Quando chega o final do ano letivo nas escolas é tradicional
que aconteçam as apresentações das crianças com belas mensagens natalinas,
geralmente incentivando amor, compaixão e empatia.
As crianças
se divertem muito, trabalham em equipe e passam bastante tempo dos últimos dias
de aula ensaiando para os “espetáculos” a serem realizados. Os corredores viram
quase a casa do Papai Noel, com uma farta e colorida decoração natalina. Os
pais ficam sempre às voltas com a compra de fantasias, materiais para as
apresentações e outras exigências feitas pelos professores.
Quando chega o tão esperado dia e todos os
nossos pequenos se alternam em lindas apresentações, com muitas luzes
coloridas, efeitos visuais, fantasias, coreografias e um show que enche os
olhos de quase todos com lágrimas pela “fofura” que é ver seu filho sendo
artista por um dia.
Leitor,
volte até a ultima frase e veja onde eu escrevi “quase todos”, será que isso
foi proposital? Seriam “quase todos” porque alguns são muito “durões” e não se
emocionam com tudo isso? A resposta é: não! E há uma razão para isso, que
provavelmente você jamais percebeu antes de ler esse texto.
Vou lhe
fazer uma pergunta, ainda que seja meramente retórica, pois sei a resposta. Você
já parou para pensar que a mãe ou o pai do colega do seu filho podem ser cegos?
E já se perguntou como eles fazem para entender e sentir todas aquelas imagens
que você fotografou e filmou no celular? Pois é, a maioria das pessoas é como
você e nunca se deu conta disso.
Nós que
somos pais com deficiência visual ficamos numa situação bastante difícil e de
desvantagem, para não dizer que somos discriminados e esquecidos nessas
ocasiões. Enquanto todos os pais veem suas estrelinhas de natal brilhando no
palco, nós nem fazemos ideia de onde elas estão, que roupas estão vestindo ou
que coreografias estão fazendo.
As escolas
não se preocupam com a nossa deficiência visual, não se importam se nós estamos
enxergando ou não tudo o que está acontecendo. Fosse algum tempo atrás eu até
entenderia, mas hoje com a quantidade de recursos de acessibilidade e
tecnologias que temos, como a audiodescrição, é inaceitável e frustrante ir a
qualquer apresentação na escola e ver a alegria dos outros pais ao mesmo tempo
em que nós ficamos lá num cantinho sem saber de nada do que está se passando.
As mensagens natalinas nunca
serão completas nem verdadeiras enquanto as escolas e os demais pais não
pensarem naqueles que tem alguma dificuldade para acompanhar esses momentos tão importantes. De que adianta falar de amor e empatia se eu fico perdido sem que
sequer alguém da escola se disponibilize a descrever o que está acontecendo? Como
podemos nos emocionar se não sabemos como tudo está sendo feito?
Para ser sincero, essas cerimônias
me deixam com muitas emoções à flor da pele, fico triste por não poder ver – no
meu caso com os ouvidos – a apresentação da minha filha, fico com raiva e
revolta por perceber que todos dizem querer um mundo melhor e mais inclusivo,
mas nem param para pensar na gente, fico com gana e com muita vontade de
continuar resistindo e mostrando que nós que não enxergamos existimos e que
fazemos parte do mundo, e que precisamos ser respeitados.
Se coloque no meu lugar e pense
como seu filho se sentiria sabendo que todos os outros pais estão acompanhando
e se emocionando com o show, menos você. Eu tenho certeza que isso causa uma
grande tristeza nas crianças com pais cegos ou com baixa visão, pois elas sabem
que sem audiodescrição seus pais não poderão sentir toda a alegria e dedicação
que elas emanam com sua performance.
Ou então, você que tem filhos
cegos ou com baixa visão pense no quanto essas apresentações de natal são
realmente importantes para eles, afinal de contas, provavelmente é tudo tão
visual que não valerá a pena e não fará nenhum sentido sua participação, a não
ser que ela seja adequadamente incluída e respeitada dentro de sua diferença e
possibilidades.
Por fim, convido o leitor ou a
leitora a se colocar no nosso lugar de verdade e repensar sobre essas
situações. Creio que não são as peças de teatro ou as músicas de natal que
tornam o mundo um lugar melhor.
O que pode fazer com que nossas
vidas tenham mais amor e felicidade são as ações que tomamos com relação a nós
e aos outros, amando ao outro como a nós mesmos, assim já dizia o
aniversariante. Por isso, conceda um presente a si mesmo, pense naqueles que
são diferentes de você, que tem necessidades e peculiaridades diferentes, cores
e orientações diversas, pois se é verdade que há um pouco de nós em cada um,
você também é um pouco cego, e isso é bom, acredite!