Uma das primeiras coisas que aprendi com meus pais é que na
vida as pedras rolam, e um dia elas sempre caem juntas no mesmo buraco, viram
areia e voam com o vento. Não importa se essas pedras tenham sido usadas para
construir um palácio ou um casebre, que elas sejam preciosas ou sem valor
comercial. Seja como for, sempre viram pó.
Uma das coisas que a baixa visão me ensinou foi querer
sempre ter a maior autonomia possível, porém, há situações em que iremos inevitavelmente
depender de outra pessoa. Necessitar do outro para caminhar em segurança não é
um sinal de fraqueza e sim de força para reconhecer que é assim que a
humanidade deve andar, unida e se ajudando mutuamente. É difícil para algumas
pessoas reconhecer que não podem fazer tudo sozinhas, mas por mais paradoxal
que seja, depender do outro é libertador.
Quando o temperamento adolescente chega – e em muitos permanece
por longo tempo -, pensamos que temos o mundo aos nossos pés, que nós sempre
estamos certos e que “o inferno são os outros”. Já para aqueles que se
acostumaram a ter ajuda desde cedo, esse processo se dá com menor intensidade e
tem prazo de validade curto.
Talvez por isso, eu tenha aprendido desde criança a
necessidade de cultivar sempre a humildade como um dos valores fundamentais em
minha vida. Como eu não enxergo muito bem o rosto das pessoas, a faxineira e o
dono da empresa são a mesma coisa para mim, afinal, sendo pessoas, merecem o
mesmo tratamento e atenção. Sempre achei mais interessante estar no mesmo nível
do que todo mundo, por que assim eu consigo olhar as pessoas nos olhos – ainda que
eu deva estar bem perto para fazer isso.
Vivendo no mercado de trabalho e no mundo acadêmico, venho
percebendo que esse é um valor que está se apagando, quiçá pela sociedade
individualista e competitiva em que vivemos. Mas quando já pensava que
humildade fosse algo ultrapassado, tive uma experiência que levarei sempre
dentro do meu coração.
Dentro da audiodescrição, há pessoas de quem sou um fã efusivo, e a professora
Josélia Neves, referência mundial nessa área é uma delas. Suas ADs são
vigorosas, repletas de informação e poesia. Por isso, sempre fui admirador de seus
trabalhos. Já tinha conversado muitas vezes com ela pelo Facebook, no entanto,
por conta de minha ida a Leiria seria a primeira vez que a veria pessoalmente.
Fui apresentado a ela no momento em que acontecia um evento
onde estavam sendo distribuídas camisetas aos participantes. Depois de um
abraço, ela me perguntou: Tens uma
camiseta? Eu respondi: Não, ainda não.
E, para meu espanto, aquela pessoa que eu tanto admiro e que me via pela
primeira vez na vida, tira a camiseta que estava sobre um blusão e me entrega
dizendo: fica com essa então.
Para muitos, isso parece um gesto simples, não para mim.
Mais ainda, porque depois de algumas conversas e de um breve convívio, tive
ainda mais certeza da grandiosidade que é o ser humano Josélia Neves. Uma profissional
gabaritada e capaz de obras geniais, que conversava comigo como se eu fosse de
sua família.
Não são poucas as ocasiões em que conheço gente que está
apenas iniciando na carreira ou que adquire algum destaque e logo a “fama” sobe
para a cabeça. Depois da experiência em Leiria, fiquei com ainda menos paciência
para aturar esse tipo de gente que age com arrogância e prepotência, desses
quero distância. Não desejo o mal, mas aquele que empina demais o nariz acaba
caindo de traseira no chão. Pior que isso, estará tão afastado das outras
pessoas que dificilmente haverá quem estenda a mão para levantá-lo.
Não quero dizer que eu seja perfeito ou um exemplo a ser
seguido, contudo, uma das coisas que sempre me orgulhei é da capacidade que
tenho de saber quando estou errado e que devo aprender mais e mais a cada dia. Afinal,
quando a gente não tem mais nada a aprender, que graça tem a vida?
Tempos atrás, alguns amigos me falaram que eu andava
reclamando demais das coisas. Ao invés de ficar bravo e colocar a culpa em
alguém, olhei para dentro de mim mesmo e percebi que falavam a verdade, e que
eu precisava mudar, mais para o meu bem do que para mostrar aos outros. Aceite,
aprendi e desde então tenho tentado melhorar, e espero estar conseguindo. Ficar
mais tranquilo tem me feito tomar decisões menos açodadas, me faz dormir melhor
e ter mais o afeto e simpatia das pessoas.
Isso também ocorre no âmbito profissional, pois quem vive no
meio acadêmico deve saber que a crítica faz parte do cotidiano, e é assim que
tem que ser. Se eu fosse me melindrar com cada probleminha que encontram nos
meus trabalhos eu não teria mais tempo para me divertir. E, é justamente isso
que me encanta na academia e na audiodescrição, que eu ainda trabalho me
divertindo.
Mesmo porque, ter um discurso que valorize a diferença é
fácil, levar adiante isso na prática, nem todos conseguem. Entender que ninguém
está acima ou abaixo, que todos temos defeitos e qualidades, isso sim é
compartilhar a experiência de viver na diferença.
Ter humildade não significa modéstia em excesso, pois cada
um sabe e deve valorizar as qualidades que tem. Entretanto, de que adianta ter
qualidades se não souber usar? De que adianta ser bom se ninguém te quer por
perto? Além disso, aquele que acha que sabe tudo, na verdade, ainda não
entendeu nada.
Portanto, a humildade é uma ponte que nos liga ás pessoas e
aos conhecimentos. Enquanto isso, a soberba é um enorme muro de concreto sem
cor e sem brilho por onde só se vê as sombras das coisas. Não tenho raiva, nem
rancor de quem não é humilde, porque quem ainda não andou por essa ponte,
merece mesmo é pena e compaixão, no mais, a vida se encarrega...