Uma das
atividades previstas para meu doutorado sanduíche seria cursar uma disciplina
sobre acessibilidade e/ou audiodescrição. tanto quanto possível, já que isso
dependeria da disponibilidade de existir alguma aberta durante o tempo em que
eu estivesse em Barcelona.
Diferente
de muitos cursos brasileiros, a Pós-Graduação em Tradução da Universitat Autonoma
de Barcelona (UAB), disponibiliza diversas disciplinas pelas quais os alunos
podem optar fazer em sua trajetória no mestrado e doutorado, sendo uma delas a
de Audiodescripción en lá média (Audiodescrição
nos meios de comunicação, livremente traduzindo).
Para minha
sorte, essa disciplina mencionada seria ministrada entre os dias 21/02 à 30/05
de 2014, e logicamente me inscrevi. Ainda que eu esteja na modalidade de
ouvinte, já seria um grande privilégio para mim participar desses momentos de
aprendizagem.
Isso seria
muito importante para verificar como estudantes de tradução lidam com a aprendizagem
da AD, como acontece o processo de ensino de audiodescrição na Espanha, cujo
foco sendo na Tradução é um pouco diferente do modo como fazemos no Brasil. Em
minha opinião, as coisas aqui são encaradas de modo mais “técnico”, já que a
preocupação principal reside no ensino dos procedimentos e das práticas, e
menos sobre os contextos e da relação com o público, como muitos de nós fazemos
no Brasil.
Em outra
oportunidade realizarei esse debate sobre as diferenças do ensino e das concepções
de AD no Brasil e na Catalunha. Mas, como o foco aqui é meu primeiro dia de
aula, continuo nessa trilha referindo também que dias antes do inicio das
aulas, tive um encontro com Nazaret Fresno. a professora da disciplina, pois
gostaria de saber como ela ministrava as aulas, em que eu poderia ajudar e como
seria o curso de um modo mais global.
Depois de
uma animada e esclarecedora conversa acordamos que eu faria o trabalho de
revisor dos roteiros e das práticas dos alunos durante o curso, trabalhando com
todos eles em grupo e até individualmente. Isso é para mim um desafio e tanto,
já que revisarei roteiros feitos em um idioma que não é o meu nativo, com
estilos um pouco diferentes dos que fazemos no Brasil. Um estimulo e tanto para
alguém que ama desafios e novas aprendizagens, como é o meu caso.
Sabedor de
que essas vivências seriam fundamentais para incrementar meus conhecimentos
sobre o ensino de AD e algo que poderei passar para muitas pessoas quando
voltar, desde que fui aceito no curso contava os dias para que as aulas
começassem, e ontem foi o grande dia.
Em primeiro
lugar, a estrutura que os alunos possuem é sensacional. Os prédios são limpos,
funcionais e o que eu estudo tem até piso tátil, rampas e sinalização adequada
para pessoas com deficiência. Mais do que isso, todas as salas contam com ar-condicionado,
aparelhos multimídia que funcionam, mesas e cadeiras confortáveis e, cada aluno
tem em sua frente um computador rápido e que opera normalmente. Só as condições
de estudo já são bem superiores, o que facilita muito tanto para quem ensina
quanto para quem aprende, seja qual for o campo de conhecimento.
No primeiro dia, aconteceu como em
quase todas as aulas iniciais, os alunos se apresentam, a docente faz o mesmo e
fala um pouco sobre o curso e suas diretrizes. Nazaret também comentou um pouco
sobre o conceito de audiodescrição, os países onde mais estão desenvolvidos – e
para minha alegria o Brasil estava no top 5. Muitos colegas ainda não tinham conhecido
AD, e se mostraram com muita vontade de aprender, o que gerou uma conversa bem
legal até o final da aula.
Claro, foi
apenas o primeiro dia de aula e muita coisa ainda vai acontecer, pouco posso
avaliar sobre questões mais específicas, mas ficou evidente que tenho muito a
aprender e a passar aos colegas, que será uma experiência muito rica e que vai
tornar meus conhecimentos ainda mais embasados e qualificados.
Outro fato
pode ser considerado secundário, mas nem tanto. Quando cheguei para a aula fui
recebido pela professora e pela coordenadora do curso de Pós-Graduação em
Tradução. Carmem deu as boas-vindas por ser um estudante estrangeiro e também
por ser eu a primeira pessoa com deficiência visual a fazer uma disciplina
naquele programa de Pós-Graduação, e logicamente, também o primeiro a cursar a
disciplina de Audiodescrição.
Não sou
muito apegado ao fato de ter sido eu o sujeito a inaugurar esse novo posto
alcançado, mas sim, que alguém com deficiência visual tenha chegado até lá. Eu
e outros tantos ativistas e militantes na causa das pessoas com deficiência
temos lutado com afinco para conquistar o maior número de espaços possível, para
estar em todos os lugares, principalmente os considerados de excelência.
Isso
significa que eu e outros tantos temos rompido muitas barreiras, como a Mariana
na TV, o Rafael Giguer no Ministério do Trabalho e outros tantos amigos que tem
feito a diferença e mostrado que nós com deficiência visual temos qualidade e
potencial quando nos são dadas as condições de acesso.
Essa
disciplina representa para mim um incremento de conhecimento como docente,
audiodescritor e pesquisador na área da acessibilidade, mas principalmente, é a
demonstração que cada dia mais conquistamos espaços rumo a uma sociedade mais
inclusiva e que compartilhe com a diferença.