja ainda mais ardorosamente ouvir mais e mais o badalo das bengalas como sensação de pertença, e que os acordes advindos de seus barulhinhos no solo se tornem a melodia da autonomia....
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Felipe Leão Mianes

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